Vereador e comediante da TV, Marquito é investigado por desvios
O político é acusado de embolsar parte de salários de seus funcionários na Câmara
Tido como um dos coadjuvantes mais populares do Programa do Ratinho, no SBT, o humorista Marco Antonio Ricciardelli notabiliza‑se como pessoa suis generis dentro da Câmara Municipal de São Paulo. Apesar de ter conseguido apenas 22 198 votos na campanha com o lema “esquisito por esquisito, vote no Marquito”, foi empossado vereador no início de 2013, como suplente de Celso Jatene (PR), que se tornou secretário municipal de Esportes. Quem esperava uma figura folclórica nos bastidores do Palácio Anchieta não se decepcionou.
Ele vive imitando algum dos 54 colegas. Para emular a baixa estatura de José Police Neto (PSD), de 1,58 metro, fica com os joelhos sobre um par de sapatos. Causa indignação entre outros ao recolher um dos braços no paletó em referência à limitação motora de Milton Leite (DEM), resultado de um deslocamento de nascença no ombro esquerdo. Na última semana, porém, acabou envolvido em um tipo bem mais grave de palhaçada: a suspeita de que parte de sua equipe seria obrigada a lhe repassar um quinhão dos vencimentos. Na segunda (28), o jornal O Estado de S.Paulo revelou a investigação do Ministério Público Estadual sobre o assunto.
A acusação: todo dia 25, data dos pagamentos, pelo menos oito dos treze funcionários de seu gabinete seriam obrigados a devolver a maior fração do salário. Não diretamente ao vereador, mas a seu braçodireito, Edson Roberto Pressi, o “Barão”, apelido dado em razão dos fartos bigodes brancos. Ele é apresentado a todos no Palácio Anchieta como advogado e chefe de gabinete de Marquito. Tudo mentira.
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Pressi não possui registro na Ordem dos Advogados do Brasil, tampouco seu nome aparece na lista de funcionários da Câmara. Ali na casa, quem figura como chefe de gabinete de Marquito é Maria das Graças Silva Pressi, a mulher do “Barão”. O salário líquido mensal dela é de aproximadamente 17 000 reais. “Mas a Maria aparecia lá uma ou duas vezes por mês apenas para assinar o livro de ponto. Quem manda é realmente o Barão”, afirmou à reportagem de VEJA SÃO PAULO um ex‑membro da equipe, que não quer ser identificado.
As denúncias ao MPE foram feitas, inicialmente, por três funcionários desligados do gabinete há um ano, ao menos um deles por iniciativa própria. Não se sabe por que só agora eles procuraram as autoridades. No esquema do “pedágio”, os trabalhadores seriam contratados para ganhar entre 2 000 e 4 000 reais. Após aceitar o emprego, recebiam convocação para falar individualmente com Pressi.
Ainda segundo a denúncia, eram então informados que teriam de devolver uma boa parte do salário ao Barão. Exemplo: um assistente recrutado a 8 800 reais líquidos ficava com apenas 2 500 reais. Como era feito na prática o acerto? Sacava-se a diferença diretamente na boca do caixa de um banco localizado no subsolo da Câmara. Segundo relatos, o Barão ficava esperando em uma praça próxima e recolhia o montante lá mesmo.
Por mês, o valor embolsado superava 90 000 reais, divididos, de acordo com os testemunhos dados ao Ministério Público, entre Marquito e o falso chefe de gabinete. Na declaração de bens de 2012 nas eleições para a Câmara, o vereador informou possuir um patrimônio de 52 000 reais. Dois anos depois, quando concorreu a uma vaga na Assembleia (e perdeu, com 15 703 votos), o valor total dos bens passou para cerca de 264 000 reais.
VEJA SÃO PAULO obteve um áudio exclusivo de uma ligação, em março de 2015, do vereador para um ex-funcionário recém-demitido em que ele o ameaça, após “ouvir dizer” que o suposto crime seria denunciado ao Ministério Público. “Estou ouvindo uns papos aqui que você quer me ferrar. O que você está falando vai ter de provar. Porque estou indo atrás de você com um delegado amigo meu”, bradou o parlamentar. Em seguida, Pressi assume a conversa com o ex-funcionário. Os dois travam uma discussão na qual o cargo desse profissional é tratado como o pagamento de favores da época de campanha. “Você recebeu por dois anos. Agora é a vez de outro que também trabalhou”, diz Pressi.
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A indicação para o posto em uma subprefeitura é mencionada na discussão (ouça abaixo a gravação , cuja autenticidade foi confirmada à reportagem pelo perito Ricardo Molina). Em outro momento, o ex-funcionário diz que Marquito estava envolvido diretamente na prática do “pedágio” salarial.
O aspone do vereador nega. “Ele não participava de nada”, rebate Pressi. Segundo o ex-funcionário, para tentar justificar a devolução de milhares de reais, Pressi obrigaria a equipe a assinar recibos de consultoria, nunca executada. Na discussão telefônica, o assessor faz menções a um contrato de “prestação de serviço”. A relação entre Marquito e Pressi começou como convivência de fã. O Barão marcava presença na plateia de diversos shows do comediante, principalmente na região de Guarulhos, onde mora.
A amizade se estreitou e o humorista chegou a ser padrinho de casamento de Pressi. Na hora de entrar para a política, não teve dúvida em chamá-lo para ajudar. A parceria, porém, pode estar estremecida. “Marquito se sentiu traído”, relata uma pessoa próxima ao político. Milva Maia, mulher do parlamentar, falou com a reportagem de Vejinha. Sem acusar Pressi, ela desabafa: “Meu marido é muito ingênuo, não entendia de política e deixou muitas decisões na mão do Edson”.
