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Hugo Possolo fala sobre a vida de cachorro em “Eu Cão Eu”

Ator, palhaço, dramaturgo, provocador… Depois de Prego na Testa, Hugo Possolo volta a investir em um monólogo com Eu Cão Eu, que entra em cartaz no Auditório do Sesc Pinheiros no dia 24. Também autor do texto, ele interpreta um homem insatisfeito que passa a admirar um vira-lata e sua liberdade de andar pelas ruas. […]

Por Dirceu Alves Jr.
Atualizado em 27 fev 2017, 10h48 - Publicado em 18 Maio 2013, 02h40

Hugo Possolo estreia o monólogo no Auditório do Sesc Pinheiros (Fotos: Zeca Rodrigues)

Ator, palhaço, dramaturgo, provocador… Depois de Prego na Testa, Hugo Possolo volta a investir em um monólogo com Eu Cão Eu, que entra em cartaz no Auditório do Sesc Pinheiros no dia 24. Também autor do texto, ele interpreta um homem insatisfeito que passa a admirar um vira-lata e sua liberdade de andar pelas ruas. A direção é de Rodolfo García Vázquez, dos Satyros, em uma parceria inédita com o pessoal dos Parlapatões. Nesse bate-papo, Possolo divagou bem, como ele mesmo reconheceu, então deixei o cara falar…

Cada espetáculo deve ganhar a cena por ter algo a dizer. Qual é a provocação da vez?

Para mim, teatro é pensamento. Expressão de ideias e sensações vivas que possibilitam gerar alguma reflexão. Se, com a arte, interferirmos na vida da sociedade, ganhamos a potência da provocação. E é mais ampla e prazerosa a provocação quando sedutora e não imposta goela abaixo do público. Eu Cão Eu é uma vertente diferente e bem forte de minha dramaturgia, já que é um drama, embora não se prive do humor, que tenta pensar o homem a partir de seus vícios. O prazer de seguir um cão transforma a vida desse homem, e ele depara com os desafios da perda de tudo que tinha ao seu redor. Acredito que muitas pessoas, por diferentes razões, venham a se identificar com esse anti-herói urbano.

Eu Cão Eu é o espetáculo que mostra esse sufoco geral, essa falta de liberdade, essa patrulha contínua? 

“Politicamente correto” é apenas um eufemismo para moralismo. A peça fala da busca da liberdade dentro de prazeres individuais que, contraditoriamente, retiram a humanidade do sentido de convívio e a submetem cada vez mais ao consumismo imediato. Não é uma peça sobre esse tema específico, mas uma metáfora que transita também por esse aspecto, no qual o moralismo vigente tenta, dissimuladamente, impor comportamentos conservadores para refrear qualquer possibilidade de pensamentos transformadores, questionadores ou críticos. A acomodação alienada é o retrato mais triste da globalização.

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Oito anos separam Prego na Testa de Eu Cão Eu. O que mudou na visão de dramaturgo e de ator em relação ao homem na sociedade? Se é que algo mudou…

Aprendi muito com Prego na Testa pelas respostas do público, que entrava no jogo comigo me levando às últimas consequências de cada um daqueles personagens alucinados. Prego na Testa é um texto contundente sobre o homem em qualquer tempo, pois fala das dificuldades que cada um tem em se ajustar a uma sociedade injusta. Eu Cão Eu aborda como podemos nos desprender das amarras sociais, com consequências que tanto libertam quanto aprisionam. Ambas as peças são cargas fortes de contradições, embora com ângulos distintos de abordagem. São conflitos assim, muito teatrais, que movem meu trabalho, pela inquietação, pelo que vou percebendo do mundo, cujas constantes mudanças colocam a humanidade sempre em xeque.

Em Prego na Testa, você apresentava personagens considerados politicamente incorretos. Para criar Eu Cão Eu você adotou uma visão mais lírica, mais metafórica ou não mudou em nada o seu estilo?  

