Restaurantes paulistanos reforçam vigilância para combater quadrilhas
Até a tarde de quinta passada (17), polícia ainda não havia identificado nenhum suspeito e objetos não haviam sido recuperados
“Ninguém nunca rouba restaurante”, diz o bandido Pumpkin logo no início do filme “Pulp Fiction”, de Quentin Tarantino. Ele e Honey Bunny, sua namorada, estão em uma lanchonete falando sobre lugares que poderiam assaltar. Pensam em bancos, lojas, postos de gasolina… Passados alguns instantes de conversa, decidem começar um roubo ali mesmo. Arma em punho, Pumpkin sobe no banco e anuncia aos demais fregueses: “Todo mundo calmo, isto é um assalto!”.
+ Entenda como funciona a ação dos bandidos
O filme é de 1994, mas a cena tem sido reprisada em restaurantes de São Paulo. Desde 12 de fevereiro, ao menos vinte casas foram invadidas por homens armados. Os criminosos rendem manobristas, clientes e funcionários e iniciam um arrastão. Coletam bolsas, carteiras, celulares, relógios, computadores e o que houver de dinheiro no caixa. Depois, entram num carro, normalmente estacionado na porta, e desaparecem. Quando a polícia chega, cerca de quinze minutos após a fuga, não há muito a fazer a não ser orientar as vítimas a registrar boletins de ocorrência. Até a tarde de quinta passada (17), os criminosos haviam escapado de todas as investidas e nenhum objeto fora recuperado.
Endereços em Pinheiros e na Vila Madalena, na Zona Oeste, foram cenário em 62% das vezes, embora existam casos registrados em Moema, Ipiranga, Vila Nova Conceição e Jardim Paulista. “É duro dizer, mas a falta de patrulhamento facilita as ações”, afirma o delegado Ricardo Cestari, do 14º DP, de Pinheiros. Um dos crimes ocorreu na rua da delegacia e outros dois a poucos quarteirões dali. Na Vila Madalena, nem mesmo os caminhos curvos e cheios de semáforos intimidaram os bandidos. “Não existe rota de fuga no bairro. Eles arriscam porque acham que não serão pegos. E, de fato, ainda não foram”, disse Cestari na semana passada.
Segundo os investigadores, trata-se de um crime que não rende quantias altas, já que o uso frequente de cartões de débito e crédito baixou a quantidade de dinheiro nas carteiras e nos caixas, mas oferece lucro rápido. As ações duram menos de dez minutos. Na última segunda-feira (14), um minuto e 45 segundos foram suficientes para que fizessem o “rapa”, como se diz no jargão policial, no Galeto’s da Alameda Santos, a um quarteirão da movimentada Avenida Paulista.
Uma vez que os assaltos seguem um padrão, a polícia acredita que a mesma quadrilha esteja por trás de boa parte dos casos. Na maioria deles, jovens aparentando entre 20 e 30 anos entram de cara limpa no estabelecimento, sem máscara nem capuz. Não se preocupam nem em esconder tatuagens, o que pode facilitar seu reconhecimento. Quando chegam ao salão, sacam as armas e anunciam em voz alta o que está prestes a acontecer. “Aí, todo mundo na moral, tá rolando um assalto”, disseram no Rothko. “Não quero ninguém dando trabalho, carteira e celular em cima da mesa, agiliza aí”, foi a fala no Suri. “Alguém é polícia ou tá armado?”, perguntaram no Pita Kebab.
Pegos de surpresa, os clientes demoram alguns instantes para entender o que está acontecendo. “Uma hora você está comendo e em seguida tem um cara apontando uma pistola e mandando você entregar suas coisas”, diz a administradora Bruna* (os nomes acompanhados de asterisco foram trocados), roubada no Tanuki. “Tive a sensação de estarmos brincando de estátua, em que alguém grita ‘estátua’ e ninguém mais pode se mexer”, afirma. Antes que os criminosos saíssem, ela e o namorado tiveram de caminhar até os fundos do restaurante para não testemunhar a escapada. “Achei que levaria um tiro.”
No Matsuya, na Aclimação, as vítimas foram orientadas a se deitar no chão. Em pé no caixa, digitando a senha do cartão, um homem teve uma arma apontada para a cabeça antes que entregasse o relógio. No Totò, na Vila Nova Conceição, o dinheiro do restaurante permaneceu intacto. “Acho que nem viram o caixa, fica meio escondido”, diz o funcionário Tarcísio*.
