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Rebouças se torna o principal eixo de novos escritórios na capital

Tomada de edifícios recém-lançados ou em obras, avenida atrai novos públicos, mas divide vizinhos sobre zoneamento

Por Pedro Carvalho, Luana Machado e Guilherme Queiroz
Atualizado em 15 set 2023, 17h26 - Publicado em 15 set 2023, 02h00

É uma paisagem rara em São Paulo, uma espécie de trincheira na guerra da verticalização. De um lado da Avenida Rebouças (o esquerdo de quem sobe para a Paulista), uma profusão de edifícios novos ou em obras sem precedentes na região: escritórios triple AAA, residenciais inovadores com modelo “só para locação”, um hotel de luxo, um futuro hospital — salvo pouquíssimas exceções, nenhum terreno escapou ileso nos dez quarteirões que vão da Avenida Faria Lima à Henrique Schaumann.

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Imóveis na Avenida Rebouças com anúncios de venda e aluguel. (Alexandre Battibugli/Veja SP)

No mesmo trecho, na outra calçada, nada. Nem uma obra sequer. Protegida por leis mais restritivas, a margem dos jardiners mantém as casinhas de décadas atrás, onde funcionavam lojas de vestidos de noiva — hoje, porém, vazias e com placas de “vende-se”.

Apontada pelo mercado como o principal eixo de expansão imobiliária corporativa da cidade, a Rebouças registra uma disparada nos preços do metro quadrado e motiva pressões na Câmara de Vereadores, que deve votar a nova Lei de Zoneamento ainda neste ano. Ao mesmo tempo, convive com dúvidas sobre um possível caos no trânsito e o apetite das empresas para voltar ao trabalho nos escritórios.

O boom de espigões no lado renovado da avenida, basicamente todos para públicos de alta renda, fez disparar o valor dos terrenos. “Achei um absurdo pagar 18 000 reais o metro quadrado em 2019, agora não se encontra nada ali por menos de 28 000”, diz Felipe Parada, sócio da construtora Pedra Forte, que tem três empreendimentos no trecho — a marca vai entregar 40 000 metros de lajes corporativas na Rebouças apenas em 2023. “Entre a compra do nosso primeiro terreno, em 2020, e a do mais recente, no ano passado, os preços dobraram”, completa Cristiano Viola, diretor da Greystar, multinacional que vai operar um residencial de 25 andares na via exclusivo para locação, o Ayra Pinheiros — onde o “combo do aluguel” deve passar dos 30 000 reais nas unidades maiores.

Se a clientela terá o mesmo apetite dos incorporadores, é questão em aberto. “Colocamos os espaços para negociação há três meses. Ainda não fechamos nenhum contrato, mas temos sido procurados por empresas — principalmente as que querem sair de regiões mais caras como a Faria Lima ou melhorar o padrão do escritório”, diz Parada — no eixo financeiro vizinho, o aluguel varia entre 200 e 250 reais o metro quadrado, enquanto na Rebouças está na faixa dos 150 reais. “O Ayra foi lançado em junho e tem 30% do prédio alugado”, afirma Viola. “Os edifícios de escritórios têm trazido novos públicos para o bairro”, diz o executivo.

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O sucesso dos novos escritórios deve depender, em boa medida, da volta ao trabalho presencial. Nos últimos meses, empresas como Itaú, Citigroup e até a plataforma de videochamadas Zoom anunciaram regimes menos flexíveis aos funcionários. A CBRE, que administra 522 prédios comerciais nas regiões mais aquecidas da cidade, registrou uma alta recorde de novas locações no segundo trimestre. “As empresas têm buscado justamente espaços melhores e com aluguéis mais baratos, por isso a corrida para novas áreas de expansão comercial”, afirma Felipe Giuliano, diretor de locação, pesquisa e health da CBRE. A JLL, outro titã do setor, aposta pesadamente na Rebouças, que tem uma previsão de 55 000 novos metros quadrados construídos até o fim de 2024. “É o novo corredor de crescimento dos escritórios da cidade”, diz Rafael Calvo, diretor de locações de escritórios da JLL.

