Boas ideias para que São Paulo reaja na retomada
A Vejinha ouviu especialistas e colheu as respostas dos candidatos mais bem colocados nas pesquisas sobre 12 temas como creches, tecnologia e minhocão
Quem vencer a eleição para a prefeitura terá pouco tempo para comemorar. A partir de janeiro, será preciso lidar com uma pandemia ainda ativa, economia em crise, milhares de comércios de portas fechadas, milhões de desempregados e de pais e alunos cheios de dúvidas sobre a retomada das aulas. Além disso, os velhos problemas da capital seguem à espera de soluções, desde a falta de moradias no centro até os pancadões na periferia. Para discutir boas ideias para São Paulo reagir, a Vejinha, que completa 35 anos, tem feito uma série de conversas com especialistas, além de debates com os principais prefeituráveis — que, nas próximas páginas, também tiveram de apresentar propostas para 12 temas em apenas 280 caracteres, como num tuíte (Celso Russomanno não respondeu).
Prestar mais atenção em São Paulo, cidade que amamos e onde vivemos, é ainda mais urgente na campanha eleitoral.
O DRAMA DO DESEMPREGO
A retomada econômica de São Paulo provavelmente vai depender mais de políticas do governo federal, da conjuntura global e do surgimento de uma vacina para a Covid-19 do que de ações da prefeitura. Isso não significa que o vencedor das eleições não tenha que participar dessa tarefa. “A principal maneira pela qual o município pode fazer a diferença é diminuir a burocracia para quem quer empreender”, afirma Clemens Nunes, professor de economia na FGV. “É preciso simplificar esse processo, para que as pessoas que perderam o emprego não sigam o caminho da informalidade”, ele diz. Além disso, o prefeito poderia dar acesso a microcrédito e fazer alguma renúncia do imposto sobre serviços (ISS), acredita o especialista. “Existem diversas experiências bem-sucedidas de microcrédito para ser copiadas. O ISS, por sua vez, é um imposto que tem grande efeito sobre a atividade econômica — ao contrário do IPTU, também recolhido pela prefeitura, que costuma ser mais debatido nas eleições”, afirma. “Faz sentido dar algum desconto no ISS e trazer as pessoas para a formalização. Porque, quando elas empreendem de maneira informal, o que tem sido a opção da enorme maioria dos desempregados, o ganho da prefeitura é zero”, ele conclui.
NA FILA DA VACINA
Enquanto os governos federal e estadual se engalfinham em torno da vacina chinesa contra o novo coronavírus, que está em testes e será produzida pelo Instituto Butantan quando for aprovada, a prefeitura precisa se preparar para a aplicação do imunizante, que ocorrerá nos postos de saúde municipais, a despeito de não haver uma data para o início da campanha. Se as cenas das longas filas ocorridas há pouco mais de dois anos, quando muita gente dormiu na frente das Unidades Básicas de Saúde (UBS) para receber a vacina contra a febre amarela, se repetirem agora, a chance de haver tumultos é enorme. “Nada disso precisa ocorrer. O município tem uma grande estrutura de vacinação, pois há campanhas o ano todo. Não haverá necessidade de novas estruturas. O que ocorreu no caso da febre amarela foi que as pessoas não respeitaram a determinação de só receber vacina quem vivesse em áreas de risco. Mas todo mundo correu para esses lugares para se vacinar”, afirma o médico Wilson Pollara, ex-secretário municipal de Saúde. O desafio, segundo ele, é saber quantas doses serão necessárias para garantir uma maior eficácia. “Só vai ser possível saber se a vacina durará um ano, como a da gripe, depois de um ano de estudos. Antes disso não dá.”
