Eventos em São Paulo questionam Dia da Abolição da Escravatura
Palestras, caminhada e lavagem da Rua 13 de Maio marcam a data
A cidade de São Paulo terá pelo menos três atividades para marcar o Dia da Abolição da Escravatura, neste 13 de maio.
Pela manhã, a organização Uneafro Brasil realizou um evento especial no vão do prédio de história da Universidade de São Paulo em alusão ao 13 de maio, “Dia da Falsa Abolição”, como denomina o movimento negro. Centenas de alunos participaram de uma aula especial. Além de palestras sobre o 13 de maio, racismo e o movimento negro, o evento contou com shows, sarau e entrega de prêmios.
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Também pela manhã, a Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP) promoveu a 1ª Caminhada Educativa Chão dos Nossos Ancestrais, com um roteiro que seguiu por pontos históricos negros no centro da capital paulista. O objetivo do evento é evitar o apagamento da memória histórica negra, como o local onde funcionou a primeira escola de samba, a igreja que acolheu os perseguidos pelo regime escravista e o local onde eram cumpridas penas de morte contra negros escravizados.
No fim da tarde, o Bloco Afro Ilu Oba de Min faz seu tradicional manifesto contra a falsa abolição, com a lavagem da Rua 13 de maio, na parte central da capital. A concentração começa às 17h na escadaria do Bixiga e, às 18h, está programada a saída em cortejo pela Rua 13 de Maio. “Para participar é só vir de coração aberto, estaremos com flores com água de cheiro, a água já está rezada, cantaremos pros nossos orixás, cantaremos as composições do carnaval de Ilu Oba de Min em homenagem a Sueli Carneiro, uma mulher preta, feminista, uma guerreira aguerrida na luta contra o racismo e também vamos saudar e reverenciar a nossas ancestrais resistentes, que estão no céu e na terra!”, convida a coordenadora do Bloco Afro Ilú Obá de Min, Cibelle de Paula.
Memória viva
Cibelle destaca o significado desta lavagem na Rua 13 de maio: “Esta lavagem, na 13 de maio, em um significado histórico, primeiramente para resgatar e afirmar a memória viva da população negra no território do Bixiga e na história do Ilu, que completa 13 anos, que tem como propósito principal lavar a narrativa falsa, a falácia da abolição e por sua vez reverenciar, homenagear e celebrar a ancestralidade preta que resistiu a escravidão e resiste até hoje”.
Pedagoga e historiadora especializada em História da África e do Negro no Brasil, Cibelle reflete sobre o que é preciso acontecer para mudar a realidade da estrutura social do Brasil, herdada por mais de três séculos de escravidão. “Hoje o debate principal dentro da questão racial é o antirracismo. E o antirracismo, além do combate ao racismo, pressupõe superação das desigualdades. E para que haja superação das desigualdades é importante que se repense privilégios. Então um ponto importante para que haja o combate ao racismo é que a branquitude reflita sobre seu lugar e reflita como ter um posicionamento crítico perante os lugares de privilégio”.
Outros pontos, completa a especialista, é a aplicabilidade das políticas públicas conquistadas pelo movimento negro. “É importante também que as políticas públicas que foram luta e conquista do movimento negro sejam aplicados com seriedade e que haja dispositivos para sua aplicabilidade e seu acompanhamento bem como as cotas, e a aplicabilidade da Lei 10.639/03 [estabelece a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira na educação nacional que esse ano completa 27 anos”.
Cibelle também cita o racismo estrutural: “É importante que se haja uma reflexão da existência do racismo estrutural e que ele para que seja superado, é importante que as instituições tenham um papel, um posicionamento e uma compreensão crítica da sua ação, porque se o racismo está na estrutura da sociedade, as instituições sociais têm uma responsabilidade para o seu combate, isso é importante que se tenha essa consciência para que o racismo que ceifa vidas ainda para população preta, coloca a população preta em vulnerabilidade de moradia, de saúde, dentre outros segmentos, possa ter um uma qualidade de vida com equidade”.
A historiadora afirma que o Dia da Abolição da Escravatura não pode ser celebrado: “É uma data política emblemática porque ela traz a falácia da narrativa de uma abolição que foi dada, mas os registros históricos comprovam que a população negra, desde a sua diáspora, resiste e luta contra a escravidão. Desde os navios negreiros até a chegada aqui no Brasil, a população negra sempre lutou contra a escravidão. Essa é uma data para entender e para afirmar o quanto a população negra foi alijada em violência. Acho que essa comemoração nunca vai acontecer”.
Cibelle completa que a data traz uma memória emblemática de dor. “Se houve o 13 de maio, houve também o 14 de maio, e a população negra não tinha nenhum direito assegurado: o direito da cidadania e ao trabalho, não foi assegurado e essa luta por direito permanece até hoje. A luta ainda continua. Que a gente chegue no 20 de novembro, essa sim uma data emblemática de afirmativa de uma resistência preta seja um dia de celebrar vitórias. Hoje [13 de maio] é um dia de pensar, infelizmente, nas dores do passado, [dia] de uma narrativa branca racista que insiste em apagar algo da população negra que existe, assim com o território da bexiga, que segue resistindo como território preto e indígena”.