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Sob gestão privada, Parque Ibirapuera ganha melhorias e novos problemas

Restaurantes e câmeras de reconhecimento facial são novidades, porém, a marquise segue sem solução e o excesso de logotipos traz incômodo

Por Pedro Carvalho
17 jun 2021, 22h00

Com as restrições de circulação impostas pela pandemia, uma série de mudanças recentes no Parque Ibirapuera, entregue à gestão privada em outubro, passou despercebida pelos frequentadores. Nos últimos meses, a área verde mais querida de São Paulo ganhou restaurantes “de verdade”, câmeras de reconhecimento facial e outras sofisticações bem merecidas, mas também virou palco de polêmicas e mantém velhos problemas sem solução em vista.

A concessão à iniciativa privada começou conturbada. Só depois que os envelopes foram abertos, indicando a vitória da Construcap, cujo fundador tinha sido condenado na Operação Lava-Jato, a Justiça determinou a elaboração de um Plano Diretor para o parque. “A empresa iria assumir sem saber o que poderia ou não fazer no local”, diz Gilberto Natalini, ex-vereador que pediu o marco regulatório. “Por ter sido criado já com o negócio fechado, o plano não pôde incluir todas as exigências da comunidade”, ele afirma. (O empresário Roberto Capobianco acabou inocentado em segunda instância e segue à frente da construtora, que administra outros cinco parques em áreas afastadas do centro.)

De qualquer forma, a Urbia — o braço da Construcap que gere esses espaços públicos — não perdeu tempo e começou a mudar a cara do Ibirapuera. Entre as boas novidades estão os novos serviços de alimentação, historicamente um ponto fraco do parque — as opções por ali nunca foram muito além dos salgadinhos em pacotes vendidos pelos 169 ambulantes locais, e, das três lanchonetes maiores, uma estava fechada. O cenário mudou.

A imagem mostra um carrinho com guardo-sol e dois clientes olhando o que tem de opções nele dentro do Parque Ibirapuera
Ambulantes: treinamento e opções saudáveis (Alexandre Battibugli/Veja SP)

O Madureira, uma tradicional casa de comida saudável do Itaim, assumiu a lanchonete mais movimentada, perto dos banheiros centrais. (Os banheiros, por sinal, também não são mais a vergonha que eram.) Nela, um pão de queijo e uma água saem por 14,80 reais. Outra das antigas lanchonetes passou por um banho de loja e agora serve refeições completas, algo novo no Ibirapuera.

Nos próximos meses, o parque terá oito espaços do tipo, aproveitando estruturas que andavam abandonadas ou quase isso. Um deles vai ocupar o velho prédio redondo de tijolos escondido no centro da pista de cooper. “Terá um cardápio sofisticado, voltado para a culinária brasileira, em um lugar cercado de árvores”, diz Samuel Lloyd, diretor da Urbia.

A imagem mostra Lloyd sentado em um banco no parque Ibirapuera. Ele sorri para a câmera com a mão no seu joelho.
Lloyd, da Urbia: expectativa de recuperar investimentos em dez anos (Alexandre Battibugli/Veja SP)
A imagem mostra uma pequena casa escondida entre árvores do parque
O prédio escondido na pista de cooper: futuro restaurante (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Além disso, os ambulantes vão receber treinamentos, a partir desta semana, para melhorar os serviços. “Eles podem seguir vendendo salgadinhos, mas queremos que incluam opções como frutas frescas”, afirma o executivo. A Urbia vai montar um centro de distribuição no parque e será a fornecedora exclusiva dos itens vendidos nos carrinhos. “Acredito que isso será bom para nós. Não precisaremos mais correr atrás de produtos no varejo”, diz Antônia Oliveira, líder de uma cooperativa que reúne 116 ambulantes locais.

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Grandes marcas de alimentação também deram as caras no pedaço. O parque passou a contar com food trucks de grupos como Bacio di Latte, Nutty Bavarian, Casa do Pão de Queijo e Oakberry. O iFood montou uma praça de alimentação temporária perto da marquise.

