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Indicações do que assistir no teatro (musicais, comédia, dança, etc.) por Laura Pereira Lima (laura.lima@abril.com.br)
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Marco Antônio Pâmio, ator e diretor: “quero um ambiente de trabalho em que possa reproduzir relações”

O paulistano Marco Antônio Pâmio tem 52 anos e uma cara, digamos, de 40 e poucos. Isso, no entanto, é o que menos interessa. O cara é um dos grandes atores de sua geração. Já foi protagonista das peças de Antunes Filho, passou pelos corredores da Rede Globo na segunda metade dos 80, mas firmou […]

Por Dirceu Alves Jr.
Atualizado em 26 fev 2017, 22h19 - Publicado em 3 abr 2014, 18h29
Marco Antônio Pâmio: a tor e diretor paulistano tem duas montagens em São Paulo (Foto: Heloísa Bortz)

Marco Antônio Pâmio: ator e diretor paulistano tem duas montagens em São Paulo (Fotos: Heloísa Bortz)

O paulistano Marco Antônio Pâmio tem 52 anos e uma cara, digamos, de 40 e poucos. Isso, no entanto, é o que menos interessa. O cara é um dos grandes atores de sua geração. Já foi protagonista das peças de Antunes Filho, passou pelos corredores da Rede Globo na segunda metade dos 80, mas firmou projeção mesmo com diferentes e marcantes papéis nos palcos de São Paulo. No drama “Ou Você Poderia me Beijar”, em cartaz no Núcleo Experimental, ele é um dos seis intérpretes de uma tocante história de amor que atravessa quase seis décadas. Como diretor, Pâmio ensaia loucamente nas últimas semanas um elenco de doze atores para a comédia dramática “Assim É (Se lhe Parece)“, que estreia em 11 de abril no Sesc Vila Mariana. E aí, Pâmio? Vamos falar?

Assim É (Se lhe Parece) tem quase um século e pelo tema da fofoca parece continuar muito atual. Como estabelecer um foco para reafirmar essa atualidade sem cair em ciladas do humor fácil?

Acho que tomei a decisão acertada ao transpor a ação para meados dos anos 40, o que se reflete na ambientação cenográfica, nos figurinos e na postura dos atores. Se eu mantivesse a história em 1917, quando ela foi escrita, correria o risco de torná-la datada, distante de nosso tempo, enfraquecida como discussão. Por outro lado, trazer a peça para os dias de hoje a enfraqueceria em sua verossimilhança, pois falamos de uma personagem trancada em casa, sem comunicação alguma com o mundo exterior. Como fazer isso quando “falamos” com o mundo todo através de um celular ou de um computador? Diante disso, os anos 40 me soaram perfeitos para uma transposição, além de não permitirem qualquer possibilidade de cacos ou adaptação das falas. O que se fala em cena é Pirandello. E só Pirandello.

Nesse espetáculo, você comanda um elenco muito grande. Isso faz grande diferença para o diretor?

É uma empreitada e tanto dirigir um elenco tão numeroso, principalmente num texto desse quilate. Mas confesso que o desafio tem sido muito maior na tarefa de destrinchar a obra em si do que propriamente na regência de tantos atores. Acho que adquiri um certo know-how, já que dirijo muitos espetáculos em cursos de formação de atores, onde os elencos são compostos por 20, 25 e 30 pessoas. Dirigir doze é praticamente fazer um pocket show (risos). Difícil mesmo é atingir o nível de profundidade da obra pirandelliana e não deixar que ela vire uma comédia de costumes. Quando soube que eu estava começando a dirigir esse texto, o Antonio Abujamra me mandou um recado, na forma de uma frase: “Pirandello é secreto”. Abu estava coberto de razão. Estou ainda tentando desvendar esse segredo.

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Bete Dorgam e Nicolas Trevijano: "Assim É (Se lhe Parece) estreia em 11 de maio (Foto: Heloísa Bortz)

Bete Dorgam e Nicolas Trevijano: “Assim É (Se lhe Parece) estreia em 11 de abril

Você mesmo escalou os atores?

Tive total liberdade de escalar toda a equipe artística. Chamei algumas pessoas com quem já havia trabalhado, outras que sempre admirei e com quem gostaria de trabalhar algum dia e outras que estão fazendo seu primeiro trabalho profissional. Sempre norteado pela pertinência e afinidade com os personagens, é claro. Essa autonomia foi fundamental para que houvesse “química” entre o elenco, contaminado desde o primeiro dia pela inteligência e genialidade do autor e da obra.

Conta um pouco como esse espetáculo entrou na sua vida?