Um levantamento da PwC Brasil e da PageGroup com 289 executivos mostra que 46% deles preferem regimes híbridos com até dois dias no escritório, enquanto 12% defendem o trabalho remoto. Um estudo da FGV indica que a tendência de longo prazo é exigir dois dias de presença nas empresas.

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Outra questão, que divide moradores do pedaço, é a nova Lei de Zoneamento, necessária para regulamentar a versão do Plano Diretor aprovada em junho. A regra poderia flexibilizar o uso e as construções na intocada calçada dos Jardins — ainda que mantivesse o rigor no interior do bairro. Hoje, o limite de altura é de 10 metros e existem restrições que impedem, por exemplo, uma academia ou um supermercado na via. De um lado, donos de imóveis “encalhados” na Rebouças pedem que o novo código permita mais atividades e prédios maiores. “Eles têm nos procurado para argumentar que pagam IPTU, mas não conseguem fazer um uso viável ou vender a propriedade”, diz a vereadora Cris Monteiro (Novo), com base eleitoral na região.

Na tribuna oposta, grupos dos Jardins temem um efeito dominó, no qual mudanças na Rebouças teriam impactos no miolo do bairro. “Se sobe um prédio na avenida, os moradores da rua de trás, a Sampaio Vidal, não vão mais querer ficar ali e também pressionarão para poder vender a casa a uma incorporadora”, diz Fernando Sampaio, presidente da AME Jardins. “Não temos nada contra novos usos comerciais e até a junção de lotes (atualmente proibida) naquele trecho, mas qualquer construção acima de 10 metros na avenida seria o fim dos Jardins”, ele afirma. A minuta da nova lei enviada pela prefeitura às consultas públicas não previa mudança na faixa jardiner da Rebouças, mas, entre os vereadores, a expectativa é mesmo que novidades mais espinhosas sejam eventualmente incluídas pela própria Casa, para que a “culpa” se dilua e Ricardo Nunes (MDB) não leve a pecha da alteração em um bairro nobre.

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A nova Rebouças, por sinal, é consequência direta da última mudança da lei, em 2016, que permitiu mais arranha-céus nos eixos de transporte — além de um corredor de ônibus por onde trafegam até 100 coletivos por hora, a avenida agora tem a estação Oscar Freire do metrô. Não significa, vale dizer, que os ideais da prefeitura tenham se cumprido. “Havia um desejo de aproximar moradia e trabalho. O que acontece na Rebouças, porém, é um adensamento construtivo sem um adensamento populacional, uma vez que são empreendimentos voltados para a alta renda ou para o uso temporário”, afirma Fernando de Mello Franco, ex-secretário de Desenvolvimento Urbano na gestão Fernando Haddad (PT) e um dos responsáveis por coordenar a revisão do Plano Diretor em 2014, que abriu o caminho para a mudança. “Não imaginávamos que o mercado imobiliário teria uma voracidade tão grande”, ele comenta.

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Estação Oscar Freire da Linha 4-Amarela (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Outro ponto sensível é o trânsito, quase sempre congestionado por ali. Nos horários de pico, mais de 6 400 veículos trafegam por hora na avenida, segundo dados da CET. Nos bastidores, os incorporadores admitem que o fluxo deve aumentar, inclusive em vias de escape como a Rua dos Pinheiros e a Artur de Azevedo. “Apesar do metrô e dos ônibus, o padrão de mobilidade das classes mais altas, para quem esses empreendimentos serão destinados, é quase sempre o carro”, afirma Beatriz Rufino, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP com especializações em produção imobiliária e infraestrutura.

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“A expansão da Rebouças tem chamado muito a atenção nos estudos de urbanismo”, acrescenta Rufino. As análises, que incluem reflexões sobre a última mudança de zoneamento (gatilho da “nova Rebouças”), podem ajudar a nortear os debates atuais. “O antigo Plano Diretor queria impulsionar o adensamento, mas acreditava que o mercado iria resolver problemas sociais de moradia”, diz a especialista. “Os formatos mais rentáveis, porém, podem criar ‘cidades shopping center’, só com grandes redes de comércio e seguranças nas ruas”, conclui.

Publicado em VEJA São Paulo de 15 de setembro de 2023, edição nº 2859.

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