A imagem mostra três foodtrucks no parque Ibirapuera.
Food trucks: grandes marcas de alimentação (Alexandre Battibugli/Veja SP)
A imagem mostra, à esquerda, a praça de alimentação temporária, com patrocínios da Ifood. À direita, um totem em uma rua dentro do Parque Ibirapuera.
Totens de anúncios e a praça de alimentação temporária: mais logotipos (Alexandre Battibugli/Veja SP)

A multiplicação das parcerias corporativas, porém, começa a incomodar os mais tradicionalistas. Não são apenas marcas do setor de alimentação que pipocaram por ali. A Volvo fez uma ação de um mês para lançar um carro elétrico no parque. O Boticário montou uma “loja sustentável” no Natal — em fevereiro, quando a estrutura já estava desmontada, os órgãos de proteção de patrimônio julgaram a iniciativa irregular. O antigo negócio de aluguel de bicicletas agora concorre com uma startup de bikes, a Scoo.

As quadras de basquete, em breve, terão o logotipo de uma marca de bebidas da Ambev. Vinte totens de LED foram instalados para exibir as mensagens de cinco “patrocinadores master” em negociação com a concessionária — Ambev e iFood serão dois deles. Esses contratos serão a principal fonte de receita da empresa, que espera recuperar seus investimentos em dez anos, incluindo a outorga de 70,5 milhões paga por 35 anos de concessão.

“A Urbia faz ações de propaganda sem diálogo com a comunidade. Nossa voz tem sido cada vez menos ouvida”, diz Gustavo Razuk, do conselho gestor do parque. “As marcas se proliferaram nos últimos meses. O receio é de que descaracterizem visualmente o Ibirapuera”, diz Juliano Fenólio, ex-membro da entidade. A Urbia promete conter os exageros.

Existem, ainda, temores sobre a quantidade de eventos que serão feitos pela nova gestão. A Urbia calcula que eles serão a segunda maior fonte de receitas da concessão — só atrás dos patrocínios. O Plano Diretor não impôs limite para a frequência desses encontros com público. Além disso, eles podem acontecer mesmo nas áreas mais preservadas do parque — nesse caso, restritos a 250 pessoas. Os maiores, nos cálculos da concessionária, reuniriam 15 000 frequentadores.

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“Se alguma área verde for danificada, agora existe uma empresa (a Urbia) que terá de repará-la. Antes, quando isso acontecia, os organizadores iam embora no dia seguinte e deixavam o problema sem conserto”, justifica Lloyd. Os usuários deverão notar outra diferença: qualquer evento (um show no gramado atrás do auditório, por exemplo) terá grades e pontos de acesso, uma vez que será preciso fazer a contagem de público. “Existe a possibilidade de cobrança”, diz o executivo.

No balaio das boas mudanças, vale ainda incluir o novo sistema de monitoramento por câmeras inteligentes. O Ibirapuera nunca teve câmeras de segurança. Registrava, em média, oitenta furtos por semana, além de inumeráveis “atos obscenos” nos matagais. (Aconteciam até, acredite, roubos de cisnes do lago.) Agora, o parque já conta com cinquenta equipamentos do tipo e terá 284 até o fim do ano.

“As câmeras vão identificar, por reconhecimento facial, pessoas que já cometeram delitos tão logo elas voltem a entrar no parque. Também conseguem, por exemplo, encontrar uma criança desaparecida em poucos segundos, por meio de um algoritmo que identifica a roupa dos frequentadores”, diz Antônio Zinato, gerente de segurança da Urbia. “Desde a instalação das primeiras câmeras, nenhum furto ficou sem solução”, ele afirma.

A imagem mostra duas fotos. À esquerda, guardas em uma sala repleta de telas para monitorar as câmeras de segurança do parque. À direita, uma das câmeras em um poste fino, próximo a uma via do Parque Ibirapuera.
Zinato e uma das câmeras de monitoramento: o parque tinha até roubos de cisnes do lago (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Outras mudanças importantes estão em marcha. O Planetário foi reformado e está pronto para voltar à ativa, assim que a pandemia permitir. Mais de 30 000 metros quadrados de área impermeável (como asfalto e calçadas) estão virando solo permeável. Uma rede de fibra óptica de 15 quilômetros será instalada e o parque terá Wi-Fi grátis, bancado por um dos patrocinadores.

