Há momentos ruins, mas não tão ruins.
Por exemplo: você espera o leite ferver, prestando atenção, olhando para o líquido branco que tremula sobre o calor da chama, se afasta um minutinho para tirar a torrada do forno, e é aí que o leite derrama.
São momentos que não têm peso nenhum na nossa vida, mas podem nos fazer trincar os dentes de raiva, soltar um palavrão ou abafá-lo num urro. Nada muito pesado, um minuto e já estamos recuperados.
Ah, são muitos, variados e coloridos esses instantes. Passam, não deixam marcas. Todo mundo já passou por um.
Por exemplo, você está esperando um telefonema importante, tem uma necessidade incontrolável de ir ao banheiro, não leva o celular ou o sem-fio, e de lá ouve o telefone tocar. O que dá raiva é ter esperado tanto tempo e, quando surgiu a vontade, você ter pensado: dá tempo. Não dava.
Na mesma linha do leite que entorna quando você se distrai pode ser contabilizado o alho que lhe deu tanto trabalho para picar miudinho e que você botou na panela para dourar um pouco no óleo; enquanto abre a geladeira e tira a carne para fazer o picadinho, o alho se queima. Ou acontece o mesmo com o feijão e o arroz enquanto você coloca os pratos na mesa.
Na sua viagem de férias inesquecíveis, você leva sua máquina fotográfica digital, e justamente naquele passeio, no lugar mais bonito, aonde você não voltará, a máquina falha, bateria arriada. Você tinha certeza de que ela estava carregada e não checou.
Longa espera pelo ônibus. Você aposta que dá para ir até a banca comprar uma revistinha e de lá ? que ódio! ? vê seu ônibus passar.
Você se veste para ir a uma festa, zíper um pouco apertado nas costas, mas acha que dá. Na hora em que entra no carro, o zíper estoura, sem remédio.
Debaixo de uma árvore ou de uma marquise, arrumadíssimo para um primeiro encontro, perfumado, ansioso, você nem presta atenção nos arrulhos acima da sua cabeça, e espera a moça. Espera e acaba presenteado com uma titica de pomba na sua linda camisa.
Você entra no prédio atrasado, para na portaria para pegar alguma coisa que o porteiro lhe estende, chega ao hall apressado e o elevador, lento, acabou de subir.
Você guarda aquele vinho especial por alguns anos, esperando uma ocasião, uma pessoa para impressionar, e quando abre o vinho ele está imprestável.
Você sai do cabeleireiro, ondulante e linda, olha o céu, considera que não precisa pegar um táxi e no meio do caminho cai a maior chuva.
A gasolina está na reserva e você tem certeza de que um pouco mais adiante há um posto da marca em que você confia. Deixa passar dois postos pouco confiáveis e… puf-puf…
Todos passamos por momentos desses, instantanea-mente irritantes, levemente frustrantes, em que nossa expectativa é contrariada por pequenas derrotas, por uma jogadinha que fizemos com o destino e da qual saímos perdedores. Estava entre as possibilidades, mas esperávamos o contrário. Coisas que a Lei de Murphy explica.
Essas pequenas frustrações, ou mancadas, nos ensinam alguma coisa, não sei bem o quê. Que tudo passa, talvez. Que estamos sujeitos a escolhas que não são nossas. Que estamos no caminho de meteoros de outras galáxias. Que há acontecimentos se cruzando e ainda bem que alguns são de consequências mínimas. Que é bom não dar chance para o azar.