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Migração da Cracolândia leva antigos vizinhos a andar de novo pelas ruas

Por outro lado, comerciantes do entorno da Praça Princesa Isabel relatam aumento da sensação de insegurança

Por Sérgio Quintella Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 1 abr 2022, 09h19 - Publicado em 1 abr 2022, 06h00

Imagine abrir a janela de seu apartamento e deparar com mesas de traficantes vendendo todo tipo de drogas às mais diferentes pessoas bem na frente de sua visão. Agora imagine nem poder abrir a janela por medo das reações desses mesmos traficantes e de muitos usuários. Fora o barulho 24 horas por dia, as confusões, as brigas, as caixas de som, as pregações religiosas de madrugada, a ausência de sanitários para as pessoas, a insônia. “Se você não vê o que nós víamos, não acredita no que está acontecendo. Quem controla aquelas centenas, milhares de vidas é quem tem a droga. Quantas mães, quantos pais eu vi aqui de casa chorando, gritando, sem conseguir levar seu parente para casa”, afirma a recepcionista Andreza de Lima Moraes, 38, que mora há dois anos no 2º andar de uma das 1 130 unidades habitacionais do Complexo Júlio Prestes, sete blocos de prédios construídos no entorno da praça de mesmo nome, a partir de 2018, pelo governo do estado, como forma de revitalizar a região.

Imagem mostra rua rua tomada por barracas e usuários de drogas na Cracolândia
Antigo fluxo da Cracolândia: mudança (Arquivo pessoal/Divulgação)

Nos prédios vivem cerca de 3 000 pessoas. “Aqui criança via cadáver e sexo no meio da rua. Não temos visão higienista, temos compaixão, víamos muitos com feridas e sem condição de buscar tratamento, pois os traficantes não deixavam. Para ir a uma unidade do Sesc a dois quarteirões daqui, eu precisava andar outros seis, pois não podíamos passar pelo fluxo. Isso é justo?”

Faz duas semanas que Andreza e seus vizinhos não presenciam in loco o fluxo da Cracolândia. Desde o último dia 18, por determinação dos traficantes, a movimentação migrou majoritariamente para a Praça Princesa Isabel, a poucos quarteirões dali e com mais rotas de fuga. São basicamente dois os motivos que os levaram a obrigar os usuários, que fazem uma espécie de escudo humano para eles, a mudar de local.

Imagem mostra homem posando à frente de três homens da prefeitura, um deles com britadeira
Caco e a britadeira: barulho que não incomoda (Alexandre Battibugli/Veja SP)

As recorrentes ações da Operação Caronte, da Polícia Civil, conseguiram individualizar as condutas dos criminosos por meio de filmagens. As imagens foram levadas para os juízes, que emitiram cerca de oitenta mandados de prisão preventiva por tráfico de drogas e organização criminosa. Outro fator foi o emparedamento de 54 imóveis que ficavam entre as alamedas Cleveland e Dino Bueno e serviam de esconderijo e proteção. As edificações foram desapropriadas pela prefeitura e darão lugar a novos conjuntos habitacionais. Os criminosos ficaram sem proteção e se sentiram encurralados pelos limites das ruas. “Foram os próprios traficantes que resolveram sair, pois as situações que criamos (como as desapropriações) deixaram o ambiente inóspito para eles. Acredito que não queiram voltar para lá”, afirma o secretário-executivo de Projetos Estratégicos da prefeitura, Alexis Vargas. “Agora, vamos ocupar a praça onde eles ficaram (em frente à Estação Júlio Prestes, na Alameda Cleveland) com equipamentos públicos. Também há um projeto para construirmos um Centro de Educação Unificado (CEU)”, promete.

Enquanto é possível usar o termo “comemoração” por parte dos habitantes dos prédios, o problema só mudou de lugar e as pessoas mais próximas do novo fluxo vivem dias de apreensão pelo aumento da sensação de insegurança. “A dispersão da Rua Helvétia levou muita gente para a Praça Princesa Isabel, mas também para a Avenida São João e para a Praça da República. Ficamos ilhados aqui”, afirma o comerciante Mário Kamei, presidente da Associação Ruas das Motos. “Nessas duas semanas, o movimento de compradores na nossa região caiu 30% e já tem comerciante que está fechando as portas pelo medo de ser assaltado.”

Um deles, que forneceu só o primeiro nome, Sérgio, mantinha um salão de barbearia fundado pelo avô, na década de 60, e decidiu encerrar as atividades não só pela migração da Cracolândia, mas pelo aumento da insegurança em geral na área nos últimos meses. “Infelizmente esta é mais uma firma derrotada no centro de São Paulo”, diz o barbeiro, que passará a atender na casa dele. Nas últimas décadas foram várias as tentativas de acabar com a Cracolândia. De José Serra, em 2005 (projeto urbanístico Nova Luz), a Fernando Haddad (programa De Braços Abertos), em 2014, ninguém conseguiu chegar perto de uma solução, embora os ex-prefeitos Gilberto Kassab e João Doria tenham “decretado”, após operações policiais, o fim da região mais degradada da cidade. O problema ainda está longe de acabar.

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Imagem mostra moradores conversando em meio à antiga Cracolândia
Reunião de moradores: cena impensada há um mês (Alexandre Battibugli/Veja SP)

 

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