Ela conta que o artista do SBT tem chorado desde a denúncia. Abandonou passatempos como jogar futebol e pintar quadros, mas não deixou de comparecer às transmissões ao vivo na emissora de Silvio Santos. No campo da sobrevivência política, uma das medidas foi procurar o aconselhamento do deputado estadual Campos Machado, cacique do PTB. “Vivemos no país das delações, precisamos esperar as situações se provarem”, afirma Machado.
Mesmo chamado de “padrinho, irmão e líder” pelo vereador em seu discurso de posse, o petebista afirma agora não ser o mentor de Marquito. O dia a dia da família do comediante anda tenso. O filho de 15 anos, caçula do artista (que é pai de duas mulheres do primeiro casamento), acabou hostilizado por conhecidos e chegou a visitar um psicólogo. Milva recorreu à igreja Assembleia de Deus, frequentada pelo casal.
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Apesar de mais de trinta tentativas por parte de reportagem de VEJA SÃO PAULO, Pressi e Marquito não concederam entrevista. Na quinta (31), o vereador discursou em plenário e afirmou ter exonerado a chefe de gabinete e negou repasse de “dízimos”. Noemi Nonato: processo por irregularidade arquivado No Programa do Ratinho: um dos personagens mais populares da atração.
Nascido em São Paulo, o artista, de 56 anos, começou a carreira no entretenimento na adolescência, com apresentações em casas noturnas e circos. Logo, o tio famoso, Raul Gil, convidou-o para fazer parte de seu programa. Nos anos 80, Marquito passou para a atração do apresentador Barros de Alencar, na TV Record. Aliás, dois filhos do radialista foram empregados no gabinete — assim como um colega que conheceu nos bastidores de SBT.
Após as atividades na Câmara, onde exibiu boa frequência (em 2015, compareceu a 100% das 105 sessões realizadas), ele corre a bordo de sua moto para gravar, de terça a sexta, quadros como o que mostra as tempestuosas revelações de testes de DNA. Nos fins de semana, faz shows de stand-up, e afirma cobrar em média 10 000 reais por apresentação.
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Na Câmara, apresentou 38 projetos de lei. Entre os aprovados, um programa de incentivo a aulas de circo e outro, em parceria com mais parlamentares, que resultou na implantação de linhas de ônibus de madrugada. Há ainda o batismo de uma praça na Zona Leste com o nome Roberto Bolaños, o criador de Chaves. Em eventos itinerantes da Câmara, é assediado o tempo todo para fotos com eleitores. No plenário, porém, passa longe da unanimidade. “Uma figura dessas diminui a imagem da casa”, diz o vereador Police Neto (PSD), a respeito das acusações recentes.
A jornada de Marquito na Câmara terminaria na última sexta (1º), quando Celso Jatene retomaria o cargo, dentro do prazo para concorrer à reeleição. Com isso, se forem comprovadas as denúncias contra o coadjuvante de Ratinho, ele não deve responder a nenhum processo administrativo interno. Na esfera criminal, no entanto, pode ser responsabilizado por peculato (dois a doze anos de prisão) e, na área cível, por improbidade administrativa. Suspeitas de mordidas nos salários da equipe, a bem da verdade, não são novidade ali.
Em 2006, a então vereadora Lenice Lemos (filiada ao extinto PFL) foi condenada pela Justiça por reter parte dos contracheques dos funcionários, em uma fraude que chegou a 376 000 reais. Pelo mesmo crime, Claudete Alves (representante do PT entre 2003 e 2008) precisou devolver mais de 300 000 reais aos cofres públicos. Em 2005, o ex-jogador do Palmeiras Ademir da Guia (PC do B) também se viu sob desconfiança de exercer a mesma prática, assim como a ainda vereadora Noemi Nonato (PSB), em 2009. Nesses últimos casos, houve arquivamento da ação. O chefe de gabinete de Noemi afirmou que a investigação não constatou irregularidades.
TENSÃO NA LINHA
Gravação de telefonema feita por um ex-contratado mostra discussões com Marquito e o assessor Pressi. Abaixo, alguns diálogos:
Nos primeiros minutos da conversa, o vereador comenta os rumores de que o profissional faria denúncias contra ele: “Estou ouvindo uns papos aqui que você quer me ferrar. O que você está falando vai ter que provar. Porque estou indo atrás de você com um delegado amigo meu”.
Após assumir o telefone, o assessor desaconselha um conflito entre as partes: “Não esquece que tem duas partes, dois lados. Um que é ele (Marquito), e outro que é você. (…) O que for mais forte ganha. É assim a vida”.
Trecho no qual ex-funcionário e assessor discutem se Marquito participava do acordo. O esquema se daria por meio de pagamento ao chefe de uma “consultoria”:
Pressi: “Fui eu que passei isso (o acordo)”
Ex-funcionário: “Aquele dia em que vocês me chamaram dentro do gabinete para devolver dinheiro, foram você e o Marquito. Não foi só você”
Pressi: “Ele não participa de nada. Você tem um contrato assinado comigo. Ou esqueceu? O contrato de prestação de serviço. Você assinou comigo. Não só você, como todos os outros”
Assista a um vídeo que VEJA SÃO PAULO fez com o vereador em 2013: