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Lygia da Veiga Pereira: “Gasto com ciência é investimento”

Uma das geneticistas mais renomadas do mundo fala sobre os avanços da ciência para a reprodução humana e a criação da startup que estuda genomas brasileiros

Por Luana Machado
Atualizado em 9 Maio 2025, 08h37 - Publicado em 9 Maio 2025, 06h00
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Carreira ilustre: Lygia comanda laboratório na USP (Leo Martins/Veja SP)
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Pioneira nos estudos de genética no país, a carioca Lygia da Veiga Pereira, 58, que vive na capital paulista desde 1995, comemora trinta anos como docente no Departamento de Genética e Biologia Evolutiva da Universidade de São Paulo (IB-USP). Chefe do Laboratório Nacional de Células Tronco Embrionárias, a cientista, mãe de Gabriela, 22, e Maria, 20, comandou pesquisas pioneiras criando um centro para estudar camundongos geneticamente modificados que resultou na descoberta da primeira linhagem de células-tronco embrionárias humanas do Brasil, em 2008.

Especialista na geração das chamadas células pluripotentes, pela capacidade de se diferenciarem de qualquer outro tipo celular, e em epigenética, que estuda modificações gênicas que ocorrem sem alterações no DNA, Lygia graduou-se em física na PUCRio. Neta do célebre editor José Olympio e filha do criador da editora Sextante, Geraldo Jordão Pereira, se desviou da trajetória familiar após se apaixonar pela atual carreira durante uma iniciação científica. “Eu era muito ligada à literatura, lia os originais que meu pai recebia da Ruth Rocha e da Ana Maria Machado. Mas foi amor à primeira vista quando entrei em um laboratório de genética”, conta. Em 2022, ampliou ainda mais o currículo e abriu a startup Gen-t, que coleta e analisa o genoma de brasileiros com o objetivo de gerar um biobanco da população. Confira a entrevista a seguir.

Desde a descoberta da primeira linhagem de células-tronco embrionárias nacionais, muitos estudos foram realizados no Brasil na área, mas grande parte trabalha com elas enquanto ciência básica, e não para desenvolver tratamentos clínicos. Qual acredita que seja o maior avanço na área?

Nosso grupo de pesquisa de células-tronco no Instituto de Biociências está interessado em saber como elas se comportam no início do desenvolvimento embrionário, mas vários estudos no mundo analisam como podemos usá-las para terapias. E isso está avançando muito, vemos muitos testes em seres humanos, principalmente para doença de Parkinson, doenças cardíacas e regeneração da retina.

Como andam os avanços sobre o potencial das células-tronco para a reprodução humana, como a produção de óvulos em laboratório, regeneração ovárica e terapias contra doenças reprodutivas?

Temos, principalmente em camundongos, muitas pesquisas que conseguem transformar essas células em gametas. A questão é a segurança desses processos. O medo é que esses gametas não consigam originar embriões humanos saudáveis. É um progresso muito cauteloso. Porém, as células-tronco podem ser usadas para entendermos o funcionamento de um ovário e como a produção de células sexuais às vezes não funciona bem por causa de determinadas doenças. E, com isso, podemos descobrir novas terapias.

 

 

A técnica CRISPR é alvo de polêmicas por conseguir modificar o DNA de embriões humanos. Acredita que será possível corrigir mutações em embriões humanos antes do nascimento?

É um consenso entre os cientistas sérios que não devemos usar o CRISPR para editar o genoma de embriões humanos, porque a técnica ainda não é segura, não tem especificidade suficiente. É um procedimento proibido em vários países, onde o uso é uma aberração. Então, em casos de doenças genéticas familiares, é muito mais factível fazer FIV (fertilização in vitro) e testar os embriões que não herdaram a mutação do que tentar corrigi-las.

Falando em FIV, atualmente técnicas de reprodução assistida ainda são inacessíveis para a maior parte da população. O que fazer para que essas evoluções científicas não sejam privilégio das elites?

Essas tecnologias, assim que são criadas, são muito caras mesmo, mas a tendência com o tempo é que se tornem mais baratas. Lembro quando surgiu a primeira droga efetiva para curar a hepatite C e ela custava uma fortuna, hoje é mais acessível. A mesma coisa com a tomografia na década de 70 no Brasil. Mas, claro, tem que haver uma vontade política para que o acesso a tudo isso seja mais amplo.

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A senhora disse anteriormente que 80% do que a ciência conhece sobre genomas humanos vem de populações brancas europeias e dos Estados Unidos. Como o projeto da Gen-t pode contribuir para o desenvolvimento da biotecnologia, especialmente no que diz respeito à prevenção de doenças hereditárias?

Por enquanto, conhecemos bem a genética de populações brancas. E populações de outras ancestralidades possuem variações genéticas diferentes. Precisamos entender o impacto dessas variações em genomas de ancestralidades indígenas, asiáticas e africanas. Isso permite o desenvolvimento de uma medicina de precisão para todo mundo. Na Gen-t, estamos criando uma grande plataforma contendo dados de saúde e genomas da nossa população para, a partir disso, conhecer como os DNAs dos indígenas se misturaram com os europeus e africanos.

“As tecnologias são muito caras quando criadas, mas a tendência é ficarem mais baratas com o tempo. Contudo, tem que haver vontade política para que o acesso seja mais amplo”

O Brasil pode se tornar um pioneiro na genética?

No que depender de capital humano, podemos. Temos cabeças maravilhosas, mas nos falta apoio governamental consistente para realizar esse potencial produtivo dos cientistas brasileiros. O país precisa valorizar a pesquisa científica e entender que o gasto com a ciência é investimento.

A senhora teve duas filhas sem parar os trabalhos de pesquisa e aulas. Como foi conciliar a maternidade com a carreira científica naquela época?

Conciliar a maternidade com qualquer carreira é uma dificuldade. Por mais que eu seja apaixonada pelo meu trabalho, ficava dividida, por querer participar de todos os momentos da vida das minhas filhas tendo um tempo finito. Atualmente, a academia melhorou muito nesse sentido. Conseguimos colocar no CNPq quando temos filhos para justificar a diminuição natural da produção científica, e alguns congressos dão apoio a mulheres que precisam levar os filhos.

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Publicado em VEJA São Paulo de 9 de maio de 2025, edição nº2943.

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