A cena parece um quadro. Desses mais realistas. A luz é amarelada. O título poderia ser “Restaurante japonês no bairro da Liberdade”. O lugar é ainda mais bonito do que eu imaginara. Clássico. Com balcão, claro. Disse minha filha que iríamos no mais popular dos estabelecimentos especializados em lámen. Mesmo assim mandou tirar dinheiro do caixa 24 horas.
“Por que, é muito caro o lugar?”, pergunto, sem noção. “Não, pai”, responde ela. “Eles não aceitam cartão.” Entre as melhores recompensas para quem comete crônicas está receber sugestões de leitores para se aprofundar em assuntos abordados anteriormente. De como dar um passo adiante. Quando, há dois meses, escrevi a respeito da Liberdade fui agraciado com convites e ideias, todos muito simpáticos, para conhecer melhor o bairro. Minha amiga Katia escreveu no Facebook que me levaria lá para um karaokê de madrugada, daqueles autênticos, ao que ela chamou, com poesia, de Liberdade profunda. Mas não aconteceu ainda.
Na semana passada aceitei a convocação da minha filha Maria e voltei ao bairro japonês (também chinês e coreano) para comer lámen em um restaurante que serve basicamente esse prato. Eu não sabia bem do que se tratava, para dizer a verdade. Ela se envergonhava um pouco da minha ignorância, desconfio. O lámen é como um miojo, mas não instantâneo: é de verdade, e muito bom e gostoso. Mas eu ainda não descobrira isso.
Marcamos para as 20 horas na saída do metrô da Galvão Bueno: eu, ela e seu namorado, o Akira, que, apesar do nome e do seu conhecimento de culturas asiáticas, não é nipônico. Chego antes, para variar. Há no ar aquela eletricidade transmitida pelos helicópteros que rondam manifestações de grandes proporções nas metrópoles, a sensação de que tudo pode acontecer já e a qualquer momento. Mas o bairro está calmo.
A população da nossa cidade se dividira, penso, entre o aconchego do lar e a Praça da Sé, de onde chega o Akira. Descemos a Galvão Bueno até o Lamen Aska. Fica a uns três quarteirões depois do viaduto da Rua 13 de Maio. No balcão está sentado um jovem asiático com cabelo raspado dos lados e alto em cima, um corte digno do Neymar. Veste Havaianas 2.0 vermelhas, short quadriculado, camisa bordô e um casaquinho de oncinha. Acho estiloso o seu look. Tento especular com Maria, minha filha, a respeito da sua ocupação. “O que será que ele faz?”, pergunto. “Cabeleireiro… talvez”, responde, um pouco impaciente com o velho.
O mundo gira, penso ao analisar o cardápio. Nosso garçom é do Ceará mas fala japonês e, quando necessário, um pouco de chinês com a freguesia. Pergunto onde ele aprendeu. “Aqui mesmo”, diz, e emenda, “à força”. O lámen vem rápido. E quente. Maravilhoso. Com carne. E um ovo com uma espécie de casca marrom. Chamá-lo de miojo é errado, diga-se de passagem. Não tem nada a ver. É uma iguaria.
Penso aí em todos os movimentos que foram necessários para compor a cena do restaurante, o quadro de luz amarelada. São longas viagens do Japão, dos Estados Unidos e do Ceará. São Paulo é isso. A comida é boa.
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