Fui convidado a dirigir esse texto pela atriz Ella Bellissoni, que havia sido minha aluna há três anos e que passou esse período todo configurando o projeto, fazendo cursos de produção cultural e captação de recursos, visitando empresas, enfim, uma pessoa de um foco e obstinação invejáveis. Foram três anos dedicados a uma ideia pra lá de nobre: estrear profissionalmente fazendo um texto de um grande autor, ao lado de uma grande equipe, e no papel que eu julgasse melhor escalá-la. Quem faz isso hoje em dia? É realmente de tirar o chapéu.

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Para um ator que trabalha sem parar, dirigir tem que valer muito a pena?

Confesso que a direção tem me dado cada vez mais prazer toda vez que me vejo nessa função. Como trabalho muito mais como ator, dirigir significa mudar o olhar, pensar na obra como um todo, ser o veículo que vai fazer o ator comunicar da melhor maneira o conteúdo do autor à plateia. É um exercício fascinante, pelo qual me atraio cada vez mais. Mas acho que nunca vou conseguir deixar de estar no palco. Se for pensar no mundo ideal, sempre alternaria uma função e outra, mas nem sempre isso acontece.

Você está em cartaz com Ou Você Poderia me Beijar, que enfoca a homossexualidade de uma forma pouco trabalhada. Por outro lado, o casal quarentão, vivido por você e Rodrigo Caetano, é que menos tem conflitos, logo o que menos exige do ator. Isso faz diferença?

Meu primeiro contato com esse texto foi quando o Zé Henrique de Paula me chamou para fazer uma leitura dele para um pequeno grupo de amigos por volta de três anos atrás. Nunca vou me esquecer do efeito que ele produziu entre as pessoas naquela sala, paralisadas de tanta emoção no final da leitura. Eu disse a ele: “se você for montar essa peça e eu estiver disponível, eu quero muito fazer”. Não me preocupei, de verdade, com o tamanho do personagem ou com o quanto eu estaria no centro do foco ou à margem dele. Queria muito mais ajudar a contar aquela história, ao lado daquelas seis pessoas, que formam um “corpo único” dentro do espetáculo. Sempre quis trabalhar com o Zé Henrique. Não ia deixar de fazer isso, ainda mais com um texto tão lindo desses, só porque não seria protagonista.

+ Leia aqui entrevista com o diretor Zé Henrique de Paula sobre Ou Você Poderia me Beijar.

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Nesse caso, o que interessa mesmo é o trabalho coletivo e o belo resultado, não?

O processo de criação do espetáculo foi tão incrível, o convívio com esse elenco é tão inspirador, que fazer a peça é sempre muito emocionante. É claro que o A e o B (os personagens da história), nessa fase da vida, têm menos conflito, menos ação dramática, são mais como uma “consciência” de seus alter egos mais velhos. Isso porque a peça foi escrita originalmente para teatro de bonecos e nós dois exercemos a função que seria a dos manipuladores, que ficam justamente na sombra, mais comentando do que vivendo a ação. Somos mais receptores do que geradores da emoção da peça.

Marco Antônio Pâmio e Rodrigo Caetano: o casal quarentão de "Ou Você Poderia me Beijar" (Foto: Ronaldo Gutierrez)

Marco Antônio Pâmio e Rodrigo Caetano: o casal quarentão de “Ou Você Poderia me Beijar” (Foto: Ronaldo Gutierrez)

Você começou como protagonista de Romeu e Julieta, dirigido por Antunes Filho, ao lado de Giulia Gam. O que ficou da experiência no CPT e de Antunes em você como diretor?

Foi o começo de tudo e por isso mesmo um período inesquecível da minha vida, não só profissional, mas principalmente pessoal. Uma responsabilidade muito grande estrear fazendo o Romeu numa montagem tão emblemática como foi a do Antunes, a primeira produzida pelo CPT nos moldes como ele existe até hoje. Ou seja, foi uma experiência marcada na carne de quem a viveu. Trabalhávamos e respirávamos teatro doze, treze, quinze horas por dia, entre ensaios de quatro peças diferentes, aulas, muita pesquisa, confecção de figurinos, além, é claro, das preleções com o Antunes. Elas reverberam até hoje dentro de mim. Ele é sim nosso grande mestre, a quem devo o que sei sobre teatro. E é claro que tenho a influência dele na minha mão como diretor, já que sempre o observava dirigindo quando não estava sendo dirigido por ele. São ensinamentos que ficam para a vida toda. Por isso, sou sempre e profundamente grato a ele.

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+ Leia aqui entrevista com o diretor Antunes Filho. 

Logo depois de trabalhar com Antunes, você emplacou novelas na Rede Globo, como De Quina pra Lua e Mandala. Na época, você correu atrás?