UM TETO PARA QUEM PRECISA
O número de moradores de rua de São Paulo saltou de 15 000 para 24 000 entre 2015 e 2019. Então, veio a pandemia. “O que era grave ficou mais difícil”, diz Silvia Maria Schor, professora da FEA-USP e coordenadora da área de pesquisa de Habitação de Interesse Social da Fipe. Para ela, as políticas públicas foram pouco incisivas e tomaram uma única direção: a criação de vagas em albergues. “Esses locais precisam existir, mas não devem ser considerados uma solução definitiva.” Um projeto que a inspira é o Housing First, ou casa primeiro, organizado nos Estados Unidos e testado em Portugal, Espanha e Finlândia. A ideia é oferecer, no início da ressocialização, uma moradia. “Mas ainda é caro, por isso precisamos de alternativas”, diz. Davi Quintanilha, do Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública, sugere opções como o auxílio-aluguel, a locação social e até repúblicas. “Pode ser uma saída para quem foi despejado recentemente.”
MINHOCÃO, QUAL CAMINHO SEGUIR?
Anunciada com pompa pelo prefeito Bruno Covas em fevereiro do ano passado, a construção de um parque linear em cima do Elevado Presidente João Goulart, o Minhocão, ainda não saiu do papel. A ideia é fechar para o tráfego de veículos, em um primeiro momento, 900 metros das pistas, de um total de 3,4 quilômetros. O projeto, baseado em um estudo do urbanista e ex-prefeito de Curitiba Jaime Lerner, prevê a instalação de nove acessos para pedestres ao longo de todo o elevado. Serão construídos elevadores, rampas e escadas. A reforma também inclui a construção de uma ciclovia no meio da pista e arborização nas laterais. Nesse segundo ponto, grandes floreiras verdes aumentariam a privacidade dos moradores vizinhos à imensa estrutura de concreto. As obras, que deveriam ficar prontas até o mês que vem, sofreram paralisações na Justiça, mas foram retomadas. Agora, ficará para a próxima gestão a continuidade (ou não) da empreitada. Enquanto isso, tramita na Câmara Municipal um Projeto de Lei que prevê a realização de um plebiscito sobre a possibilidade da derrubada da construção, obra de 1971.
A BOMBA RELÓGIO DAS CRECHES
Se a educação vive uma crise, pior ainda é a situação das creches e escolas do ensino infantil. Nesses nichos, como os pais não têm a obrigação legal de manter os filhos matriculados, a evasão tem sido ainda mais alta — o sindicato do setor calcula que poderá chegar a 50% — e muitos estabelecimentos fecharam as portas. Para o retorno às atividades presenciais, Mariana Luz, CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, acha que a prioridade deve ser das crianças mais vulneráveis. “São aquelas cujos pais precisam trabalhar e elas ficam sem amparo nem segurança alimentar”, ela explica. Rodízios de alunos, grupos menores por sala de aula e menos interação são outras recomendações da especialista. No caso das creches, a demanda por vagas no setor público deve aumentar, o que vai adicionar pressão ao sistema. Caso seja necessário ampliar o número de vagas por meio de parcerias, é importante que a prefeitura estabeleça regras para a qualidade do atendimento. “Não podemos criar um repositório de crianças. Devemos estimular o desenvolvimento infantil”, diz Gabriel Corrêa, líder de políticas educacionais do Todos pela Educação. “As redes de convênios e parcerias têm tido êxito, mas são uma estratégia a ser aprimorada”, completa.
ONDE SOBRAM VAGAS
“A internet tem de ser como água ou luz: qualquer pessoa com um chip de 10 reais em um espaço público precisa ter acesso”, afirma Maria Augusta Orofino, 64, pesquisadora da área de inovação. Para a professora da ESPM, a próxima gestão da capital deve integrar mais a tecnologia à máquina pública e ao ensino básico da cidade. “Enquanto as pessoas estão sendo demitidas, falta mão de obra nessa área”, ela diz. Como inspiração, Orofino cita um projeto da Associação Catarinense de Tecnologia e do governo de Santa Catarina, o EDUtec, que disponibiliza cursos para os alunos da rede estadual voltados para áreas do setor que carecem de profissionais. “A prefeitura precisa se associar a startups que desenvolvem tecnologia social de impacto. Em vez de criar um aplicativo para resolver um problema, usa a solução de uma startup. Do contrário, apenas o processo de licitação para se contratar um desenvolvedor pode durar até dois anos — e assim a cidade nunca chega ao século XXI”, ela finaliza.
