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O sucesso do triatlo, que ganha mais adeptos entre os paulistanos

Marginal Pinheiros e USP receberão prova da marca Ironman em novembro e condomínio de luxo nos arredores da capital cria centro de treinamento

Por Juliene Moretti Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 1 ago 2019, 10h36 - Publicado em 7 jun 2019, 06h00

Na mais badalada prova de triatlo do mundo, o Ironman, o participante encara 3 800 metros de natação em águas abertas (mar, represa ou rio), 182,2 quilômetros de ciclismo e os 42,2 quilômetros da maratona, em uma jornada de até dezessete horas. A única disputa desse tipo no Brasil é realizada em Florianópolis desde 2001, e sua edição mais recente, há duas semanas, reuniu 1 600 atletas. A novidade é que São Paulo passará a receber a competição, ainda que em versão mais tímida. Em 10 de novembro, a capital sediará o Ironman 70.3, com metade das distâncias do formato original — 1,9 quilômetro de natação, 90,1 quilômetros de ciclismo e 21,1 quilômetros de corrida. Será uma das cinco etapas do circuito nacional de “meio-Iron”, ao lado de Rio de Janeiro, Florianópolis, Fortaleza e Maceió. O trajeto por aqui incluirá a Raia Olímpica da Universidade de São Paulo (USP) e a Marginal Pinheiros. As 1 700 vagas disponíveis esgotaram-se em menos de uma semana ao ser colocadas à venda em março por 400 dólares (cerca de 1 550 reais). “A expectativa é movimentar 22 milhões de reais na cidade com a competição”, projeta o empresário Carlos Galvão, CEO da Unlimited Sports, responsável pelo evento.

Ironman 70.3, em Florianópolis, em abril: 1 600 atletas inscritos (Divulgação/Divulgação)

A chegada do Ironman é um bom indicativo para o aumento do interesse dos paulistanos pelo triatlo. Muitos se iniciam na modalidade por meio da corrida. Ou porque se lesionam e são orientados a praticar provisoriamente um esporte com menos impacto (caso da natação e do ciclismo) ou porque estão em busca de desafios mais exigentes para o corpo. Essa atenção mais intensa pode ser medida pela frequência às competições sediadas na capital. A principal é a etapa paulistana da Triday Series, circuito com oito provas no país ao longo da temporada e também organizado pela Unlimited (com distâncias de sprint e triatlo olímpico). Foram 800 inscritos no ano passado, um crescimento de 45% em relação a 2016, o ano da estreia. Marcada para 25 de agosto, a edição deste ano tem 500 confirmados. Outro modo de medir o fenômeno é pela procura de assessorias esportivas. A BR Esportes, uma das maiores do segmento, começou com quinze clientes há uma década e hoje atende mais de 300. “Acompanhei dez atletas no Ironman de 2010 e 84 no do ano passado”, diz o fisiologista Marcelo Ortiz, dono da companhia. “O praticante típico tem mais de 35 anos e já atingiu a estabilidade financeira.”

Entre os adeptos com esse perfil está o empresário Alexandre Birman, CEO do grupo Arezzo & Co, que detém também as marcas de sapato Schutz e Anacapri. Sua entrada nesse mundo ocorreu em 2012, por influência da amiga e triatleta Fernanda Keller, que já conquistou seis medalhas de bronze no Ironman Havaí, o mais famoso do mundo. “No início eu ia muito bem na natação, mas nem tanto na bicicleta”, diz. Meses depois, em sua primeira prova, no Panamá, ele caiu durante a transição para a corrida. “Fiquei bem machucado, mas lembrei do meu pai me incentivando e fui até o fim”, recorda. Ao todo, Birman completou doze meio-Ironman e quatro Ironman e tem algumas maratonas no currículo. Seus treinos são diários, normalmente antes de sair para o trabalho, às 8 horas, e isso inclui períodos de viagem. Também teve de se adaptar para se tornar um atleta, o que significou diminuir a ingestão de bebidas alcoólicas e eliminar as frituras do cardápio, por exemplo. “Foi muito natural, conforme os treinos evoluíam, eu sentia a necessidade de mudar”, diz.

