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O lixo é nosso

Por Ivan Angelo
Atualizado em 5 dez 2016, 18h35 - Publicado em 24 set 2010, 23h50

O calendário brasileiro deu à vida na Terra duas datas: 5 de junho, Dia do Meio Ambiente, e a segunda-feira da próxima semana, 4 de outubro, Dia da Natureza. Precisávamos de duas? Talvez precisássemos de 365.

Temos castigado bastante essa parte do planeta conhecida como cidade de São Paulo. Gás carbônico e outros gases no ar, detritos nos rios, lixo por toda parte, esgoto nos mananciais, pichações nas paredes, ruídos ferindo tímpanos, mato dominando jardins, desordem imobiliária, calçadas esburacadas, buracos desastrosos nas ruas.

Uma cena comum na cidade: engolfado pelo trânsito, e também obstruindo-o, um homem-formiga carrega com enorme esforço pedaços do caos. É o carroceiro.

Tenho dito e repito: paciência, paulistanos, com o pobre carroceiro. Cala a tua buzina irritada, motorista, que o homem que ali vai, puxando sua carga enorme e desequilibrada, trabalha para o nosso bem. Não é muito o que ele pode fazer, ele não é mais do que uma formiga na paisagem, um nada, mas faz sua parte mínima com a força e a teimosia das formigas. Leva restos que espalhamos pelos caminhos.

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Não o apressa, ele não consegue ir mais depressa. Não é ele que vai devagar, somos nós, o país. O atraso é nosso. O homem da carroça, o burro sem rabo, meu caro motorista, está aí por um conjunto de circunstâncias: para ele existir, tem de haver pobreza, tem de faltar trabalho, tem de sobrar lixo nas ruas, tem de faltar educação, respeito, planejamento administrativo, consciência do bem comum.

Considera que ele nas ruas é mais ‘verde’ — mais limpo — do que nós: o carro dele não emite gases, não buzina, ele não é um consumidor de artigos descartáveis, não produz esse lixo, antes, o leva para a reciclagem. Vê que curiosa contradição: ele, inconscientemente, é uma pecinha na grande engrenagem do avanço, enquanto nós, participantes da poderosa cadeia de consumo, modernos, estamos com um pé nos séculos passados, inconscientemente ligados àquela descuidada atitude que formou a sociedade atual: pegar, usar e largar.

Pensa, senhor cidadão de primeira categoria: que homem é esse? Um descartado — como as sobras que transporta. Ele não conta no sistema, não é contribuinte, não usufrui bens como CD, DVD, celular, computador, iPod, cinema, universidade, casa, transporte, televisão, roupa nova, geladeira, video game, muitas vezes nem sapatos. Nos índices das grandezas da cidade, é um nada, uma formiga levando rejeitos.

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É justo haver carroceiro? É preciso haver? Ele é parte da pobreza, da exclusão e das carências deste Brasil dos Brics. Proviso riamente, tomemo-lo como símbolo de uma ideia. A ideia da reciclagem.

Com a ajuda pequenina desse carroceiro, caro motorista, dessa formiguinha aí, 9 bilhões de latinhas são levadas para reciclagem, 91% de toda a produção de latinhas de cervejas e refrigerantes, mais papéis, papelões e latas de flandres de embalagens, de leites diversos, de óleos e conservas, de tintas e vernizes, e sucata de tudo quanto é eletrodoméstico, portões, grades, bicicletas, skates, peças de carros velhos, móveis, canos, torneiras, calhas, esquadrias e restos das demolições são levados para os fornos. Somando tudo, o Brasil recicla 70% do aço produzido! E mais papelão, vidro, plástico, alumínio…

Isso te surpreende, cidadão motorista? É o que diz o Centro de Informações sobre Reciclagem e Meio Ambiente. São recordes mundiais, mas que não expõem o lado da pobreza.

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É por isso, meu já paciente motorista, que levo a sério todo mundo que faz alguma coisinha para ajudar. Os que não levam saquinho de plástico para casa. Os que não compram produtos de empresas poluidoras. Os que repreendem quem joga até palito de picolé no chão. Os que levam saquinho para apanhar o cocô de seu cachorro na calçada. E os que levam lixo das ruas para a reciclagem, como esse nosso carroceiro, mesmo que ele faça isso apenas para ganhar um dinheirinho.

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