Dono da Dolly comanda império multimilionário e é rodeado por polêmicas
Briga com a Coca-Cola, acervo de Ferrari, e prisão: proprietário da megaempresa de refrigerantes é acusado de sonegar 4 bilhões de reais em impostos
No fim dos anos 80, o empresário Laerte Codonho, então com 26 anos, criou o que viria a ser um império da indústria de refrigerantes: a Dolly, marca com faturamento anual multimilionário. Entretanto, agora a companhia paulistana, que compete com colossos do mercado, como a Coca-Cola, se vê ameaçada.
Uma das três fábricas do complexo, em Tatuí, no interior, fechou as portas no último dia 18, deixando 700 funcionários desempregados. Na semana passada, o negócio entrou com um pedido de recuperação judicial, deferido na última quarta (27), alegando tratar-se da última saída para pôr as contas em dia antes de solicitar falência. Esse cenário de adversidades se deve a imbróglios de Codonho com a Justiça. O empreendedor, de 57 anos, é acusado de sonegar 4 bilhões de reais em impostos aos governos estadual e federal durante as últimas duas décadas.
O comerciante de bebidas gaseificadas chegou a ser preso, em 10 de maio, após o desdobramento de uma investigação conjunta entre o grupo especial de repressão aos delitos econômicos do Ministério Público (Gedec) e o grupo de autuação para recuperação fiscal da Procuradoria- Geral do Estado (Gaerfis). Após encontrarem Codonho de pijama, às 6 da manhã, em sua mansão na Granja Viana, na Grande São Paulo, os agentes esquadrinharam o local durante duas horas.
Acharam cerca de 170 000 reais em dinheiro vivo, parte dele escondida em paredes falsas, e quatro carros, entre eles uma Ferrari. Nessa mesma operação, acabaram sendo confiscados três helicópteros também atribuídos ao dono da Dolly, solto oito dias depois. A detenção teve como objetivo evitar que provas fossem destruídas e preservar testemunhas do caso.
Codonho é investigado por crimes de organização criminosa, fraude fiscal estruturada e lavagem de dinheiro. Foi pedida a quebra de sigilo bancário do administrador e das firmas ligadas ao grupo, em nome de terceiros. “Temos provas de que ele é dono de todas elas”, diz o promotor Rodrigo Silveira, do Gedec.
Em abril, suas contas pessoais e comerciais foram indisponibilizadas pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, um dos credores. “Trata-se de 1,5 bilhão de reais bloqueados”, afirma o industrial, afastado da presidência da Dolly desde a prisão. “Seriam necessários seis anos de faturamento para que a empresa cobrisse esse valor. É para quebrar qualquer um.” A companhia apelou, então, para os cheques para manter a distribuição do refrigerante e o pagamento dos 1 000 funcionários.
O empresário reconhece que deve aos cofres públicos um montante de 77 milhões de reais e diz estar quitando parte da quantia em parcelas. Acredita ter chegado a esse ponto após sucessivos roubos do contador Rogério Raucci, segundo ele plantado pela Coca-Cola para derrubá-lo. Entre as acusações ao ex-funcionário, está a alegação de que ele teria falsificado documentos e recibos de impostos. Em nota de seu advogado, Raucci defende- se: “O modus operandi do senhor Laerte consiste em criar um bode expiatório para tudo.
As decisões são e sempre foram dele”. Entre outros problemas, Codonho tem condenações de casos antigos, por exemplo, por sonegar impostos, dessa vez para a Previdência Social. Ele foi penalizado neste ano com cerca de seis anos de prisão, mas recorre do processo em liberdade.
A história da Dolly, cujo nome faz referência aos animais de estimação da família, remonta a 1987. À época, o proprietário pôs no mercado o primeiro refrigerante dietético brasileiro. Os negócios engrenaram mesmo em 1994, quando surgiu a fábrica em Diadema. Dois anos depois, a empresa passou a oferecer a bebida de sabor guaraná na versão com açúcar, carro-chefe da empresa até hoje.
A cada dez garrafas de 2 litros da marca vendidas, cinco delas são desse sabor. Paulistano de ascendência italiana criado na Mooca, Codonho estudou economia e se formou técnico agrícola. Acredita ter herdado a veia empreendedora da família da mãe, dona de uma confecção. Do pai e das irmãs, Cibele e Solange, todos músicos, surgiu a ideia de inserir jingles em suas propagandas. As composições, com letras que incluem expressões como “sabor brasileiro” e “o melhor”, tiveram origem em churrascos e outras reuniões do clã.
Uma das grandes sacadas da empresa foi a mascote Dollynho, criada há quinze anos. Trata-se de um fenômeno nas redes sociais, inspirado no programa infantil Os Teletubbies e em um membro da família. “Olhei para minha filha e eu mesmo desenhei o personagem”, lembra. “Eles ficaram com traços muito parecidos.” Lorena, de 16 anos, também estrelou comerciais ao lado do irmão, Bernardo, 12. Criados para ser repetidos, os vídeos publicitários estão quase há uma década no ar e não devem ser trocados tão cedo.
Os dois filhos pretendem seguir os passos do pai e sonham assumir o controle da firma. Garantem nunca ter provado uma gota sequer de Coca-Cola. Na casa de Codonho, entra apenas refrigerante Dolly. O empresário, casado com a dentista Cristina, jura levar uma vida mais simples do que parece. Justifica: usava os helicópteros apreendidos para trabalhar, os carros de luxo eram de anos passados. “Minha Ferrari valia menos que um Land Rover”, despista. Para circular por aí atualmente, restaram dois carros, um Chrysler 300C e um modelo da Nissan de 2004. Sua residência, toda blindada, tem piscina.
Por causa de uma medida preventiva, ele deve ficar no endereço após as 19 horas em dias úteis e se recolher nos fins de semana. Para se manter nesse período de contas bloqueadas, Codonho pediu ajuda aos amigos. Um colega que ligou oferecendo solidariedade foi o deputado Celso Russomanno, seu ex- sócio em uma companhia de comunicação, beneficiado por uma doação do empresário de 260 000 reais à campanha política para governador de 2010. O político tomou o lado do amigo também após uma ação de Codonho contra a Coca-Cola, em 2003. “Ele é um empresário brasileiro que sofre concorrência desleal”, diz Russomanno.
Por ocasião de sua prisão, inclusive, o dono da Dolly ostentou um cartaz com os dizeres “Preso pela Coca-Cola”, escritos com batom. Ele moveu um processo no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) alegando boicote, espionagem e divulgação de boatos por parte da multinacional.
A Coca- Cola nega as acusações. O caso foi arquivado em 2013. Mesmo nesse ninho de confusões, o gestor afirma ter convicção de que sairá dessa situação e que tudo não passa de uma perseguição que envolve até a Procuradoria-Geral do Estado para tirá- lo do mercado. “Eu estou pior que o Mel Gibson naquele filme Teoria da Conspiração”, compara.