Calma. Viver é devagar. Uma pessoa leva nove meses para nascer, um ano para andar e ganhar dentes, dois anos para falar, seis para ler, dezoito anos de escola para se formar, trinta anos para ficar maduro, noventa anos para morrer. Para que a pressa? Não se estresse. “Apressa-te devagar”, aconselhava o historiador romano Suetônio ao imperador Adriano.
Por que têm pressa os que têm pressa?
A pressa é um perigo. Acontecem 700 acidentes por dia nas rodovias brasileiras, 42 000 pessoas morrem anualmente em acidentes de trânsito, 24 000 só nas estradas. Por que a pressa? As cidades estão lá à espera no término da viagem, as praias estão lá, os hotéis, os parentes, os amigos, nada vai sair do lugar, mas todos têm pressa. Parecem fugir dos quilômetros. “Não há nada que se possa fazer com pressa e prudência ao mesmo tempo”, ensinava o latino Publilio Siro, 2 000 anos antes da invenção do automóvel.
A pressa para ganhar dinheiro amolece a moral, favorece o crime, a corrupção, a bajulação, o carreirismo, a passada de perna. Na última década do século passado, começou a circular, com o peso de um salmo bíblico, a nova mensagem aos jovens: aquele que não ganhar seu primeiro milhão antes dos 30 anos será um perdedor. A pressa entrou em cena nos escritórios, vieram os atropelamentos nos corredores das empresas. Como diz o delinquente do filme ‘Notícias de uma Guerra Particular’, sobre um par de tênis que viu alguém usando e o qual não podia comprar: “Eu vou pegar, brother”; o jovem da classe média diz sobre o milhão que outros têm: “Eu vou pegar o meu, cara”.
Também no amor a pressa não resulta em grande coisa. A pressa dos conquistadores assusta a presa. A dos ansiosos provoca fracasso na hora H. A dos imprevidentes termina em gravidez. A dos maridos dá origem a mulheres insatisfeitas. A das esposas encoraja adúlteros. A dos namorados os acostuma à falta de capricho no amor. A dos solteirões produz velhos solitários, que não atentaram, enquanto era tempo, para um conselho de avô: “Fuja das mulheres, mas devagar, para que elas possam alcançá-lo”.
Pressa para fazer um trabalho não dá certo. O oleiro sabe que não adianta apressar o barro. Uma mesa benfeita, uma cirurgia precisa, uma casa bem construída, um sapato confortável, uma estrada segura — tudo tem seu tempo, e não é o dos apressados. Lembram-se da cratera da Linha 4 do Metrô de São Paulo? Viram o absurdo urbano do Minhocão? Viram a trapalhada do Plano Collor? “A pressa é o ritmo dos trapalhões”, diz o escritor americano Ambrose Bierce. O povo sempre soube disso, ao criar ditados como “A pressa é inimiga da perfeição”, “Roma não se fez num dia”, “Devagar se vai longe”. Gasta-se tempo fazendo, e outro tanto refazendo. Vamos, pois, desacelerar, ouvindo o que diz um escritor de prosa saborosa, o londrino G.K. Chesterton: “Uma das grandes desvantagens da pressa é o tempo que ela nos faz perder”.
A pressa na arte resulta em obras sem arte. Que de mais grandioso existe entre as obras de arte coletivas do que as catedrais, como as de Paris, Colônia, Milão, Reims e outras? Levaram cinco, seis séculos para ficar prontas. O pior que se pode dizer de um romance, de uma mostra de pintura, de um concerto, de um espetáculo teatral é que são apressados. Arte é concepção, realização e acabamento. E isso toma tempo, tempo de criar, corrigir, aparar, avaliar, polir. Quinhentos anos antes de Cristo o sábio chinês Confúcio ensinava: “Coisa feita com pressa é coisa malfeita”. Viver é divagar.