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Líder de movimento por moradia do Cambridge é denunciada por extorsão

"Fui colocada para fora com a roupa do corpo por quatro capangas", diz uma das vítimas que acusa Carmen Ferreira, do Movimento Sem Teto do Centro

Por Adriana Farias
Atualizado em 7 Maio 2018, 20h55 - Publicado em 7 Maio 2018, 20h21

O núcleo de investigação do Ministério Público de São Paulo, na Barra Funda, denunciou por extorsão e pediu a prisão preventiva à Justiça da líder do Movimento Sem Teto do Centro (MSTC), Carmen da Silva Ferreira. Ela é responsável pela ocupação do Hotel Cambridge, no centro, por 142 famílias, em um total de 450 pessoas. O imóvel ficou por seis anos invadido e, no mês passado, foi desocupado para se tornar habitação social para as próprias pessoas que o ocupavam.

Carmen é acusada de exigir pagamentos dos moradores sob pena de expulsão à força para quem não podia arcar como os valores.

A acusação do MP foi feita em abril de 2017, baseada no depoimento de duas vítimas, quatro testemunhas, além de outras provas, como áudios e documentos. A Justiça negou a prisão preventiva, mas impôs como medida alternativa à líder do MSTC a restrição de aproximação das pessoas lesadas e do próprio hotel, a um raio de 6 quilômetros, até dezembro de 2017. O órgão entrou com recurso e o caso ainda não foi julgado. “Trabalhamos por meses na investigação e estamos convencidos da existência de uma gestão criminosa no local”, diz o promotor José Reinaldo Guimarães Carneiro. Esse movimento possui ao menos onze ocupações na região central.

Carmen Silva almoçando com a família no restaurante Casa do Norte Zé Leite, em São Paulo (Reprodução Facebook/Veja SP)

VEJA SÃO PAULO encontrou uma das vítimas que acusam Carmen e segue protegida no processo, após ameças de morte. Ela concordou em dar um depoimento sob condição de anonimato. Sua motivação foi devido à repercussão do recente desabamento do prédio do centro, que evidenciou as cobranças abusivas seguidas de ameaças que pessoas de baixa renda sofrem em algumas ocupações.

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Caderneta onde eram registrados os pagamentos (Arquivo Pessoal/Veja SP)
Caderneta onde eram registrados os pagamentos (Arquivo Pessoal/Veja SP)

Na noite de 10 de agosto de 2016, de madrugada, Aline (nome fictício) relata ter sido colocada para fora à força da ocupação do Cambridge com o marido e três filhos, pois se recusava a pagar as quantias que Carmen cobrava. Os valores por mês estavam divididos em 200 reais, 10 reais para manutenção de extintores de incêndio, 15 reais para produtos de limpeza e 20 reais de despesas de água. Finalmente, teria havido uma cobrança geral e individual de 15 000 reais para cada família para custear arquitetos e engenheiros e ter a contrapartida de ingresso da família no projeto de financiamento público da habitação coletiva, que está em fase de implantação no Cambridge. A prefeitura doou o imóvel ao MSTC, que foi selecionado pelo programa Minha Casa Minha Vida Entidades e vai receber dinheiro da Caixa Econômica Federal para construir habitações no local.

Abaixo, o depoimento dela:

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Entrei no Cambridge em 2015 após pagar 4 000 reais para conseguir um quartinho com banheiro. Peguei dinheiro emprestado com um padrinho, paguei as mensalidades de 200 reais por dois anos, mas chegou uma hora que não deu mais. Foi aí que comecei a exigir explicações sobre os valores cobrados. Não era justo pagar por água e luz sendo que tudo é gato, tudo é ligação clandestina. Limpeza, então, eram os próprios moradores que faziam. Porteiro só tinha um que ganhava menos de um salário mínimo. Após diversas ameaças, fui colocada para fora só com a roupa do corpo. Arrobaram a porta do meu quarto e entraram com quatro capangas e me obrigaram a descer. Foi desesperador. Eu com meus filhos na rua em plena madrugada. Só conseguia chorar. É um trauma que carrego até hoje. Depois de dez dias meu marido conseguiu voltar e pegar nossas coisas.

Após fazer a denúncia, fui abordada na rua três vezes. Em uma delas um homem saiu de um carro branco armado e exigiu que eu retirasse a denúncia, caso contrário minha família e eu iriamos morrer. Em outra ocasião, tive meu celular levado com vídeos e áudios comprovando as ameaças. Desde então, estou fugindo com minha família. Nos últimos tempos, morei em cinco lugares diferentes. Minha vida está sendo assim agora porque tomei a coragem de revelar o que ela estava fazendo.

Lá no Cambridge nada era de graça. As famílias que começaram a questionar muito a gestão dela foram expulsos… Só os ligados a ela que agora vão receber uma moradia do governo porque foram os que sempre pagaram tudo certinho e faziam o que ela pedia. Éramos obrigados a trabalhar para o movimento. Por exemplo, eu trabalhei na última campanha de Fernando Haddad (PT) fazendo boca de urna. Outros tiveram que ir para Brasília por três dias quando a Dilma sofreu o impeachment. Somos obrigados a ir nos atos e, se for preciso, até enfrentar a polícia.

Procurada, Carmen da Silva Ferreira negou todas as acusações. “Eu não pratico extorsão”, disse. “Toda e qualquer decisão é em assembleia, temos regimento interno registrado em cartório. Este processo é calunioso. Estou há vinte anos no movimento, são mais de 3 000 famílias atendidas.” O advogado dela, Lucio França, informou que os valores cobrados variam em torno de 20 reais para manutenções do espaço e negou que haja um pagamento fixo mensal. “Essa ocupação ganhou filme e é um modelo para o Brasil e para o exterior”, afirmou.

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Valores pagos mensalmente por um dos moradores que deixou o hotel Cambridge (Arquivo Pessoal/Veja SP)
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