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Para sair do vermelho, Santa Casa demite e reduz atendimentos

Corte vai gerar economia de 7 milhões na folha de pagamento. Meta da nova gestão é voltar a operar no azul em meados de 2016

Por Jussara Soares
Atualizado em 1 jun 2017, 16h32 - Publicado em 31 out 2015, 02h00
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  • Maior hospital filantrópico do país, a Santa Casa de Misericórdia respira por aparelhos há tempos, na pior crise de seus 450 anos. Os sintomas do quadro crítico ficaram evidentes em julho de 2014, quando o pronto-socorro do hospital central, na Vila Buarque, ficou sem material após atraso de pagamentos e fechou por 28 horas. O caos se instalou, com suspensão de exames e cancelamento de cirurgias autorizadas pelo SUS. Em novembro, os 11 000 funcionários não receberam o 13º salário e nove das 24 unidades administradas pela entidade foram devolvidas ao Estado.

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    A esperança de recuperação surgiu neste ano, com a troca no comando da instituição, mas o tratamento para deixar a UTI financeira tem sido bem dolorido. Há duas semanas, com a intenção de reequilibrar o caixa — a dívida atual é de 897 milhões de reais —, a direção demitiu 1 397 funcionários, entre os quais 184 médicos e 91 enfermeiros. Ainda que o corte estivesse programado pelos novos gestores, foi inevitável reduzir drasticamente a extensão de alguns serviços.

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    O Ambulatório Conde de Lara, por exemplo, que funcionava sete dias por semana, 24 horas por dia, com clínicas de oftalmologia, endocrinologia e uma enfermaria, agora permanece aberto apenas de segunda a sexta, entre 7 e 19 horas. Os casos de emergência tiveram de ser absorvidos pelo pronto-socorro geral. Entre os dispensados estão quinze anestesistas e sete cirurgiões do complexo de tijolos aparentes na região central. Até um setor de referência no local, o de transplante de fígado, acabou sendo atingido, perdendo seis de seus oito profissionais.

    Vários pacientes relataram problemas no atendimento. Na última quarta (28), o auxiliar de limpeza Raimundo Ferreira de Araújo, em tratamento contra um câncer na laringe, saiu de Itapevi, na Grande São Paulo, para uma consulta, mas não encontrou o médico. Foi a segunda vez em uma semana que bateu com a cara na porta. “Eles sempre se mostraram cuidadosos na  quimioterapia, mas está com jeito de que isso aqui vai fechar”, lamentava sua mulher, Maria das Graças da Costa.

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    O maior impacto ocorreu no Hospital Municipal São Luiz Gonzaga,  administrado pela Santa Casa, no Jaçanã, na Zona Norte. Lá, 52 médicos perderam o emprego, o equivalente a 25% do corpo clínico. Os ambulatórios de oftalmologia e reumatologia deixaram de existir. E, na emergência, não há mais ortopedistas. “Vim para cá com fortes dores nas costas e acabei sendo atendida por um clínico geral”, conta a aposentada Josefa Martins. Outros pacientes passaram pelo mesmo problema na última terça (27), a exemplo de uma idosa de 93 anos que havia caído de uma escada e chegou ao local sem movimentaro braço. Os casos mais graves estão sendo encaminhados a unidades básicas de saúde do município. “No formato atual, esse hospital está impossibilitado de funcionar”, critica o presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo, o infectologista Eder Gatti.

    Eder Gatti - Simesp
    Eder Gatti – Simesp ()

    Além da situação de penúria enfrentada pelos pacientes, as entidades de classe alertam para a precariedade das condições de trabalho dos profissionais que escaparam dos cortes. “É  preocupante a sobrecarga que será necessária para dar conta dos atendimentos”, diz José Sousa da Silva, vice-presidente do Sindicato dos Auxiliares e Técnicos de Enfermagem e Empregados em Estabelecimentos de Saúde em São Paulo (SinSaúde). A entidade representa 1 050 demitidos. Outra queixa é quanto ao pagamento dos direitos trabalhistas dos dispensados. O valor total das rescisões soma 53 milhões de reais. Mas, sem dinheiro em caixa, a Santa Casa vai depositar o que é devido em parcelas ao longo de um ano para 949 ex-colaboradores, em um ano e meio para 218, e em dois anos para 55 deles.

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    Responsável por prescrever a terapia de choque ao complexo de saúde, o superintendente José Carlos Villela está no cargo desde 15 de setembro. Engenheiro de formação e com 28 anos de experiência como consultor de empresas multinacionais, ele começou a trabalhar em junho como conselheiro voluntário do recém- eleito provedor da instituição, o médico José Luiz Setúbal, até ser convidado para assumir um cargo fixo. Um dos dilemas mais urgentes enfrentados por ele é reduzir o déficit operacional mensal, que chegou a 11,5 milhões de reais em maio. Hoje, é quase um terço disso. Os administradores querem zerar a conta negativa até dezembro. Com isso, evitam que o desequilíbrio financeiro do hospital aumente ainda mais.

    José Carlos Villela - Santa Casa
    José Carlos Villela – Santa Casa ()

    Esse efeito bola de neve foi responsável por inflar a dívida em mais de 20% nos últimos dois anos. Além disso, o ajuste é fundamental para reconquistar a confiança de credores a fim de renegociar o passivo e conseguir novos empréstimos. Há conversas adiantadas com o BNDES e a Caixa Econômica Federal. O objetivo mais ambicioso de Villela é chegar à metade de 2016 com um superávit operacional. “O remédio é amargo, mas estou certo da cura”, diz o superintendente.

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    Seu principal foco é cortar desperdícios. Esse saneamento nas contas começou na centralização da área das compras e na melhora da gestão do estoque. Desde a metade do ano, todo contrato precisa ter o aval do departamento jurídico para ser firmado. A modernização tecnológica da administração é outra ação em curso. As recentes demissões estavam incluídas no planejamento e representarão 7 milhões de reais de economia na folha de pagamento. Segundo a administração, o hospital central operava inchado desde a devolução das nove unidades ao Estado, em  novembro passado. Na ocasião, 600 profissionais foram realocados para os prédios da Vila Buarque, sem função definida.

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     “Por isso, não acho que o atendimento tenha piorado”, entende Villela. Em 2013, antes de explodir a crise, a Santa Casa recebia 274 000 pessoas pelo SUS por mês no pronto-socorro e no ambulatório. Hoje são 163 000. “Queremos voltar a crescer, e o que estamos fazendo é parar de atender errado e trabalhar com produtividade”, completa o superintendente.

    A PIORA DO QUADRO

    Os dados que mostram a decadência da instituição nos últimos três anos

    Unidades

    2013 – 24

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    2014 – 24

    2015 – 14

    Médicos

    2013 – 2084

    2014 – 1742

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    2015 – 1403

    Funcionários

    2013 – 13 912

    2014 – 11 046

    2015 – 9419

    Atendimentos pelo SUS (por mês)

    2013 – 274 000

    2014 – 266 000

    2015 – 163 000

    Cirurgias (por mês)

    2013 – 4464

    2014 – 3142

    2015 – 2096

     

    Transplantes de fígado

    2013 – 15

    2014 – 8

    2015 – 2

    Faturamento (em reais)

    2013 – 1,25 bilhão

    2014 – 1,3 bilhão

    2015 – 808 milhões

    Dívida (em reais)

    2013 – 696 milhões

    2014 – 826 milhões

    2015 – 897 milhões

    Patrimônio líquido (em reais)

    2013 – 323 000

    2014 – 121 000

    2015 – 305 000

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