UM SONHO DE RIO
Para Alexandre Delijaicov, professor da FAU/USP, a metrópole é uma obra de arte em aberto, na qual a população pode e deve interferir. Um dos projetos capitaneados por ele é o hidroanel, que atravessaria quinze dos trinta municípios da região metropolitana. O circuito fluvial teria como espinha dorsal os rios Tietê e Pinheiros, as represas Billings, Guarapiranga e Taiaçupeba. No Rio Pinheiros, haveria orla fluvial, com galerias de arte, restaurante e gramado. Outro elemento são os ecoportos, à beira do curso navegável. Eles são espécies de primos dos CEUS, empreitada do qual Delijaicov foi um dos idelizadores. Nos ecoportos, haverá escolas de remo, carpintaria e outras iniciativas voltadas à saúde mental, cultura e economia solidária. Também lá, será feita a recepção de lixo urbano vindos de caminhões de coleta. A partir dessa etapa, os automóveis de grande porte são preteridos, contribuindo para o descongestionamento da malha rodoviária. Se aposta a partir daí na navegação fluvial e embarcações, que levaram os detritos a seu destino final, os centros de processamentos chamados triportos. Acerca da despoluição das águas, Delijaicov, explica: “Antes de desaguar no Pinheiros e Tietê, os afluentes passaram por micro ou nanoestações de tratamento de esgoto e águas pluviais. O sistema funcionará como um grande filtro e junto com a mudança na mentalidade da população ajudará na recuperação de grandes canais e córregos em regiões periféricas.” Outra medida do projeto do hidroanel é a faxina da madrugada: “Isso já acontece em cidades como Paris e Amsterdã. Da 0h às 4h, são usadas embarcações que têm na proa braços hidráulicos que aspiraram tanto o lodo diário que está no fundo quanto objetos flutuantes na superfície.”
NÃO PODE SER SÓ TRABALHO
“O problema do Centro é ter ficado monofuncional, voltado apenas para o trabalho. Isso o levou a ter noites desertas, vazias e inseguras”, diz Marcos Gavião, sócio-diretor do escritório de arquitetura que leva seu nome (e tem treze projetos na região). Gavião rejeita as demagogias que costumam cercar esse debate. “Achar que existe uma estratégia única para o Centro é um erro. Todo tipo de iniciativa é bem-vindo: habitação social, empreendimento imobiliário, equipamentos culturais. É esse conjunto que pode levar a alguma renovação”, defende. Para a próxima gestão, faz um pedido: o fim dos calçadões exclusivos para pedestres. “No quadrilátero das avenidas São Luís, Ipiranga, São João e Vale do Anhangabaú é difícil transformar os edifícios em residenciais. Muitos deles estão vazios. Não proponho a abertura indiscriminada a veículos, mas uma rua compartilhada. Sem isso, de noite não dá para chegar e fica tudo deserto.”
A ESCOLA VIRA A PÁGINA
O ano letivo de 2021 terá dois objetivos: preservar a saúde de alunos e professores e recuperar o atraso educacional de 2020. “Os protocolos sanitários foram criados, mas falta a prefeitura treinar melhor os profissionais das escolas para aplicá-los”, afirma Priscila Cruz, diretora executiva do Todos Pela Educação. “Na questão pedagógica, a primeira tarefa do futuro prefeito é fazer uma avaliação de aprendizagem, algumas semanas após o retorno às aulas, para que essa defasagem seja medida”, ela completa. Para a especialista, as eleições atrasaram a volta às aulas em diversos municípios que já tinham condições de iniciar esse retorno. “O Brasil deu esse azar. Quando a pandemia começou a recuar, situação em que escolas reabriram na Europa, veio a corrida eleitoral e os candidatos preferiram não se arriscar. Agora, é fundamental estarmos prontos para a volta imediata, assim que ela for autorizada pelos especialistas em saúde.”