Há relatos até de “gentilezas” dos bandidos. Uma cliente do Divina Itália, na Vila Madalena, pediu ao assaltante que lhe devolvesse a bolsa e levasse apenas o dinheiro, e foi atendida. Outro pediu desculpas enquanto roubava o La Buca Romana, em Pinheiros, justificando ser aquela a sua maneira de obter sustento. Em ao menos duas ações, veículos foram levados, um de um funcionário, outro de um frequentador. A constante troca de carros utilizados tem dificultado a investigação.
Embora esses criminosos não tenham matado nem ferido as vítimas nos casos ocorridos até agora, houve quem levasse pontapés e coronhadas. Gabriel Broide, sócio e chef do Dois Cozinha Contemporânea, recebeu chutes quando informou que havia apenas 80 reais no caixa. “Pensei: será que vou morrer agora?”, lembra ele, que teve de se deitar no chão.
No Galeto’s, a psicóloga Claudia Pinto foi golpeada por insistir em cantar um hino religioso. Seu colega Caio Rinaldi também passou momentos de aflição. “Cismaram que eu era policial e me revistaram para ver se eu estava armado”, conta. Ambos faziam parte de um grupo de funcionários de O Boticário que estavam pouco antes em um evento no Hotel Renaissance. Participavam do lançamento de uma nova marca da empresa. Após o expediente, resolveram espairecer e tomar um chope no restaurante vizinho. Com o inesperado assalto, só chegaram em casa às 5 horas da manhã, após quatro horas aguardando na delegacia para registrar a ocorrência.
Para especialistas, a onda de arrastões segue a lógica das recentes estatísticas de crimes em São Paulo. Na última década, houve queda de 80% nos homicídios. Por outro lado, o número de crimes contra o patrimônio se manteve alto. “Nestes casos, poucas pessoas foram agredidas e ninguém foi baleado”, disse Denis Mizne, fundador do Instituto Sou da Paz, na quarta-feira.
“Houve apenas perda material, não de vida. Não há motivo para o paulistano deixar de sair à noite”, afirmou, acrescentando que é preciso que a polícia responda adequadamente. Segundo o tenente Cleodato Moisés do Nascimento, porta-voz de patrulhamento da Polícia Militar na Vila Madalena e imediações, a ronda foi reorganizada para priorizar a segurança dos restaurantes.
Nas noites de segunda e terça-feira passadas, a reportagem de VEJA SÃO PAULO circulou por Pinheiros, Vila Madalena e Jardins. Bares e restaurantes estavam cheios de clientes. “Apesar do ocorrido, o movimento continua o mesmo”, diz Antônio Carlos Garcia, dono do La Trattoria. Muitos frequentadores não sabiam dos recentes assaltos. Outros, como a tradutora Juliana Leme da Costa, pareciam não se intimidar. Na terça, ela fumava tranquilamente um cigarro na calçada com duas amigas em frente a um restaurante japonês na Vila Madalena. “Não vou deixar de sair por causa disso.”
Viaturas passavam nas ruas e policiais abordavam veículos na Rua Oscar Freire, onde, na sexta-feira anterior, o La Buca Romana fora alvo da bandidagem. Membros da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) de São Paulo reuniram-se na semana passada para discutir a questão. “Não entendemos por que escolheram assaltar esse tipo de estabelecimento”, comenta Ricardo Bartoli, presidente da entidade. “Levam pouco dinheiro e se arriscam muito. Acredito que os crimes não devam continuar por muito tempo.”
Algumas casas já tomaram providências por conta própria para reforçar a segurança. Astor, Pirajá e Le Jazz, localizados na Vila Madalena e em Pinheiros, não foram assaltados, mas contrataram um vigia extra por precaução. Comerciantes das ruas Antônio Bicudo e Deputado Lacerda Franco, onde fica a delegacia da região, cogitam se unir para contratar homens que monitorem as duas vias. “Desde o assalto, estamos trabalhando a portas fechadas, algo que nunca ocorreu em mais de trinta anos de funcionamento”, afirma Garcia, do La Trattoria. “Quero comprar câmeras de monitoramento.”
Em “Pulp Fiction”, Pumpkin e Honey Bunny acabam rendidos por um dos clientes. No roteiro paulistano, porém, os bandidos têm levado a melhor. Até quinta-feira passada (17), havia apenas o retrato falado de um dos suspeitos e nenhuma prisão. A torcida da plateia de frequentadores e donos de restaurantes é para que o final feliz chegue depressa e todos possam voltar a desfrutar sem sustos a gastronomia da cidade.
