Aplicativos vendem alimentos perto do vencimento e evitam desperdício
Iniciativas como Food To Save e B4Waste negociam itens não tão frescos, mas aptos para o consumo, por preços mais baixos
O lixo costuma ser o destino daqueles pães e doces que sobram na vitrine de padarias, de uma sobremesa de confeitaria que não foi vendida ao longo do dia, ou daquelas frutas, legumes e verduras bem maduros ou com alguma imperfeição expostos nos supermercados e hortifrútis. Mas recentemente, impulsionadas pelas desigualdades sociais agravadas pela pandemia — o Brasil desperdiça cerca de 27 milhões de toneladas de alimentos por ano —, algumas empresas vêm tentando mudar essa cultura, fazendo a ponte entre estabelecimentos que podem vender seus produtos não tão frescos ou próximos ao vencimento e consumidores que têm interesse em adquirir os itens por preços mais atrativos.
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Um dos exemplos é a B4Waste, uma foodtech que comercializa, por aplicativo, produtos próximos ao vencimento de diversos supermercados, hortifrútis e empórios por 50% do valor original. Redes como Pão de Açúcar, Dia, Mundo Verde e Grupo Varanda são alguns dos parceiros presentes na plataforma.
“Os supermercados geralmente colocam uma gôndola de produtos próximos ao vencimento na parte de trás da loja, mas isso tem uma eficácia baixa porque acaba sendo oferecido só para quem já está na loja. A gente criou um ecossistema conectando mercados que têm perdas com os consumidores que querem comprar produtos com um preço melhor, cientes de que estão próximos ao vencimento. Nós estamos permitindo escalar a redução da quebra (perda de itens em supermercados) e com isso conseguimos potencializar os benefícios socioambientais”, diz Luciano Kleiman, CEO da empresa, criada em março de 2021 e que tem 130 lojas parceiras em São Paulo, Rio e Belo Horizonte.
O Food To Save é outra empresa que apostou em alimentos que iriam para o lixo. Ao baixar o app, é possível comprar de forma mais barata alimentos já preparados de padarias, cafeterias, restaurantes, lanchonetes ou até mesmo de hotéis (itens que sobram dos cafés da manhã), ou produtos de supermercados e hortifrútis. Mas a particularidade é que o cliente não sabe exatamente o que receberá: a pessoa escolhe o estabelecimento e compra nele uma sacola-surpresa, que terá itens variados.
A reportagem da Vejinha já usou a plataforma em duas ocasiões entre fevereiro e abril, uma vez em uma loja de donuts e a outra em uma padaria. Em ambas, a impressão foi parecida: a quantidade de comida é enorme e os preços são, em média, um terço dos originais. Os itens de padaria foram variados, entre pães de queijo, pães doces e croissants. É visível a textura um pouco ressecada, já que geralmente são fornadas do dia anterior, mas o sabor permanece agradável e o bom custo-benefício é o ponto forte. O Refood é outro aplicativo com proposta semelhante, em que há sacolas-surpresa de restaurantes. O cliente só fica sabendo alguns detalhes, por exemplo, se o prato tem proteína animal ou é vegetariano.
“O que a gente gera é uma receita incremental, recuperando parte ou a totalidade do custo de produção daqueles itens não vendidos. Toda a transação é feita via aplicativo e, no fechamento do mês, o estabelecimento recebe o faturamento das sacolas vendidas e, sobre isso, nós cobramos um fee (uma taxa), que varia de acordo com o parceiro. Hoje, a gente entra em um hortifrúti e vê frutas impecáveis, criou-se uma estética de produtos para consumo. A gente evitou até o final de março que 1 200 toneladas de alimentos fossem parar no lixo”, destaca Lucas Infante, CEO da Food To Save, que teve a ideia do aplicativo após ser dono de uma franquia de supermercado na Espanha e deparar com o volume de alimentos desperdiçados. A foodtech foi criada em maio de 2021 e hoje está disponível em doze cidades, sendo três capitais (São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília).
O Natural da Terra é um dos estabelecimentos presentes tanto na Food To Save quanto na B4Waste. Mariana Arrivabene, especialista em sustentabilidade da rede, diz que as plataformas agora fazem parte do ciclo de redução de desperdício interno que existe na empresa, que se inicia desde a chegada dos produtos nas lojas e inclui, em São Paulo, também doações à associação Prato Cheio. “No Food to Save, o cliente escolhe a sacola-surpresa, e nela vão frutas, legumes e verduras que estão aptos para o consumo, mas que, se não forem revertidos neste momento para a venda, serão descartados. Desde o início de agosto do ano passado, a gente já conseguiu salvar no total cerca de 69 toneladas de alimentos. O desperdício gera impacto em toda a cadeia, e isso ultrapassa o olhar empresarial e vai de encontro às responsabilidades socioambientais com as quais a gente se compromete.”
O analista de sistemas Caíque Assis, de São Paulo, já usou o Food To Save algumas vezes e destaca que vem economizando dinheiro com o aplicativo. Na primeira vez, ele pediu uma sacola de uma padaria, por 22,90 reais. “Logo de primeira gostei porque vieram pães e alguns sonhos que compensaram bem o valor. Na mesma semana, peguei outra sacola em outra padaria por 15,99 e achei que valeu o preço. Em casa moramos eu e o meu namorado, as padarias da região acabam tendo o quilo do pão francês caro, essas sacolas ajudaram a economizar”, relata.
Publicado em VEJA São Paulo de 3 de maio de 2023, edição nº 2839