“Não estou confortável na minha posição”, diz Eduardo Kobra
Um dos maiores expoentes da arte de rua brasileira, ele fala sobre o futuro, luto na família e comenta inquietação a respeito de sua produção
Em um café no bairro de Perdizes, Kobra chega com um ar inquieto. Ao ser questionado pela garçonete sobre seu nome, prefere o anonimato e diz: “Eduardo”. No papo que se seguiu, ele se abriu sobre problemas de saúde na pandemia e a morte da filha, Catarina. Também pareceu renovado por uma energia que pode mudar seu rumo na arte. Ele parece estar em modo de fervura.
Você passou o período de isolamento na cidade de São Paulo?
Uma parte sim, mas depois me mudei. Fui para uma cidade do interior. Ainda estou lá, mas meu ateliê continua aqui. Também realizei alguns trabalhos relacionados à pandemia. Um deles foi Respirar, pintura que fiz em um cilindro. Conseguimos vendê-la pelo valor de 700 000 reais. Usamos o dinheiro para comprar usinas de oxigênio e mandamos para Manaus (AM), na época mais crítica da crise sanitária por lá.
Como foi a convivência com o Pedro, seu filho de 5 anos, nesse período?
Então, o grande ganho que tive foi nesse aspecto. Foi a parte feliz, superpositiva. Eu dormia com o Pedro, tomava café da manhã com ele. Como também não tinha escola, ficávamos juntos o tempo todo. Também pude ajudar mais a Andressa, que correu risco de vida no parto da Catarina (filha do artista que faleceu dez horas depois do nascimento, em um parto complicado, que pôs em risco a vida da empresária e esposa de Kobra).
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Como tem sido a retomada de atividades?
Não cheguei a parar completamente, mas, como todo artista, tive uma redução considerável na minha produção. Continuei pensando, fazendo algumas coisas internas. Um pouquinho antes da pandemia, estava na melhor fase de inserção internacional da minha carreira, com cerca de quarenta convites para criar trabalhos. No começo, as pessoas tentaram remanejar. Mas, depois, perdi mesmo alguns projetos.
Por ocasião da feira Art Basel em 2021, você apresentou pinturas em uma exposição em Miami, de 1º a 4 de dezembro, em um espaço próximo ao Setai Hotel. Como foi a recepção do público?
Foi interessante. Alguns colecionadores já conheciam meu trabalho, mas não esperavam que eu também tivesse uma produção que pudesse ser mostrada em galerias. Nos Estados Unidos também, mas em Nova York fiz um mural onde ficava uma das torres do World Trade Center. Mas há ainda umas questões com ele.
Está nos seus planos se aproximar de um circuito mais tradicional, de galerias e museus no Brasil e no mundo?
Olha, nunca foi muito por onde atuei, mas tenho recebido convites. Nos próximos dois anos, tenho exclusividade com um grupo de Israel, da Eden Gallery. Vou fazer uma série de quinze a vinte peças e eles vão cuidar internacionalmente da minha inserção por esse circuito. Não é um projeto específico voltado para exposições em galerias, e sim de iniciativas internacionais. As mostras podem acontecer em centros culturais, mas também em espaços que a gente alugar temporariamente para essa finalidade.
E no Brasil?
Pessoalmente, tenho um interesse grande em fazer uma exposição aqui revendo meus trinta anos de carreira (completados em 2019, com uma mostra em um ônibus, capa de VEJA SÃO PAULO). Gostaria que isso fosse feito agora em instituições, como o Museu da Imagem e do Som (MIS), a Pinacoteca, o Masp ou o Instituto Tomie Ohtake. Tivemos conversas preliminares em alguns desses lugares, mas ainda não tenho um nome para dar. Não devo fazer nada menos se eu não conseguir viabilizar algo nesse formato. Realmente gostaria de parar o que estou fazendo para me dedicar a isso.
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“O dinheiro não é capaz de me parar também. Estar vendendo não me impacta no sentido de ‘vou pintar menos’ porque já consegui isso ou aquilo”
Foi à exposição d’OSGEMEOS na Pinacoteca?
Não, estava doente. Falei com eles, acompanhei. Achei excepcional, como tudo o que eles fazem. Sou fã. Mas não consegui ir. Não estava saindo de casa. Tive problemas graves de saúde durante a quarentena. Fui parar no hospital quatro vezes. Também estava no processo da morte da Catarina.
E a produção de murais?
Tenho um confirmado no Hospital das Clínicas de São Paulo, com 37 metros de altura. Há conversas avançadas para a realização de um na sede da ONU, em Nova York. Também devo fazer trabalhos na cidade de Mérida, na Espanha, e em San Marino, que é um país que fica, parecido com o Vaticano, dentro da Itália.
Não é muita coisa, pensando o tempo de deslocamento entre um país e outro, além do esforço físico?
É, mas sou meio radical, ou é oito ou oitenta. A questão é que não é só pintar, é também acertar os detalhes técnicos com cada pessoa ou empresa que nos procura. Tenho uma equipe para fazer isso, mas estou em todas as reuniões. Sou um pouco controlador, é verdade.
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Você tem 46 anos, reconhecimento do público e muitos trabalhos já feitos. Tem planos de se aposentar?
É uma pergunta difícil, mas, pelo que me conheço, vai ser complicado eu parar. Sou meio hiperativo. Experimentei na pandemia um processo de ficar mais quieto e me fez mal. Fiquei muito dentro da caverna, acho até que exagerei. O dinheiro não é capaz de me parar também. Estar vendendo não me impacta no sentido de “vou pintar menos” porque já consegui isso ou aquilo. Sou muito motivado pelos desafios. E os convites internacionais me dão esse gás. Eu trabalhei a vida inteira para chegar onde estou. Também não sei fazer outra coisa, vou parar de pintar e abrir uma empresa? Não dá.
Em outros momentos, você aparentava inquietação com a sua produção, mas isso parecia não transbordar. Agora, o sentimento parece outro…
Não estou confortável na minha posição. Na verdade, me sinto bem desconfortável. Estou em um ponto em que preciso fazer mais, pensar novos suportes, novas formas de agir, que não precisam passar necessariamente pelo ato de pintar. Posso fazer algo que eu nem pintei. A maturidade no meu trabalho vem nesse aspecto. A ideia é mais importante que a pintura, apesar de eu ter me dedicado a essa linguagem a vida toda.
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Publicado em VEJA São Paulo de 29 de dezembro de 2021, edição nº 2770