Um papo com Miriam Mehler: “teatro de graça não educa e tampouco forma plateia”
Ícone dos palcos paulistanos, Miriam Mehler não entrega os pontos. Aos 78 anos, a atriz faz a festa em meio ao elenco da comédia dramática A Última Sessão, que conta com outros veteranos do porte de Laura Cardoso, Sonia Guedes, Sylvio Zilber e Etty Fraser e vem lotando o Shopping Frei Caneca. Para a atriz […]
Ícone dos palcos paulistanos, Miriam Mehler não entrega os pontos. Aos 78 anos, a atriz faz a festa em meio ao elenco da comédia dramática A Última Sessão, que conta com outros veteranos do porte de Laura Cardoso, Sonia Guedes, Sylvio Zilber e Etty Fraser e vem lotando o Shopping Frei Caneca. Para a atriz que brilhou no Teatro de Arena com Eles Não Usam Black-Tie, mergulhou nas ousadias de Zé Celso Martinez Corrêa no Teatro Oficina e conheceu a maturidade ao construir o Teatro Paiol, que esteve à frente também como produtora na década de 70, a cena brasileira de hoje está muito diferente. Em um papo por telefone, Miriam Mehler lançou ideias sobre vários assuntos e demonstrou firmeza em todos eles.
Grata ao tempo
“Eu tenho 78 anos e sou assim mesmo, pequena e magra. Não faço parte de turma da plástica. Sou de andar, de me exercitar. Claro que carrego uma genética que me ajuda muito, mas nunca tive nenhuma obsessão pelo culto ao corpo. Complicado é que muitas vezes o corpo não acompanha a cabeça depois de uma certa idade. E quando isso acontece um ator sente muito. A cabeça está em plena forma, com muitas ideias criativas, mas você não dá mais conta. Como é lindo ver um ator ágil no palco. O que era a Cleyde Yáconis?! Mas para isso acontecer o ator precisa se preparar ao longo da vida.”
Com a turma de “A Última Sessão”
“Trabalhar com ator veterano é outra coisa. É um sentimento de amigos reunidos no mesmo palco. Basta só olhar no olho do outro que você já percebe o que está acontecendo. Quando encontro gente que tem essa disponibilidade de se jogar no palco é algo incrível. E, por aqui, eu percebo que existe um espírito de companhia. A Etty Fraser e eu fomos colegas no Teatro Oficina na década de 60. E viramos amigos de vida. Nós nos falamos, no mínimo, duas vezes por dia ao telefone até hoje.”
Veteranos na ativa
“Os jovens de hoje acham que o velho acabou. Então, a iniciativa do Odilon Wagner ao escrever e dirigir essa peça é louvável para todo mundo. Não apenas para nós. O público da nossa idade vai teatro, se enxerga naqueles personagens e percebe que a vida não acabou. E os jovens também devem enxergar que no futuro podem ser assim. Essa ideia muda a cada geração. Minha avó aos 60 anos era uma velhinha e não fazia nada. A minha mãe tinha 80 e ainda saía de casa sozinha, gostava muito viajar, jogava cartas com os amigos.”
Sem férias
“Não posso reclamar de trabalho. Mas sei que sou exceção. De uma maneira ou de outra, continuo sendo lembrada pelos produtores. No ano passado, eu fiz um monólogo lindo, Oscar e Sra. Rosa, em que interpretei dez personagens dirigida pelo Tadeu Aguiar. Terminei a temporada desse espetáculo em São Paulo e já comecei a ensaiar A Última Sessão. Mas eu preciso ser chamada. Porque produzir eu não produzo mais. Já deu! A televisão também lembra de mim às vezes. Fiz uma participação em Insensato Coração há três anos. Foi um tanto corrido. No primeiro dia, cheguei ao estúdio, o Dennis Carvalho (diretor) me deu um beijo e já me orientou quais eram as marcações. Saímos gravando direto. Não tem mais tempo para um ensaio. É assim mesmo. À medida que um ator amadurece, é preciso deixar de almejar grandes personagens na televisão. No teatro, não. A gente sempre procura um ótimo personagem.”
Produtora experiente
” A última peça que levantei foi em 2000. Estreei Visão Cega no Teatro da Cultura Inglesa, aqui em São Paulo. Naquela época, eu investi 100 000 reais e foi um dinheiro que nunca mais recuperei. Tivemos ótimas críticas, mas o público não apareceu. Como sempre fiz, paguei todo mundo direitinho e precisei sair de cartaz. Eu produzi a minha vida inteira. Foram três décadas ininterruptas. Algumas montagens deram muito certo, outras um pouco menos. E sempre pegava empréstimo em banco e quitava todas as contas com o dinheiro da bilheteria. Eram seis sessões semanais. Hoje, a coisa mudou muito. Ninguém consegue mais produzir sem patrocínio. Todo mundo só se apresenta três dias na semana e, desse jeito, não paga nada mesmo.”
Um currículo paulistano
“Em 1958, eu entrei no Teatro de Arena convidada pelo Gianfrancesco Guarnieri e pelo José Renato para o elenco de Eles Não Usam Black-Tie. Fazia pouco que eu havia me formado na Escola de Arte Dramática (EAD). Logo depois, fui para o Oficina e participei, entre 1963 e 1966, de peças como Quatro num Quarto e Pequenos Burgueses. Mais tarde, fundei o Teatro Paiol, ao lado do Perry Salles, com quem fui casada. De 1969 a 1979, eu fiz muita coisa por lá. Era uma época pesada, a censura estava a todo vapor, tivemos vários problema. Os militares tentaram vetar Bonitinha, mas Ordinária, que era dirigida pelo Antunes Filho. Apesar disso tudo, foi um tempo muito feliz. Um dia, eu soube que seria necessário encarar a segunda reforma geral do teatro em menos de dez anos. Estava muito cansada e desisti. Nessa época, o Paulo Goulart e a Nicette Bruno se interessaram e assumiram o ponto. Para produzir é necessário dinheiro. Por isso, eu sou contra não cobrar ingressos. Teatro de graça não educa e tampouco forma plateia. É preciso cobrar nem que seja cinco reais.”
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