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Outro executivo que entrou na onda é Raymundo Peixoto, vice-presidente da empresa de tecnologia Dell EMC América Latina. Ao se colocar no mercado de trabalho, décadas atrás, ele havia deixado os esportes de lado para se dedicar à profissão e à família. “Quando tinha 38 anos, percebi que havia um desequilíbrio na minha vida e decidi me inscrever em competições para estabelecer outras metas”, explica. Hoje aos 55, disputou três meio-Ironman e um Ironman. Um dos desafios é incluir a família na rotina. “Não falto a nenhum evento com eles, mas, no dia a dia, vou dormir às 19 horas”, afirma. Para otimizar, montou em casa uma academia particular que inclui um “rolo”, equipamento no qual se instala a bicicleta para pedalar sem sair do lugar. “Tenho ainda um telão com percursos das provas.”

Mariana, uma das moradoras do empreendimento: onze maratonas no currículo (Alexandre Battibugli/Veja SP)

A movimentação dos atletas paulistanos chamou a atenção dos administradores da Fazenda Boa Vista, condomínio de casas de luxo localizado em Porto Feliz, a pouco mais de 100 quilômetros da capital. Com 12 milhões de metros quadrados, o local iniciou há um ano a construção de um centro de treinamento dedicado ao triatlo, ao lado de outros direcionados a hipismo e golfe, por exemplo. “Foi uma demanda dos próprios moradores, que reivindicavam um espaço para treinos sem interferências externas como carros e crianças”, diz Humberto Polati, diretor de novos negócios e relacionamento da incorporadora JHSF, responsável pelo empreendimento. Surgiu assim o projeto Sports House, uma área de pouco mais de 6 000 metros quadrados com academia, pista para ciclismo, outra para corrida com piso especial que reduz impacto e um lago artificial tratado para ser usado em treinos de natação. Projetadas pelo descolado escritório de arquitetura Triptyque, as casas do condomínio têm modelos de 531,79 e 576,79 metros quadrados, quatro suítes e piscina privativa. “Como o lugar é muito bonito, com uma vista para a natureza de tirar o fôlego, fizemos residências de dois andares com vidro para a pessoa curtir seu momento de descanso”, diz o arquiteto Grégory Bousquet, um dos sócios do Triptyque. No mercado, é possível encontrar unidades à venda por valores que começam em 4,7 milhões de reais. Elas devem ser entregues a partir do fim do ano. Entre os compradores não é difícil encontrar aqueles cujo maior interesse é exatamente o espaço dedicado ao triatlo. “Eu estava procurando uma casa para passar as férias, fins de semana e descansar”, diz a administradora Mariana Brandão, 38, que adquiriu uma residência no local. “Mas também precisava de um lugar para conseguir realizar o percurso inteiro de uma prova, o que é impraticável na cidade”, completa ela, que já disputou onze maratonas, iniciou-se no ciclismo e na natação após sofrer uma lesão e agora se prepara para seu primeiro meio-Ironman, em novembro.

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Estrutura do condomínio Fazenda Boa Vista, em Porto Feliz: pista de atletismo, ciclismo e lago tratado (Alexandre Battibugli/Veja SP)

A busca por um local adequado de treino é justamente uma das dificuldades para os praticantes do esporte em São Paulo. Não há um endereço que consiga oferecer a estrutura completa. Muitos correm nos parques e nadam em piscinas particulares ou em academias. “O grande desafio é o ciclismo”, diz o representante comercial Marcelo Longo, de 42 anos. “É preciso madrugar para chegar à USP e ainda assim é perigoso, por causa dos ônibus e pedestres”, afirma. Há duas semanas, a prefeitura do câmpus da universidade lançou um manual para o ciclista esportivo, a fim de evitar embates. Cada praticante da modalidade precisará realizar um cadastro e poderá utilizar o espaço apenas às terças, às quintas e aos sábados, entre 4h30 e 6h30. Não será permitido o treino de grupos com mais de quatro integrantes. “A instituição quer proteger os alunos, mas ao mesmo tempo afeta outros milhares de pessoas que têm o treino como alternativa para o bem-estar”, diz Roy Siqueira, da assessoria esportiva Equilíbrio Treinamento. “Esbarramos em um problema maior, que é a falta de incentivo ao esporte”, completa.

