O carro que acumulou 20 milhões de reais de dívidas em dois anos
O Ford Escort 1996 tem 1 975 infrações e foi caçado durante seis meses pelas ruas da cidade
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Cerca de 180 veículos circulam em São Paulo com histórico de multas superior a 1 milhão de reais. Na liderança desse ranking estava um Ford Escort 1996. Durante seis meses, o campeão foi caçado em vão pelas ruas. Sem notícias de seu paradeiro, o Comando de Policiamento de Trânsito (CPTran) armou uma campana na altura do número 12200 da Avenida Aricanduva, na Zona Leste, onde a maioria das irregularidades havia sido cometida.
A estratégia deu resultado por volta das 6 da manhã de 24 de julho. “Tivemos de esperar três dias no mesmo ponto, mas finalmente o pegamos”, conta o PM Fabricio Martins Coimbra, do CPTran. O automóvel tem 1 975 infrações, que somam 20 milhões de reais — valor que dá para comprar 2 893 modelos iguais em boas condições. Não é o caso da celebridade mecânica. Com lanternas penduradas, pneus carecas e lataria amassada, ela acabou sendo levada ao pátio do Detran em Itaquera.
Quem estava ao volante era o vendedor Oseias de Souza Rodrigues, de 38 anos, que não se mostrou surpreso com a chegada dos guardas. “Muita gente compra um carro ness
as condições e fica rodando até ser pego”, afirmou a VEJA SÃO PAULO. Ele adquiriu o Escort em 2015 por 600 reais, quando este só tinha nove infrações. “Veio sem documentos, mas achei um bom negócio, pois tinha poucas multas”, conta.
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Desde então, Rodrigues cometeu, em média, três infrações por dia. Cerca de 60% delas foram registradas em diferentes pontos da Avenida Aricanduva, geralmente às 6 da manhã ou às 8 da noite, a maioria por excesso de velocidade. Outras, de menor incidência, incluem invasão de faixa de ônibus, avanço de sinal vermelho e falta de cinto de segurança.
No total de pontos, elas seriam suficientes para que o condutor perdesse a carteira mais de 400 vezes. Isso se efetivamente tivesse uma. Sim, Rodrigues guiava por aí sem nunca ter tirado a CNH. “Uma multa a mais ou a menos não faz diferença”, entende. “Mas nunca coloquei a vida de ninguém em risco por dirigir bêbado”, jura.
No dia 3 de abril de 2016, ele descumpriu dezesseis regras de trânsito em um intervalo de 24 horas. Começou às 6h18, ao invadir uma faixa de ônibus e ainda exceder o limite de velocidade na Avenida Aricanduva. Nos dez minutos seguintes foi flagrado outras três vezes por radares nas imediações da Rua Melo Freire.
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Voltou a cometer violações a partir das 19h18, na Avenida Alcântara Machado, novamente por acelerar demais, sendo flagrado três vezes em um intervalo de vinte minutos até estacionar na Avenida Conde de Frontin. A sequência de ilegalidades prosseguiu após as 22h57, quando tomou mais oito multas em cerca de uma hora, uma delas por avançar um sinal vermelho na região da Rua Bresser.
O carro aparece registrado no nome de uma empresa, a BV Financeira. Essa companhia diz ter vendido o automóvel ao empresário Douglas Borgoni, proprietário de uma concessionária de revenda de veículos em Mauá, por 3 000 reais e comunicado a transação ao Detran em 2009. Borgoni, no entanto, nunca finalizou a transferência e repassou o bólido adiante — outras seis pessoas assumiram seu volante ao longo dos últimos oito anos.
As infrações foram se acumulando, e o último condutor acelerou de vez na malandragem. A dívida de 20 milhões de reais está em fase de cobrança nos tribunais. “Eu me descuidei da documentação, não vou conseguir pagar isso nem em 100 anos”, lamenta Borgoni.
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Seu advogado ainda vai tentar lutar para livrá-lo do problema, mas as chances são pequenas. “Virou uma bola de neve, e o nome que consta no Detran como o responsável pelo automóvel vai responder por isso”, afirma Maxwell Vieira, diretor-presidente do órgão de trânsito.
Rodrigues, por sua vez, pagou uma multa de 880 reais por guiar sem a CNH e não deve mais nada à Justiça (se tivesse carteira,
sofreria uma punição de 7 pontos no prontuário). Até a semana passada, o local onde estacionava o Escort, na porta de sua casa, no Jardim da Conquista, na periferia da Zona Leste, permanecia vazio. O automóvel deve ser leiloado como sucata, situação similar à de outros 21 148 carros apreendidos com documentação irregular na cidade.
Ficha Corrida
O ranking das 1 975 anotações no prontuário do automóvel
962 Falta de identificação do condutor
823 Excesso de velocidade
164 Invasão de faixa de ônibus
9 Avanço de sinal vermelho
8 Infração do rodízio municipal
6 Ausência de cinto de segurança
3 Estacionamento ou parada proibidos