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Amigo parnasiano

Acho que nunca falei do meu amigo parnasiano. Era poeta e jovem, hoje é mais poeta do que jovem. Fazia umas brincadeiras com a linguagem dos poetas parnasianos, transplantando-a para banalidades de hoje. Os parnasianos gostavam de palavras pomposas, rebuscadas nos baús da língua, para eles joias preciosas. Nosso Hino Nacional é parnasiano. Lembram-se do […]

Por Ivan Angelo
Atualizado em 5 dez 2016, 17h13 - Publicado em 28 abr 2012, 00h50
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  • Acho que nunca falei do meu amigo parnasiano. Era poeta e jovem, hoje é mais poeta do que jovem. Fazia umas brincadeiras com a linguagem dos poetas parnasianos, transplantando-a para banalidades de hoje. Os parnasianos gostavam de palavras pomposas, rebuscadas nos baús da língua, para eles joias preciosas. Nosso Hino Nacional é parnasiano. Lembram-se do “lábaro que ostentas estrelado”? É a bandeira cheia de estrelas que exibimos.

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    Os parnasianos gostavam de empregar rútilo no lugar de brilhante, tálamo no lugar de cama ou leito conjugal, mansarda no lugar de sótão ou de casa miserável, gilvaz no lugar de cicatriz, masmorra ou cárcere no lugar de prisão, serôdio no lugar de temporão ou fora de época e por aí vai. Não sei dizer quando esse amigo começou com a brincadeira. Talvez na faculdade de direito, e além do talvez não avanço. Uma noite, farreado, acabado e sem pouso, ele chegou a um daqueles hotéis de má fama que havia na Avenida Ipiranga, de escadaria longa, íngreme, estreita e desanimadora, e chamou lá de baixo:

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    — Estalajadeiro! Estalajadeiro!

    Era já o parnasiano divertindo-se dentro dele. Um homem surgiu lá em cima, com má vontade. E o poeta, já possuído pela molecagem parnasiana, exclamou, teatral:

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    — Bom estalajadeiro! Tendes um catre para o meu repouso?

    Recebeu de troco palavrões bocagianos. Certa manhã, ainda sem dormir depois da noite boêmia, encostou-se num balcão que hesitava entre ser de botequim ou de lanchonete para pedir um café com leite, e não resistiu ao se dirigir à nordestina figura do outro lado:

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    — Do alvo leite e da negra rubiácea dai-me a secular mistura.

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    O rapaz pensou, não quis passar por bobo, e botou diante dele um copo de leite de onça com cinzano. Quem mandou brincar? Na feira, após uma madrugada, ao procurar frutas para refrescar a garganta, estranhou os pêssegos fora de época:

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    — São serôdios estes pomos?

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    — Não, são nacionais — respondeu o feirante.

    Acordou na manhã de sol com a cantoria da faxineira a limpar as vidraças:

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    — Que júbilo é este em pleno arrebol? Piedade, ancila!

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    Para a moça que encontrou na noite: — Venha para o tálamo.

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    Ela entendeu o que parecia ser.

    Depois de alguns mal-entendidos, ele foi parando com a brincadeira. O ponto final foi numa lanchonete, ao ser atendido por uma garçonete jovem e bonita. Reparou no rosto dela a cicatriz de um corte recente, nada prejudicial à beleza do conjunto. Pretendendo ser gentil, veio com aquela prosopopeia:

    — A moçoila sente pruridos no gilvaz?

    Ela trancou os lábios e foi-se queixar da indecência para o noivo copeiro, que veio de lá e meteu o braço no poeta, sem palavras. Como diriam os parnasianos, aplicou-lhe um escarmento.

    e-mail: ivan@abril.com.br

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