Siqueira e Yana, às margens da Billings: pedalada começa às 6 da manhã (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Além de se preparar na USP, a turma do triatlo tem escapado para o Billings Country Clube, no Riacho Grande, na Grande São Paulo, utilizado nos fins de semana para treinos mais longos. Antes mesmo das 7 da manhã, tendas das assessorias esportivas começam a pipocar por ali para receber os atletas. Pagam-se de 70 a 90 reais para usar um circuito especial montado na terra e na água da represa. “Quando comecei a organizar aqui, em 2012, havia cerca de quarenta usuários”, diz o empresário Waldir Santos, da EV Simulados, especializada em criar percursos para treinos e provas da modalidade. Hoje ele recebe em média 150 pessoas aos sábados e domingos, mas já chegou a atender 300. “Abro o circuito às 6 horas, e é comum encontrar gente esperando.” Entre os aparatos estão áreas de transição, boias de marcação na represa e apoio em caiaques para o acompanhamento dos atletas. A corrida e o ciclismo são realizados no acostamento do início da Estrada Velha de Santos. O diretor de investimentos Ernesto Leme, de 52 anos, é um dos frequentadores. Praticante intermitente de corrida, resolveu mudar de vida há sete anos, após a morte do pai. “Eu tinha engordado bastante, fumava e achei que não viveria muito”, conta. Convocou uma assessoria para voltar a correr e completou as maratonas de Berlim (Alemanha) e de Chicago (Estados Unidos). Por causa de uma lesão no tornozelo, apostou na natação e no ciclismo, um passo para chegar ao triatlo. “Foi um desafio entrar no mar, mas é regenerativo a cada transição. Sinto-me vivo”, afirma. Também na mesma turma está a nutricionista Yana Glaser, de 32 anos, já experiente na atividade — tinha 12 anos quando decidiu substituir o balé. “Parecia mais divertido”, diz. Ao longo de sua vida, completou 23 meio-Iron e sete Ironman. “Mesmo depois da gravidez eu continuei treinando, com menos intensidade, mas continuei”, conta. Com a filha, Nina, de apenas 1 ano e meio, Yana ainda não pensa em voltar para as provas tão brevemente, mas mantém o ritmo de treinos diários.

De fato, as assessorias esportivas se tornaram a porta de entrada para quem quer começar na empreitada, especialmente pelo fato de o triatlo ser um esporte que, apesar de individual, funciona muito bem em equipe. “De certa forma, trata também da coletividade: quando se está com um grupo seu, durante a prova ou em um treino, um vai puxando o outro, o que é o melhor estímulo”, diz Julio Dotti, da assessoria Limite Team. Além disso, como modalidade de alto rendimento, é necessário ter o acompanhamento de um profissional. “Precisamos ser claros com as expectativas dos praticantes: o que eles procuram, seus objetivos e como devem lidar com as frustrações”, explica Rodrigo Lobo, da consultoria que leva seu sobrenome. Normalmente, o interessado entra em contato com a consultoria para fechar pacotes de treino. Não é necessário ser associado a alguma academia. Com adesões que podem começar a partir de 250 reais, o treinador traça uma planilha com os exercícios diários que devem ser feitos, de acordo com o objetivo de cada um. Por meio de uma plataforma, aplicativo ou presencialmente, o professor consegue acompanhar a evolução do atleta. “A gente adapta o treino para a rotina da pessoa, e ela mesma vai buscando mais”, diz Ademir Paulino, da consultoria que leva seu nome.

Kika (à esq.) com Dantas, Janaina e Moraes: equipe de academia (Alexandre Battibugli/Veja SP)