O Prego na Testa teve alterações grandes de texto feitas pelo Aimar Labaki e por mim. Tanto que, muitas vezes, brincamos de colocar em dúvida o que era do Eric Bogosian e o que era nosso. O texto dele tinha mais de dez anos quando estreamos e já tinha causado muitos efeitos em Nova York. Aqui não foi diferente, pelo tom aguerrido com que encarei a tarefa, muitas vezes deixando que as visões das personagens se confundissem com as minhas, me deparei com o reacionarismo e preconceitos de toda a espécie. É da minha alma me confrontar ao pensamento conservador. Creio que em Eu Cão Eu esse espírito permanece, mas a personagem única e melancólica, por vezes submissa, muito diferente do que sou, enfrenta outros desafios e aponta para outros rumos. Eu não queria fazer um novo solo apoiado em fórmula, ao contrário, procuro sempre algo que me desafie.

Possolo interpreta um homem entediado que inveja a liberdade de um cachorro

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O Brasil daquela época talvez fosse um pouco mais otimista, existia uma esperança depositada na fase inicial do governo Lula, e Prego na Testa já era pessimista. Hoje vivemos tempos mais desiludidos, para o teatro, para o humor, para a sociedade. Isso facilita ou dificulta sua vida?

Não acho que o Prego na Testa seja pessimista e, sim, um confronto com o modo de vida da classe média, suas contradições e sua perspectiva assustada diante das mudanças sociais sobre as quais não tem – ou não quer ter – domínio. Por outro lado, percebo, sim, uma certa desilusão entre artistas, humoristas diante da falta de visão crítica da realidade que percorre algumas pessoas, a mídia, os intelectuais e, por consequência, as obras artísticas. Não vejo nada disso como dificuldade, pois quando escolhi ser artista sabia que tinha escolhido um caminho onde a ousadia e a coragem seriam necessárias. O mais importante é observar ao máximo a realidade, analisar o contexto, ter sensibilidade de aprender a cada momento para ter o poder expressivo que levante dúvidas que toque a alma do público.

A tecnologia pode ser uma aliada ou uma inimiga do humor?

A tecnologia veio mais para abrir caminhos que para anular espaços conquistados. O humor ganhou velocidade e, acredito, se democratizou mais, onde várias pessoas fazem piadas e comentários cômicos pelas redes sociais. Talvez o que ainda assuste é que muitos confundem humor com agressão ou humilhação, mas acredito que com o tempo todos iremos aprender a lidar com essa comunicação. Aliás, a própria forma expressiva vai gerando parâmetros e se estabelecendo naquilo que, apesar de ser um jogo complexo de relações, possibilitará novas convenções sociais que ainda serão assimiladas.

Uma parceria com os Satyros no palco finalmente. O que de novo o Rodolfo trouxe para o espetáculo? Ele que tem um pé muito forte na encenação, no visual…

A parceria entre Parlapatões e Satyros finalmente ganha uma encenação! Nossa proximidade ultrapassa a batalha cotidiana pela Praça Roosevelt e se consolidou em vários projetos, em especial, pela criação da SP Escola de Teatro. Essa integração artística é resultado de um sentido estético que vai além da blague entre forma e conteúdo para centrar-se no sentido social, político e histórico do teatro. Em Eu Cão Eu, Rodolfo criou um ambiente fortíssimo para a primeira leitura do texto feita pelo Gustavo Machado. Eu queria que o Gustavo fizesse a peça, mas a agenda dele, lotada de compromissos, não permitia. Até que o Rodolfo me convenceu de que deveria ser eu mesmo. Nos ensaios, o Rodolfo foi, aos poucos, retirando os recursos de apoio e jogando cada vez com a crueza da cena. A interpretação foi trazida à tona e os elementos visuais foram sendo abandonados. Fiquei um pouco surpreso, confesso, mas entendi o processo de ensaios como o treino para um salto mortal, que muito se quer e muito teme, mas que dá imenso prazer em realizar.

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