Sem ritmo e com roteiro frouxo, “Amanhecer – Parte 1” é burocrático
Filme é apenas um aquecimento para o próximo episódio e deve emocionar apenas os fãs da série
A fila que atravessava a praça de alimentação do Shopping Eldorado na noite desta quinta-feira (17) chamou a atenção de um grupo de meninas desavisadas.
“É a fila para a pré-estreia de ‘Amanhecer – Parte 1′”, informou uma outra garota em tom solene, com o convite em mãos.
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Na bilheteria, organizara-se uma verdadeira operação de guerra. Cada convite para assistir ao filme era trocado por uma pulseira que indicava em qual das diversas salas do complexo de cinema o espectador iria assistir ao filme. Os celulares rigorosamente recolhidos e os sacos de pipocas distribuídos aos montes não deixavam dúvidas: o lançamento de um novo filme da saga “Crepúsculo”, definitivamente, é um grande evento.
O clima dentro da sala, contudo, era outro, e diferente do esperado, os assentos não estavam todos preenchidos por pré-adolescentes histéricas. Havia casais, mães com filhas pequenas, famílias inteiras, idosos. À minha frente sentou-se uma senhora de cabelo platinado que, a julgar pelo vestido preto, dirigia-se a um baile de gala.
Entre os ruídos ansiosos de pipocas sendo mastigadas, os letreiros iniciais de “Amanhecer – Parte 1” ergueram-se contra um fundo vermelho na tela. O grande evento da noite vai começar. Surge o casamento entre o vampiro Edward Cullen (Robert Pattinson) e a mortal Bella Swan (Kristen Stewart).
A cerimônia obedece rigorosamente todos os clichês cinematográficos: os convidados recebem os convites – uns com alegria, outros com desagrado –, a noiva ansiosa perde-se entre a rotina de preparos. Se o filme começa com algum tônus narrativo, perde logo em seguida, em sequências excessivamente longas e diálogos insossos. O ritmo será mantido até o final da fita.
Segue-se a lua de mel do casal Cullen no Rio de Janeiro. Da cidade maravilhosa resta apenas o manjado estereótipo: as pessoas sambam, cantam e se beijam no meio de ruas coloridas contra a silhueta do Cristo Redentor projetada ao fundo. O romântico Edward livra sua amada da agitação do continente, levando-a até a afastada Ilha Esme (atrás de mim, comentam que o casal deveria ir, muito convenientemente, para Ilha Bela), onde finalmente, depois de três filmes, consumarão seu amor. É neste cenário que se revelam as preocupações de Bela – deitar-se com amado, mas não tornar-se uma vampira.
A primeira noite do casal é desastrosa: Edward quebra a cama no meio do sexo, e na manhã seguinte, culpa-se da violência com que possuiu sua recém-esposa. Cena de sexo? Filmes da “Sessão da Tarde” contêm mais sexo do que “Amanhecer – Parte 1”. Mas a primeira noite do casal rende um fruto. Não demora e Bella descobre estar grávida.
A gravidez da mocinha é o pretexto para que a complicada relação entre vampiros e lobisomens, já estremecida pelo casamento de Bella e Edward, piore de vez. Os caninos temem que o nascimento da criança, meio vampira, meio mortal, possa representar uma ameaça para eles. Jacob (Taylor Lautner), apaixonado por Bella, recusa-se a participar do plano de matar a amada.
As coisas complicam-se para a futura mãe: a criança se desenvolve muito mais rápido que o normal e, por ser filha de um vampiro, precisa se alimentar de sangue humano. A mamãe não se faz de rogada e devora vários bloody mary de vampiro de canudinho, entre gritinhos de nojo da plateia. Tanto o conflito de Jacob quanto o de Bella se desenrolam sem qualquer densidade. Mesmo o amor entre o casal parece desprovido de intensidade e, sobretudo, de química entre os atores.
Embora o filme faça pouco ou nenhum esforço para prender o espectador, a plateia, contudo, permanece receptiva. A intenção aqui é clara: os realizadores de “Amanhecer – Parte 1” dirigem-se diretamente aos fãs da série “Crepúsculo”. Mais de uma hora de filme se vai, entre poucos acontecimentos, num roteiro que avança com dificuldade. A ideia, no entanto, não é contar uma história, mas alongá-la ao máximo. Afinal, esta é apenas a primeira parte da extenuante história, que deve ganhar continuação apenas no final de 2012.
Por fim, os lobisomens decidem atacar a casa em que Bella se esconde até o fatídico parto. Enquanto os peludos são escorraçados pelos atléticos vampiros, nasce a filha do casal, Reneesmee – a soma dos nomes das mães do casal, Renee e Esme. Noutra sequencia sem qualquer impacto ou emoção, Bella sucumbe às dificuldades do delicado parto e acaba morrendo. Temporariamente, é claro.
Numa difícil decisão, Edward decide transformá-la num vampiro. Parttinson não convence no seu desespero em salvar a amada. Tampouco Kristen se esforça em parecer morta.
Alvo dos lobisomens, a criança fica a salvo. Jacob apaixona-se por ela instantaneamente (os lupinos preferem chamar o amor à primeira vista de ‘imprint’), o que impede que os demais possam feri-la. Paira, ainda, a dúvida: Bella sobreviverá ou não?
Em uma só sequência, a única realmente boa de todo o filme, surgem alterações físicas e lembranças da heroína até que seu debilitado corpo ganha vida novamente. A câmera fecha sobre o rosto de Bella e dois olhos vermelhos e vampirescos se abrem. Sobem os créditos. A plateia aplaude.
Morno, arrastado, sem clímax, “Amanhecer – Parte 1” mais parece um aquecimento para sua sequência. É apenas burocrático. Mas o público parece ter gostado e sai da sala satisfeito. Um rapaz fotografa o amigo, abraçado num display onde se vê Jacob, o lobisomem bonitão do filme.
Para os menos apressados, uma recompensa: entre os créditos finais, uma cena que mais parece uma paródia dos filmes dos vampiros dos anos 40. Os Volturi, inimigos do clã Cullen, recebem a notícia do nascimento de Reneesmee, mas não sem esbanjar um macarrônico sotaque europeu.
Levando-se excessivamente a sério, o filme beira o risível e, entre uma pipoca e outra, o público engole a história absurda, a música cafona e a montagem que muito bem poderia reduzir a fita a um curta-metragem, tamanha é a fragilidade do roteiro. Para quem estava na pré-estreia de “Amanhecer – Parte 1”, nada disso parece importar. Podem vir “Amanhecer – Parte 2”, ou quem sabe, “Entardecer”, “Anoitecer” e quaisquer outros livros e filmes sobre Edward e Bella. Insosso ou não, o casal entope salas de cinema, rende fortunas. Antes mesmo de estrear, até o momento, “Amanhecer – Parte 1” vendeu, somente no Brasil, mais de trezentos mil ingressos.