Fui chamado para a televisão dois ou três meses depois de ter me desligado do CPT. Ainda estava digerindo todo aquele processo, quando o telefone tocou com um convite para fazer a novela De Quina pra Lua, em 1985. Foi uma mudança da água para o vinho. E um pouco traumática. Nunca tinha visto uma câmera na vida e, de repente, estava eu lá como um galã romântico. Eva Wilma, Elizabeth Savalla, Hugo Carvana e Tamara Taxman foram colegas e professores generosos. Pacientemente, eles foram me ensinando os macetes da televisão. Hoje em dia, existem centenas de cursos que preparam atores para o veículo, mas, na época, isso era impensável. Tive que aprender na marra, na prática, mas, ao mesmo tempo, tinha a sensação constante de ter uma lacuna que eu ainda deveria preencher como ator.

Que lacuna era essa?

No sentido de aprendizado mesmo, de formação, conhecimento mais profundo do ofício. Ou seja, eu achava que eu ainda precisava estudar mais, fazer mais teatro, estar mais no palco. Vieram outros trabalhos na TV, sempre na forma de convite, como a minissérie Memórias de um Gigolô e a novela Mandala.

E depois? Foi uma escolha sua esse afastamento? 

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Acho que fui mal-acostumado com essa história de ser convidado e não correr muito atrás (risos). Foi quando decidi voltar pra São Paulo e investir no teatro. E também quando me interessei por estudar teatro em Londres. Fiz um curso de um ano lá, uma experiência inesquecível. Quando voltei, passei a me produzir, começando por Laranja Mecânica. Descobri a liberdade de poder escolher e investir num bom papel para mim, com o qual poderia crescer como ator e pessoa. Diante disso, a televisão foi ficando cada vez mais afastada da minha vida.

Existe alguma frustração, um sentimento de que você poderia ser mais reconhecido pelo público?

Nunca guardei qualquer tipo de mágoa ou rancor por não ter construído uma carreira no vídeo. A televisão ficou industrializada demais. Quando comecei lá, as produções eram concentradas no Jardim Botânico, com um estúdio ao lado do outro, um de cada programa. A sala dos atores era a mesma para todos os elencos, tudo era muito mais caseiro. Quando voltei para gravar a minissérie JK, em 2006, o Projac me pareceu um lugar gigantesco, setorizado, impessoal. Fiquei assustado com aquilo e reiterei para mim que meu lugar é mesmo o teatro. Quero um ambiente de trabalho em que possa reproduzir relações. O encontro, a troca, o conhecimento. Isso é o que fica, o resto importa menos. Lembro que fui muito, mas muito feliz mesmo, fazendo uma novela aqui em São Paulo em 2008, na Band, chamada Água na Boca. Eu adorava, ia gravar feliz todos os dias, tinha um prazer enorme fazendo um papel cômico delicioso. A novela não dava mais que dois ou três pontos, mas isso era insignificante. Recentemente fiz alguns trabalhos bem legais em séries para as TVs fechadas, em que a qualidade da dramaturgia anda cada vez melhor. O último foi a terceira temporada de Sessão de Terapia, ainda para estrear, dirigida pelo Selton Mello. Um trabalho incrível e da melhor qualidade, feito com o maior cuidado, requinte e dedicação à direção de ator.

Descobri em uma conversa com a diretora Yara de Novaes que você também é professor e dá aula no curso de direito da Faap. É isso mesmo?

Sim, estou na Faap desde que a disciplina foi implantada na grade oficial do curso há uma década. Acho que o teatro deveria ser matéria obrigatória não só no curso de direito, mas em todo e qualquer outro. O teatro melhora não só a desenvoltura, a articulação, a comunicação dos futuros profissionais, como também a pessoa como ser humano.

Como o teatro é aplicado ao mundo dos futuros advogados e de que forma você trabalha isso em sala de aula?

Na Faap, o trabalho é constituído por dois semestres, sendo o primeiro um apanhado de conhecimentos gerais, englobando estudo de cenas, voz e corpo, literatura dramática, enfim, um pouco de tudo. No segundo, montamos um exercício cênico com os alunos, apresentado publicamente no Teatro Faap. No começo, sofríamos preconceito, pois a maioria não via sentido do teatro existir no currículo obrigatório do curso. Hoje, a matéria está plenamente integrada e os alunos conseguem ver a importância dela para sua vida profissional. Sem falar que estamos fazendo um trabalho de formação de público “no paralelo”, já que eles precisam ir assistir aos espetáculos em cartaz na cidade e produzir material crítico sobre o que foram ver.

Sob a direção de Antunes Filho, Giulia Gam e Marco Antônio Pâmio em "Romeu e Julieta" (1985)

Sob a direção de Antunes Filho: Giulia Gam e Marco Antônio Pâmio em “Romeu e Julieta” (Foto: João Caldas)

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