Um projeto ambiental promete zerar o descarte de resíduos, o que seria algo inédito nos parques do país — apenas as cascas de coco geravam até 250 toneladas de lixo por mês. Os mais de 100 personal trainers que usam o parque como “academia” terão de fazer um cadastro e poderão contar com um centro de apoio, no prédio da antiga administração — para isso, terão de pagar cerca de 3% dos ganhos à Urbia.

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Frequentadores consultados pela reportagem aprovam algumas das novidades. Outras, porém, ainda devem passar por ajustes. “O banheiro está mais limpo”, diz a funcionária pública Maria Luiza Garcia. Ao lado dela, a amiga Janaína Casartelli elogia o serviço de aluguel de bicicletas. Não se refere, porém, ao novo sistema operado pela Scoo, que traz o conforto das bikes dockless (que podem ser devolvidas em qualquer ponto do parque). “O velho ponto de aluguel (a FlavioBike), no Portão 3, tem um preço justo”, diz a usuária.

A imagem mostra as duas amigas sentada sobre a grama do Ibirapuera, sorrindo para a câmera.
Maria Luiza e Janaína: elogios aos serviços (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Por trás dessa concorrência, há outra questão polêmica da concessão. O responsável pelo antigo ponto, Flavio Valdomiro, entrou na Justiça contra a Urbia. “Eles queriam que o novo serviço (a Scoo) operasse com exclusividade o aluguel de bicicletas. Tentaram expulsar quem estava ali há dezesseis anos”, diz Jeozadaque Mota, advogado de Flavio. “Ganhamos a causa e agora somos nós que podemos operar com exclusividade. Se não houver acordo até o fim de junho, vamos exigir o cumprimento da sentença”, ele diz.

A mesma decisão, porém, determina que a FlavioBike deve modernizar o serviço e criar novos pontos de atendimento. “Estamos em busca de um acordo, é possível que as duas empresas permaneçam no parque”, diz Lloyd. Na última terça-feira (15), um turista goiano tentava, sem sucesso, alugar uma bike da Scoo pelo celular. “O aplicativo não funciona”, disse Lucas Lopes, 19. “Contratamos uma equipe de TI para melhorar a tecnologia”, diz Rogério Souza Santos, representante da Scoo. “Se ficarmos no Ibirapuera, vamos levar até 900 bicicletas para lá (atualmente, são 220 da empresa)”, ele afirma.

A imagem mostra Lucas em frente as bikes que podem ser alugadas e, à direita, há uma foto de seu celular aberto no aplicativo, com tela predominantemente branca.
Lucas: novo aplicativo de bikes não funcionou (Alexandre Battibugli/ Pedro Carvalho/Veja SP)

Além disso, um dos maiores problemas do parque segue sem solução no radar: a marquise, símbolo arquitetônico do Ibirapuera. A urgente reforma da área de 26 000 metros quadrados ficou de fora da concessão — ou seja, a obra será responsabilidade da prefeitura. Somente após os reparos, estimados em 15 milhões, a Urbia assumirá a gestão do espaço.

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“É o capitalismo à brasileira: entrega a parte boa para o privado e deixa os problemas para o Estado”, critica Fenólio. Idealizada pelo arquiteto Oscar Niemeyer, a marquise está interditada desde o ano passado e tem visíveis infiltrações na estrutura. “Era o principal point de patins da cidade. Agora, a turma anda nas ciclofaixas do parque, o que causa acidentes”, diz o frequentador Bruno Mendes, 33. A prefeitura informa que “está em andamento a elaboração das documentações para a contratação da reforma da marquise”.

A imagem mostra Bruno, de patins, em frente a marquise fechada do Parque Ibirapuera
Bruno, que aguarda a reforma da marquise: “Patins na ciclofaixa podem causar acidentes” (Alexandre Battibugli/Veja SP)

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Publicado em VEJA São Paulo de 23 de junho de 2021, edição nº 2743

 

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