A volta por cima de Bia Haddad, tenista que fez história na Austrália
A paulistana retornou às quadras após suspensão equivocada por doping em 2019
Era noite em Doha, no Catar, quando o sorriso bronzeado de Bia Haddad Maia, 25, saudou a reportagem na chamada de vídeo. A jovem paulistana, atual destaque do tênis brasileiro (é a 69ª melhor do mundo na categoria individual e 34ª nas duplas femininas), tinha perdido uma partida naquela terça-feira, 22 de fevereiro. “Estou cansada, mas a gente acha tempo para as coisas importantes”, disse, simpática. No começo do ano, Bia fez história: se tornou a terceira brasileira a alcançar uma final de torneio Grand Slam, o da Austrália — antes vieram Maria Esther Bueno, em 1968, e Cláudia Monteiro, em 1982. Foi vice.
No ano passado, Bia teve 76 vitórias em 101 jogos disputados. Em janeiro, faturou também a modalidade de duplas do WTA 500 de Sydney, ao lado da cazaque Anna Danilina. O bom desempenho vem no momento chave: entre 2019 e 2020, a paulistana foi suspensa por doping pela International Tennis Federation (ITF). “Passei treze meses sem jogar. Ficava em casa, em São Paulo. Eu me fechei, me desliguei das redes sociais”, ela conta. Após uma batalha nas cortes esportivas, Bia provou que tinha acontecido uma contaminação cruzada na farmácia que produzia suas vitaminas.
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Cria do Planalto Paulista, na Zona Sul, a tenista frequentou na infância o Clube Sírio, na Avenida Indianópolis. “Tive contato com a raquete desde os primeiros passos”, ela relembra. Não é exagero. A mãe, Laís Haddad, dava aulas de tênis para crianças. “Eu passava todos os fins de semana no clube. Conto nos dedos quantas vezes fui ao shopping”, diz.
A escola era também uma atividade quase protocolar para a jovem atleta — que aos 11 anos já competia no exterior. “Nunca abri mão de estudar, mas faltava muito no colégio. Sempre tinha de pedir o caderno para algum amigo”, conta. Depois de estudar no Colégio São Luís e no Objetivo Vergueiro, Bia foi morar sozinha aos 14 anos em Balneário Camboriú, Santa Catarina. Pelo esporte, claro. “Surgiu uma oportunidade de conhecer a Academia do Larri Passos (o histórico treinador de Guga Kuerten), que, na época, não treinava mulheres”, lembra. O desempenho da adolescente fez o técnico mudar de ideia. “Houve dias difíceis. Morar sozinha aos 14 anos não é simples”, ela diz. Escola, treino, escola, treino. Até se formar — e o esporte ocupar toda a agenda. Os horários nunca comportaram programas de adolescentes. “Foram muitas festas, churrascos e aniversários perdidos”, afirma.
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Por ter começado cedo, Bia visitou mais de trinta países ao longo da carreira. Não é surpresa que, nas férias, evite as viagens. Gosta de relaxar no quarto, ao som do rapper Black Alien ou do suingue dos Gilsons, trio formado por um filho e dois netos de Gilberto Gil. Quando a temporada dá pausa, ela faz questão da proximidade da família e do acalento da avó, todos moradores do Planalto Paulista. No círculo familiar, larga a raquete e usa as mãos habilidosas nas cordas do violão. “Estou tentando aprender piano. É difícil. Não consigo seguir uma prática constante. Também comecei a desenhar. Estou descobrindo meu lado artístico”, conta. A família tem um talento de destaque: o ator e músico Rolando Boldrin é tio de Bia — ela gosta de postar fotos com ele no Instagram.
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Felizmente para os fãs de tênis, Bia voltou a carimbar o passaporte e a vencer duelos internacionais — seu rol de conquistas incluía também dois títulos da etapa de Bogotá da WTA. Viaja sempre ao lado do treinador, Rafael Paciaroni. Mas, para vencer a tempestade, contou principalmente com a ajuda das mulheres da família. “Minha irmã e minha mãe são as pessoas que mais me conhecem. Elas sentem o que eu sinto”, diz. Andrea, dois anos mais nova, também se aventura nas quadras — tem um título dos Jogos Universitários de Comunicação e Artes. “Para ela, o tênis sempre foi uma diversão”, explica.
É quase meia-noite em Doha. A reportagem se despede, e a tenista ainda vai trabalhar um pouco. Hora de estudar os erros do jogo passado e organizar as viagens. “Nas próximas semanas, vou jogar em Monterrey (México), Miami (EUA) e Bogotá (Colômbia). Depois, Europa”, diz. A paulistana parece pronta para recuperar o tempo perdido — e anda com sede de vitórias.
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Publicado em VEJA São Paulo de 9 de março de 2022, edição nº 2779