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Por Arnaldo Cheixas
Terapeuta analítico-comportamental e mestre em Neurociências e Comportamento pela USP, Cheixas propõe usar a psicologia na abordagem de temas relevantes sobre a vida na metrópole.
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Psiquismo urbano

Do mesmo modo que pode ser observado em muitas outras espécies na natureza, humanos são seres gregários, ou seja, vivem(os) em grupos. A base da sobrevivência e do bem-estar depende de o indivíduo estar inserido em um grupo. Com o desenvolvimento da linguagem e do uso de instrumentos na espécie humana, essa característica gregária ganhou […]

Por VEJA SP
Atualizado em 26 fev 2017, 23h05 - Publicado em 2 jan 2014, 18h44
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“A honestidade nos escandaliza mais que a miséria. Ficamos habituados à condição de desigualdade de nossa sociedade”

Do mesmo modo que pode ser observado em muitas outras espécies na natureza, humanos são seres gregários, ou seja, vivem(os) em grupos. A base da sobrevivência e do bem-estar depende de o indivíduo estar inserido em um grupo. Com o desenvolvimento da linguagem e do uso de instrumentos na espécie humana, essa característica gregária ganhou uma complexidade muito grande. Na sociedade, a dinâmica dos grupos impacta fortemente no psiquismo de cada um. A sensação de pertencimento confere bem-estar a cada um de nós.

Como acontece em cada janeiro, São Paulo está mais vazia nesse início de 2014. As ruas ficam mais vazias, os congestionamentos desaparecem e até algum silêncio pode ser experimentado. Mas há uma parte da população paulistana que nunca viaja nessa época do ano. São os moradores de rua. Como a cidade fica mais vazia no período de férias de verão, eles aparecem mais para quem, como eles, não viajou. Ontem me dei conta de que, nesses dias de cidade vazia, a proporção de moradores de rua fica temporariamente aumentada. Mas a que grupos eles pertencem? Talvez a nenhum, além do próprio que podemos rotular como de moradores de rua.

Esteja a cidade cheia ou vazia, eles são sempre anônimos. Não têm vínculo. Não conseguem experimentar a vivência gregária própria do ser humano. E eles aprendem a passar os dias assim, sem vínculo, sem interação, quase invisíveis. Sua interação com outros moradores da cidade normalmente se limita a alguns poucos segundos, seja quando pedem algo, seja quando são advertidos por alguém que não lhes permite estar onde estão.

Sobre não ter vínculo, noto uma diferença enorme entre moradores de rua de São Paulo e do interior, por exemplo. Em cidades menores, os moradores de rua acabam, de algum modo, desenvolvendo algum vínculo com as pessoas que moram ou trabalham na região em que vivem. O mesmo não ocorre em São Paulo. Se você observar, talvez note o mesmo que eu. É mais frequente ver moradores de rua falando sozinhos em São Paulo do que em cidades menores. O que eles fazem é simular uma interação que, de fato, não existe. E assim a loucura começa a se instalar.

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Em 2012, um casal morador de rua achou um pacote com R$ 20 mil que foram roubados de um restaurante. O caso ganhou repercussão na mídia. Vendo as notícias e ouvindo vários comentários, achei curioso que as pessoas, de um modo geral, estavam escandalizadas com o fato de o casal de moradores de rua devolverem tanto dinheiro mas não estavam escandalizadas com o fato de o casal morar na rua. A honestidade nos escandaliza mais que a miséria. Ficamos habituados à condição de desigualdade de nossa sociedade. Não sentimos qualquer tipo de empatia em relação a quem vive na rua. Aprendemos a nos proteger deles. Não queremos que eles se aproximem.

Para isso, nos escondemos no shopping center, apressamos o passo na rua ou fechamos o vidro do automóvel no semáforo. Talvez a razão por que fazemos isso é para não olharmos para nós mesmos enquanto sociedade. Preferimos olhar para os efeitos secundários da miséria (violência, poluição visual, sujeira na via pública) e responsabilizar as autoridades. Mas a sociedade somos todos nós. Ao olhar para o morador de rua, estamos olhando para nós mesmos. Ignorá-los é ignorar quem somos.

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