Por Mário Viana (mario@abril.com.br)
Uma das maiores escritoras de romances policiais da história, a inglesa Agatha Christie disse uma vez que suas ideias mais homicidas nasciam quando ela era obrigada a lavar louça. não sei como são as coisas na Europa, mas cá nos trópicos qualquer candidato a autor de suspense é capaz de bolar as atrocidades mais criativas apenas contratando um pedreiro.
Iniciar uma reforma em casa, por mais simples que seja, transforma um monge budista num rambo descompensado. Para intensificar o drama, o inimigo não é um tipo feroz. Pelo contrário.
Fala baixa, olhar tímido, roupinha puída, o pedreiro dá um nó em nossos hábitos de urbanoides conectados, com português relativamente correto e aquele ar inequívoco de dono da coisa toda. afinal, a casa em reforma é nossa.
O pedreiro vira de ponta-cabeça qualquer conceito filosófico. Para início de conversa, ele não se afina com a ideia de tempo à qual estamos habituados. Para qualquer pessoa, “um mês”, no calendário gregoriano, equivale ao período de trinta dias corridos. Menos para o sujeito que só precisa derrubar duas paredes e trocar o encanamento do banheiro.
Na folhinha do obreiro, um mês pode durar sessenta, noventa dias, sem que isso provoque nele o menor incômodo existencial. “Essa semana eu termino” é uma frase tão carente de verdade quanto “Claro que amanhã eu te ligo”.
Se você se apega a datas, tem grande chance de se frustrar, vendo escorrer entre os dedos os períodos minimamente festivos. Páscoa, Dia dos namorados, aniversários, natal, joguinho de buraco com os amigos do clube, nada acontecerá como previsto. Pelo menos, não na sua casa.
Lidar com pedreiros lhe dá a oportunidade de rever seus conceitos estéticos. Daniel, um ator amigo meu, comprou um sobradinho lindo numa vila do Jardim Paulista. Em vez de mudar de mala e cuia com Helena, sua namorada, o insensato resolveu fazer umas reforminhas.
O pedreiro conseguiu assentar o piso de todos os cômodos com a porcelana voltada para baixo. E nem estranhou que a parte exposta era meio sem brilho. É ou não é um olhar revolucionário sobre lajotas que, pelo preço, são fabricadas manualmente por velhos cegos e asmáticos do Deserto do Atacama?
As faculdades de filosofia perdem muito em não chamar pedreiros para discutir certos temas. a fé indomável que eles têm na noção de infinito causa abalo sísmico em qualquer corrente de pensamento. Pedreiros não acreditam em limites. Pelo menos, para o bolso do cliente. acham que ali corre um rio infinito de dinheiro, que alimenta a boca voraz da obra interminável.
Todo dia é preciso comprar alguma coisa nova — de parafuso ao azulejo que você já tinha comprado, mas que não foi suficiente porque o ajudante fez alguma lambança.
Aos trancos e barrancos, a obra um dia chega ao fim. Você ajusta o cinto da calça (o nervosismo sumiu com vários quilos da sua silhueta, o que nem é de todo mau), guarda os calmantes no fundo da gaveta e entra na casa nova. Ou melhor, tenta. Por distração de alguém, o piso ficou mais alto e a porta não abre.