âComecei a cantar para Ogum me dar forças e levei uma coronhada na cabeçaâ
Olhei para trás e vi o garçom rendido no chão. Sou espírita umbandista e a primeira coisa que me veio à cabeça foi a vontade de entoar um hino. Comecei a cantar para Ogum, orixá guerreiro, identificado com São Jorge, para que me desse forças para enfrentar aquela situação. Fiquei olhando para um dos bandidos e repetindo os versos “Ogum Dilê / é Tata Mariô”. Ele me mandou ficar quieta. Não obedeci e levei uma coronhada do lado esquerdo da cabeça. Aí ele colocou a mão na correntinha do meu pescoço. Eu disse que era um objeto espiritual e que ele deveria deixá-lo comigo. Nessa hora, outro assaltante mandou a gangue se apressar para a fuga. O bandido então puxou a correntinha e arrebentou-a. Depois que a adrenalina passou, chorei muito, não de tristeza, mas de raiva. Levei bronca do meu marido por ter sido tão impulsiva, mas é muito injusto ser roubada assim. Para completar, demorou quatro horas até conseguirmos fazer o boletim de ocorrência. A delegacia mais próxima estava sem sistema e tivemos de ir para outra. Não havia nem banheiro decente que pudéssemos usar.
Claudia Pinto, psicóloga, que estava no Galeto’s do Jardim Paulistano às 23h58 do dia 14 de março
“’Mata ele’, disse o assaltante a um comparsa”
Já havíamos pedido a conta quando três homens, de jeans e camisa, entraram no restaurante. Era 1 da manhã, o local estava vazio, não havia nem dez pessoas. Estávamos distraídos, conversando, quando chegaram o café e um cara armado. Achei que fosse brincadeira. Eles mandaram todo mundo colocar joias, carteiras e celulares sobre as mesas. Eu tinha chegado de uma viagem ao exterior e estava com 500 dólares na bolsa. Levaram documentos, meus anéis de prata, a aliança da minha prima, o iPod e o iPhone dela… Um dos clientes ficou olhando fixamente para um dos assaltantes, que falou: “Mata ele, senão ele vai nos reconhecer”. Nenhum deles tinha máscara ou gorro. Foi o momento mais tenso. Depois, despregaram a TV de plasma de 40 polegadas e saíram carregando, na maior tranquilidade. O bar vizinho estava lotado e mesmo assim ninguém nos viu nem ouviu quando gritamos que anotassem a placa do carro que os esperava para a fuga. Depois que partiram, fomos à delegacia, que fica na mesma rua, a apenas 200 metros do local do assalto.
Luciana*, jornalista, que estava no Kioku, em Pinheiros, à 1 hora do dia 13 de fevereiro
“Escondi o celular na calça. Se tocasse, eu estaria morto”
Eu e minha namorada estávamos jantando quando vi um cara entrando com um negócio prateado na mão. “Isto aqui é um assalto”, ele falou, e apontou a arma para todos ao redor. Mandou-nos colocar dinheiro e celular sobre a mesa. Outro cara chegou e perguntou se alguém era policial ou estava armado. Por sorte, ninguém. Num momento em que eles se viraram, aproveitei para esconder o celular na parte de trás da minha calça. Não sei por que fiz isso, errei. Na hora pensei que não podia perder contatos importantes que estavam salvos ali. Só que não consegui desligar o telefone. Se tocasse, eu estaria morto, quase vomitei de nervoso. Levaram as bolsas com documentos e contas a pagar, com o endereço das pessoas. Depois foram até o caixa. A funcionária teve dificuldade para abri-lo e um deles, mais impaciente, disse: “Dá logo um tiro nela”. Por sorte, foram embora sem encostar em ninguém. Nenhum dos clientes tinha como pagar a conta. Da próxima vez que eu for lá, vou pedir para incluírem a minha despesa daquele dia.
