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A guerra suja

Na esquina em frente ao grande condomínio nas colinas de Perdizes, brotou um barzinho. Um desses do novo estilo, mais mauricinho, só noturno, com pizza, cerveja, sinuca, música e telões de futebol. Fica no 1º andar de um sobrado. Os fumantes e seus amigos passaram a ocupar as escadas e a calçada, copos nas mãos, […]

Por Ivan Angelo
Atualizado em 5 dez 2016, 18h58 - Publicado em 29 jan 2010, 12h36
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  • Na esquina em frente ao grande condomínio nas colinas de Perdizes, brotou um barzinho. Um desses do novo estilo, mais mauricinho, só noturno, com pizza, cerveja, sinuca, música e telões de futebol. Fica no 1º andar de um sobrado. Os fumantes e seus amigos passaram a ocupar as escadas e a calçada, copos nas mãos, conversando naquele tom exclamativo próprio dos frequentadores de botecos, pontuado por palavrinhas chulas. Nos dias de jogos, escapavam pelas janelas gritos de “Timããão!”, “Pooorco!”, “Tricolooor!”. Sabe como é torcedor de futebol durante os jogos. Sabe como é torcedor de futebol quando seu time faz gol. Sabe como é torcedor de futebol quando qualquer adversário toma gol. Sabe como é torcedor.

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    O barulho passou a incomodar as pessoas do condomínio. Uma comissão foi até a outra esquina tentar uma convivência pacífica. O dono do bar, rapaz simpático, disse que sim, ia segurar a onda do pessoal, na boa. Não segurou, nem se sabe se tentou.

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    Os moradores foram à prefeitura checar alvará, finalidade, habite-se, dispositivo antirruídos — nada conseguiram além do habitual “vamos estar verificando”. Foram ao Psiu, que não faz psiu para ninguém. Então resolveram partir para a guerra. Na primeira reunião para decidir as táticas da guerra houve sugestões radicais:

    — Vamos botar o lixo daqui na porta deles. São 300 apartamentos. Se a metade botar o lixo lá, são 300, 400 quilos.

    — Não pode! Não é civilizado!

    — E por acaso é civilizado o que eles fazem? Vamos dar o troco! É poluição sonora pra cá, poluição ambiental pra lá.

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    Os radicais gostaram, os racionais nem tanto:

    — A prefeitura vai enquadrar, vai multar a gente.

    Desistiram do lixão. Novas propostas, uma engraçada:

    — No auge do barulho deles, lá pelas 11 horas, vamos invadir o boteco vestindo pijamas, entupir até a escada, 300 moradores, todo mundo de pijama, camisola, baby-doll, robe, chinelos, escova de dentes… Mostrar a eles que queremos dormir!

    A ideia foi de uma universitária do 14º, muito aplaudida. Alguém argumentou:

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    — Eles vão chamar a imprensa, usar a gente para fazer propaganda. Já imaginou o sucesso? A freguesia vai aumentar. Vão é gostar.

    Aí nasceu a ideia da guerra suja:

    — Quantos cachorros temos aqui no condomínio? Uns cinquenta? Por baixo. Vamos levar todos eles no colo até a calçada de lá e estimular os bichinhos a fazer as necessidades na porta deles. Número 1 e número 2. Os caras chegam no fim da tarde, vão encontrar lá as lembrancinhas.

    Aprovado. Quando começou a guerra, quem mais gostou foram as crianças, até se ofereciam para “passear” os cães mais de uma vez. O resultado foi satisfatório. Da esplanada da piscina esperaram a chegada dos inimigos, divertiram-se com a agitação e a indignação dos donos e dos empregados, deram risadas com o banho de sabão na calçada e as caras de nojo. No dia seguinte, a adesão canina foi maior. A charmosa do 21º, cuja cachorrinha recusou a mudança de lugar, fez questão de atravessar a rua para depositar na porta do boteco o conteúdo do saquinho ecológico e veio de lá sorrindo com a travessura. O cheirinho do lugar passou a estimular cães de outros prédios e solidários vira-latas de carroceiros.

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    No terceiro dia da guerra suja, os empregados do barzinho se recusaram a fazer a faxina, alegando que aquilo não fazia parte do contrato de trabalho. Naquela noite, o bar não pôde abrir. O dono pediu armistício e uma comissão para negociar a paz.

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    Dias depois o bar reabriu com sistema antirruído e proibição de fregueses na calçada. Os cachorrinhos voltaram alegres aos seus lugares preferidos.

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