A opção de procurar uma academia para embrenhar-se na modalidade surgiu recentemente. Ao perceber o número de praticantes entre seus alunos, a professora Kika Medeiros, da unidade da Competition na Rua Cincinato Braga, na Bela Vista, passou a se interessar pelo assunto. “Muitos deles chegavam exaustos após disputar competições”, conta Kika. Uma das alunas a desafiou a participar de uma prova de meio-Ironman. “Tracei uma estratégia para um programa menos intenso, para que mais gente pudesse aderir”, conta. Ela criou, então, o TRIpossível, um grupo de treino específico para a disputa do meio-Ironman de Maceió, em agosto do ano passado. Ao todo foram catorze interessados, que tiveram um acompanhamento mais constante. Entre eles estavam o atleta paralímpico Edson Dantas, o gerente operacional Ivo Moraes e a repórter Janaina Lepri, da Rede Globo em São Paulo. Aos 41 anos, a jornalista tentava driblar um histórico de depressão que a havia deixado afastada do trabalho por um ano e meio e a fizera perder mais de 8 quilos. A corrida foi o primeiro passo para sair do quadro, e ela participou de duas maratonas nos Estados Unidos — em Nova York e Chicago. “Quando achei que estava tudo resolvido, fui testar o triatlo”, conta. Com os treinos mais intensos — acorda às 3 da manhã para se exercitar — e mais constantes, sentiu que sua concentração aumentou e ela passou a trabalhar melhor. “Achei que seria um ano em que minha carreira andaria para o lado, mas foi bem diferente”, afirma. “Não tinha tempo para perder, então me organizava com mais efetividade”, diz. Ainda assim, Janaína precisava vencer outro medo, o da água. “Eu entrava no mar para nadar e me desesperava”, conta. Uma semana antes da prova final, ela chegou a contratar um treinador para guiá-la no Guarujá. Um dia antes da competição, teve um ataque de pânico e precisou de ajuda para sair do mar. “Lembrei do que uma psicóloga esportiva havia falado: estou fazendo por diversão, e não por obrigação.” O circuito acabou sendo completado com êxito. “Não sabia se ria, se chorava, queria abraçar todo mundo no final”, diz. O projeto continuou e neste ano ganhou mais adeptos, chegando atualmente a uma equipe de 35 pessoas. “A ideia é mostrar que todo mundo pode fazer e não é necessário levar o corpo à exaustão”, diz Kika. Para participar do grupo, é preciso ser associado da academia, que oferece planos a partir de 584 reais, incluindo natação.

Dotti (no centro), da Limite Team: corridas no Museu do Ipiranga (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Além do local de treinamento, outro obstáculo para a prática do esporte é o alto custo do equipamento. O principal, nesse aspecto, é a bicicleta. O modelo de entrada, para quem está começando, tem preços que partem de 10 000 reais. “É possível finalizar uma prova com uma versão mais barata, entre 3 000 e 4 000 reais”, diz Raquel Lyra, diretora do segmento triatlo na Decathlon. “A pessoa não vai ganhar a prova, mas consegue terminar”, completa. No ano passado, a grife esportiva francesa lançou em suas lojas uma linha dedicada à modalidade, com dez itens disponíveis, como tipos diversos de macaquinho, mochila de transição e roupa de neoprene para natação. “A ideia é tornar a atividade mais democrática, com preços acessíveis”, diz Raquel. Entre os estudos da marca, existem protótipos de bicicleta e sapatilhas específicas.

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(Fotos Alexandre Battibugli/Veja SP)

Até mesmo para os competidores profissionais os desafios são maiores que os encontrados em outros esportes de maior adesão. Triatleta olímpica, Bia Neres tem contrato com o Esporte Clube Pinheiros, nos Jardins. Com 33 anos, ela trabalhava em uma agência publicitária quando começou a praticar. Em 2012, depois de vencer algumas competições, passou a integrar a equipe da agremiação paulistana. “Eu mesma demorei um pouco para entender essa mudança de vida”, afirma Bia. Considerada uma atleta amadora, não pensava em seguir a profissão e levou alguns meses para encarar o desafio. “É uma dificuldade no Brasil, há a visão de que atleta não é um profissional como qualquer outro e foi duro para mim”, conta. Para dar o primeiro impulso a sua carreira, ela precisou contar com o apoio de patrocínios privados. “É um esporte caro, e para ir às competições existe uma logística maior, manutenção e taxas para embarcar com o equipamento”, explica. Apenas após algumas conquistas, como o Campeonato Sul-Americano, no Chile, em 2014, conseguiu auxílio da confederação brasileira. “Não é muito, mas ajuda”, diz.

(Veja São Paulo/Veja SP)

Publicado em VEJA SÃO PAULO de 12 de junho de 2019, edição nº 2638.

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