Thiago*, músico, que estava no Pita Kebab, em Pinheiros, às 22h30 do dia 8 de março
“Gastei 5.000 reais e agora o restaurante tem sistema de alarme e cinco câmeras”
No dia do assalto, acordei às 4h30. Fui um dos primeiros a chegar ao Mercado Municipal, na Cantareira. Faço questão de servir o peixe mais fresco aos meus clientes. Como tenho um restaurante pequeno, conheço vários fregueses pelo nome. Por isso, senti muita revolta quando vi o arrastão e não pude fazer nada para impedir. Eram 22h40 da Quarta-Feira de Cinzas. Eu estava na copa com alguns funcionários. Só percebi o que estava acontecendo quando um homem armado entrou ali e nos mandou ficar deitados no chão. Ninguém merece passar por isso. Muito menos quem paga impostos em dia. No dia seguinte, eu estava muito desanimado. Achei que os clientes não iriam aparecer. Mas a casa lotou e isso me deu forças. Também recebi muitos e-mails e telefonemas de apoio. Desde o assalto, o número de fregueses não diminuiu. Mesmo assim, fiz questão de contratar uma empresa de segurança. Gastei 5.000 reais e agora o restaurante tem sistema de alarme e cinco câmeras. Captamos imagens do salão, do 2º andar, da calçada e do fundo do terreno. É vigilância até demais.
Kléber*, dono do restaurante Tanuki, na Vila Madalena, sobre o assalto que presenciou às 22h45 do dia 9 de março
“Levaram garrafas de vinho e uísque e as bolsas do pessoal da cozinha”
Eram cinco homens. Dois deles entraram e foram direto para o caixa. Os outros abordaram as mesas. Talvez os bandidos soubessem que era dia de pagamento. Havia cerca de 4.000 reais em dinheiro. Além disso, um dos clientes carregava outros 3.000 reais para pagar um empregado. Levaram tudo. Pegaram ainda celulares e carteiras de todo mundo e até as bolsas do pessoal da cozinha. Saíram carregando umas seis garrafas, algumas de vinho, outras de uísque. Uma hora, um cliente tentou esconder a mochila com notebook, arrastando-a para baixo da mesa. Quando os assaltantes perceberam, foram para cima dele e deram-lhe uma coronhada. O grupo foi agressivo com algumas pessoas que demoravam a entregar os pertences, mas saiu sem machucar mais ninguém. A ação durou cinco minutos. Havia um carro esperando, parecia um Corsa.
Fernando*, publicitário, que estava no Rothko, na Vila Madalena, às 21h45 do dia 23 de fevereiro
“Não ficarei presa em casa enquanto eles estão soltos”
Soube dos assaltos pelos jornais. Li que mais de cinco estabelecimentos da região passaram por arrastões. Sei que a situação é séria, mas não vou deixar de sair por causa disso. Adoro a Vila Madalena e estou sempre por aqui.
Pelo menos uma vez por semana eu venho para algum restaurante ou barzinho. Fico preocupada, sim, claro. Porém, quem mora em São Paulo está sempre com medo. No shopping, no trânsito, na rua… Por isso eu tomo bastante cuidado. Estaciono próximo do restaurante, nunca ando sozinha nem trago a minha bolsa, apenas cartão de crédito e celular. Pretendo continuar saindo. Não vou ficar presa em casa enquanto os bandidos estão soltos.
Juliana Leme da Costa, tradutora, habituée da Vila Madalena
Se acontecer com você
■ A principal recomendação é não reagir. Não tente fugir nem discutir com os assaltantes.
■ Entregue tudo o que eles pedirem. Não vale a pena arriscar sua vida para esconder chaves, celular ou joias.
■ Procure não encarar os assaltantes. Caso observe algum detalhe, como uma tatuagem, comunique-o depois aos policiais. Isso pode ajudar a encontrar os suspeitos.
■ Se a polícia o intimar a depor, colabore. Suas informações podem ser determinantes para a investigação.
■ Faça sempre boletim de ocorrência. O registro é necessário para pedir a segunda via de documentos e fundamental para o trabalho policial. Ele também alimenta a base de dados da polícia. Sem isso, é difícil quantificar e ter a dimensão desse tipo de crime.
■ Cada celular tem uma espécie de chassi chamado imei, registrado na caixa do aparelho ou obtido com a operadora. Guarde esse número em local seguro. Por meio dele, a polícia pode rastrear um telefone roubado e tentar encontrar os bandidos.
■ Tenha à mão o telefone do seu banco para sustar cartões de crédito e talões de cheque. Lembre-se de anotar esse número em algum lugar além de seu celular, já que este também pode ser roubado.
Fontes: Polícia Militar, Polícia Civil e Instituto Sou da Paz