UMA DISCUSSÃO DO BARULHO
Quando o assunto é baile funk, a discussão costuma se dividir em duas correntes: uma reclama do barulho, a outra lembra que as festas são uma expressão cultural da periferia e ajudam economicamente as comunidades. Para conciliar as duas opiniões (ambas verdadeiras), o presidente da União de Moradores de Paraisópolis, Gilson Rodrigues, sugere que o poder público forneça uma infraestrutura adequada para os encontros. “A prefeitura deveria construir espaços culturais com vedação acústica, banheiros e segurança para os jovens”, ele diz. “Além disso, ela poderia investir em formação e empreendedorismo no setor. Temos muitos DJs e pessoas que gostariam de trabalhar com vídeo e produção”, afirma. O funk, assim como as favelas, tem crescido de forma desordenada e sem apoio do governo. O caminho da repressão, além de produzir tragédias, não tem funcionado: o Baile da 17, em Paraisópolis, só cresceu depois do massacre do ano passado, lembra Gilson. “É fácil marginalizar o funk, mas é uma música que também toca nas festas da elite. Não podemos dividir a cidade em duas. Somos uma cidade só”, ele conclui.
NOS TRILHOS DOS INVESTIMENTOS
Embora o Metrô seja de responsabilidade do governo estadual, a prefeitura pode e deve investir na melhoria e ampliação do sistema sobre trilhos na capital paulista. Entre 2008 e 2014, foram transferidos dos cofres municipais 1,6 bilhão de reais, em valores atualizados. A gestão de Gilberto Kassab foi a que mais empenhou recursos (1,5 bilhão de reais), embora a promessa fosse investir o dobro. Fernando Haddad, em 2014, disponibilizou pouco mais de 100 milhões de reais. Os recursos foram usados nas obras das linhas 4-Amarela, 5-Lilás, 6-Laranja, 15-Prata e 17-Ouro. Como comparação, o estado aportou quase 20 bilhões de reais. “Com a perda de arrecadação provocada pela pandemia do coronavírus, evidentemente que não haverá investimento da cidade no próximo ano, mas existe dinheiro no mundo para bons investimentos. Uma medida importantíssima deveria ser a criação de uma autoridade metropolitana para envolver todos os municípios da Grande São Paulo”, afirma o engenheiro e consultor de transporte Sergio Ejzenberg.
REVISÃO DO PLANO DIRETOR
O próximo prefeito terá a missão de realizar mudanças na legislação que determina os parâmetros do que pode e do que não pode ser construído em São Paulo. O Plano Diretor, que define o crescimento da metrópole, tem impacto direto sobre toda a infraestrutura da cidade, inclusive a mobilidade paulistana. Quanto mais (e melhor) adensada a região em áreas repletas de comércio e serviços, menos deslocamentos são necessários, o que resulta em aumento da produtividade. “O prefeito terá de se preocupar com as coisas importantes do plano e colocá-las em prática, como a necessidade de fazer a cidade ficar mais compacta e reconhecer que a metrópole possui muitos centros. E é preciso valorizá-los”, afirma o arquiteto e urbanista Valter Caldana, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
((Sérgio Quintella, Pedro Carvalho, Guilherme Queiroz, Juliene Moretti e Tatiane de Assis)
+Assine a Vejinha a partir de 5,90
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 18 de novembro de 2020, edição nº 2713.
LEIA MAIS
+ SP Reage: especialistas falam sobre as oportunidades da crise
+ Sete candidatos a vereador em São Paulo que dedicaram a vida a uma causa
+ Boat Show vai transformar raia da USP em marina de barcos e iates de luxo
+ Oito em cada dez projetos aprovados pela Câmara são irrelevantes