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O sem-Carnaval

Tenho um amigo que sempre odiou Carnaval. Ao longo da vida, tentou fugir de várias maneiras. Foi para praias desertas, mas só pegou sol nos congestionamentos. Nos outros dias, choveu. Resolveu se divertir em raves alternativas de fãs de música eletrônica. Sacudiu-se ao som do bate-estaca. Meses depois, ainda andava com o joelho enfaixado, porque […]

Por Walcyr Carrasco
Atualizado em 5 dez 2016, 19h46 - Publicado em 18 set 2009, 20h18
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  • Tenho um amigo que sempre odiou Carnaval. Ao longo da vida, tentou fugir de várias maneiras. Foi para praias desertas, mas só pegou sol nos congestionamentos. Nos outros dias, choveu. Resolveu se divertir em raves alternativas de fãs de música eletrônica. Sacudiu-se ao som do bate-estaca. Meses depois, ainda andava com o joelho enfaixado, porque ser jovem não é apenas um estado de espírito, como ele acreditava, ainda mais depois dos 40. Refugiou-se com amigos em um sítio. Criaram um torneio de buraco. Proibiu-se ligar o rádio e a televisão. Não ouviram uma só nota de samba. Brigaram tanto entre si que ele acabou se separando da namorada. No ano passado, apareceu com uma novidade:

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    – Vou para um retiro espiritual!

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    Estranhei. Segundo explicou, o local não era vinculado a nenhuma religião.

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    – É um lugar nas montanhas que promove a evolução espiritual através do aprofundamento interior, da solidariedade e da fuga da sociedade de consumo.

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    Quase fui também. Mas tinha um convite para assistir às escolas de samba e não queria perder. Ele logo descobriu do que se tratavam esses lemas.

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    Para estimular o aprofundamento interior, era proibido falar. Sim, emitir qualquer palavra! Nem um bom-dia, boa-tarde!

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    – O silêncio é uma forma de ouvir a voz interior, explicou o mestre.

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    Quem conversasse seria advertido, como em um colégio interno. Só o líder podia abrir a boca para… emitir ordens!

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    Meu amigo acordou com um toque de sino ainda de madrugada. Não foi problema: mal tinha conseguido dormir na esteira dura, que eliminava o conforto “supérfluo”, de acordo com a lei local. Arrastou-se até um salão de cimento, onde passou duas horas meditando de pernas cruzadas. E tentando não pensar na dor nas costas. De pernas adormecidas, contorceu-se até o refeitório. Depois de um chá oriental fervente e pão integral, descobriu do que se tratava o item solidariedade. O guru do retiro distribuiu vassouras, rodos, esfregões, rastelos e baldes:

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    – Você limpa os quartos! Você, o jardim! indicava.

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    Solidariedade significava limpar o lugar comum. Os mais sortudos foram cozinhar arroz integral, base das refeições. Meu amigo foi agraciado com a tarefa de limpar os banheiros. Sob certo ponto de vista, uma vantagem. A realização de uma tarefa tão humilde concorreria para que ele se tornasse uma pessoa melhor. Ou não?

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    Tal foi a rotina diária.

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    – Eu achei que solidariedade era dar abraços! contou-me. Quase enlouquecia com um cabelo na pia!

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    O item final a fuga da sociedade de consumo era óbvio. Não havia luz elétrica. Banho, só gélido. Tentou escapar no terceiro dia. E a condução? Tinha ido para lá na van do local, que não estava à vista!

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    – Só se você andar até a estrada, a 5 quilômetros daqui! explicou o mestre.

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    Foi até o fim. Regressou mais exausto do que se tivesse pulado todos os dias. A maioria dos outros participantes, seja dita a verdade, estava feliz: era formada por apaixonados pela cultura alternativa. Ele jurou passar anos longe de um balde com sabão em pedra. (Ah, sim, não usavam detergente!)

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    Neste ano, tudo mudou. Quem está assistindo aos bailes pode comprovar. Basta procurar um folião alto e magro, já maduro, sambando do começo ao fim da noite. É ele! Programou-se para sair em escolas e participar de vários blocos.

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    – Agora me rendi! declarou. – Pulo todos os anos.

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    Tem razão. Se tantos estrangeiros vêm para cá justamente para participar, vale a pena fugir da maior folia do mundo?

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