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Notas Etílicas - Por Saulo Yassuda

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O jornalista Saulo Yassuda cobre cultura e gastronomia. Faz críticas de bares na Vejinha há dez anos. Dá pitacos sobre vinhos, destilados e outros assuntos
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Chula Barmaid deixa Bar dos Arcos e retorna à Argentina: “tão difícil”

A bartender nascida em Córdoba se despede do badalado bar do centro de São Paulo, onde trabalhava desde a inauguração. Leia a entrevista

Por Saulo Yassuda Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 20 jan 2022, 14h22 - Publicado em 10 jun 2021, 12h47
Mulher entada sobre uma banqueta em um bar mordendo uma colher
Chula: responsável pelos coquetéis (Clayton Vieira/Veja SP)
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Chula Barmaid se despede do Brasil. A bartender do badalado Bar dos Arcos, no centro, anunciou que está deixando o estabelecimento no próximo dia 26 de junho, antes de retornar à Argentina natal. A bartender Michelly Rossi, ex-Fel, assumirá o posto.

Nascida quase 34 anos atrás em Córdoba, cidade a pouco menos de 700 quilômetros de Buenos Aires, Chula (ou Cynthia, seu nome de batismo) se tornou bartender na capital argentina, para onde se mudou aos 18 anos. A ideia inicial era investir na carreira de atriz. Assumiu a persona de Chula Barmaid (“não uso meu nome real no trabalho”, costuma dizer) quando percebeu que tomar conta de um balcão de bar é, de certa forma, como estar sobre um palco.

Balcão de bar iluminado com pessoa sentadas mais mesas ao fundo
Bar dos Arcos: balcão comandado por Chula (Clayton Vieira/Veja SP)

E como brilhou sob as luzes do Bar dos Arcos, espaço montado, veja só, no subsolo de uma casa de espetáculos, o Teatro Municipal. Já tomei bons drinques por lá, como uma versão de boulevardier (bourbon, Campari e vermute tinto) com um gelo de café e água de coco que deixava a mistura mais equilibrada. Desde a abertura do local, no fim de 2018, a argentina cuidava da carta de coquetéis e da equipe de bartenders. Conquistou os clientes, fez grandes amigos brasileiros e se tornou uma personagem querida da noite paulistana. Agora, tomou a decisão de ir embora.

Conversei com Chula — dona de um delicioso portunhol — neste finzinho do último ato de sua estada no Brasil. Leia trechos do papo abaixo.

Mulher sobre um palco com uma cortina vermelha atrás
A bartender sobre o palco: carreira de atriz antes de ser bartender (Instagram/Reprodução)

Até quando você fica no Bar dos Arcos e no Brasil?

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Dia 26 de junho é meu último dia no bar. Viajo em 5 de julho de volta para a Argentina.

Quando você tomou a decisão de deixar o país?
Foi tão difícil, tão difícil. Foi uma questão muito da pandemia. Cada vez que morei fora da Argentina, voltava a cada três meses para ver amigos, família, fazer algum trampo. Trabalhei na Índia, na França, na Espanha, no Uruguai e aqui. Quando vivi na Índia, foi o tempo que mais fiquei longe de casa. Depois disso, tomei a decisão de voltar a cada três ou quatro meses. Sou muito família. Nos primeiros sete meses da pandemia, o mundo inteiro parou. No segundo lockdown, me bateu um pouco mais no coração. Foi uma decisão mais pessoal que profissional. Comecei a pensar no que ia fazer, quanto tempo ia durar [o lockdown]. Faz mais ou menos um mês que tomei a decisão. Me reuní com Facu [Facundo Guerra, sócio do bar], contei a história e ele me apoiou. 

No fim de 2018, antes de se mudar, você estava com receio de vir.
Eu não falava literalmente porra nenhuma em português [risos]. Eu dizia: “mano, como eu abro um bar em um mês e meio sem falar nada?”. A gente [ela e Facundo] havia conversado de eu ficar seis meses, mas aí foi rolando muito bem para ambas as partes. Acabei ficando dois anos e sete meses. 

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Também tinha a questão da situação política.
Essa transição da presidência teve muita repercussão na Argentina. Todo mundo falava que saía alguém da esquerda, estava para entrar alguém de extrema direita. Honestamente, eu tinha um pouco de dúvida [sobre vir], mas no final o governo não afetou tanto, porque o trampo foi superbem e encontrei muita gente que não tinha nada a ver com o presidente [Bolsonaro]. Fiquei superconfortável, embora não concorde com o governo. Fui muito bem recebida, não sabia que o brasileiro era tão acolhedor, tão hospitaleiro. Os amigos vão ficar para sempre.

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Suas expectativas aqui foram cumpridas?
Superou tudo o que eu imaginava. Quando você se muda de país — e eu já tinha feito isso muitas vezes –, o que você tem mais saudades é das amizades, de fazer churrasco, de ir a um bar, de bater papo nem tão dentro do profissional. Aqui, eu me senti muito acolhida. Até ia comer na casa das famílias de amigos. 

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O que mais te surpreendeu em São Paulo?
C
onsidero São Paulo uma das cidades mais lindas do mundo. Muitos amigos falam que sou exagerada. A comida, os sabores, é do que mais sentirei saudade. E olha que morei em Mallorca (Espanha), que tem sabores incríveis. Essa cultura gastronômica de vocês e essa cultura de boteco, vou sentir muita falta. Meu lugar favorito é o Tan Tan. Com o Thiago [Bañares, chef e sócio], descobri essa “pira” que ele tem, essa cultura japonesa, que ele deixa com um toque paulista. Achei uma fusão muito interessante, essa mistura. Tudo em São Paulo vira paulista, como a pizza. Outro lugar que respeito muito é o Conceição Discos. Foi ali que eu descobri essa comida meio quentinha, de almoço de avó.

Qual foi sua maior decepção no Brasil?
Fiquei surpresa que ainda exista o racismo aqui. Aprendi que no Brasil ele existe no dia a dia, faz parte da cultura. Você não percebe isso de fora. Meus familiares também ficaram surpresos quando contei como no Brasil tem racismo.

Vai levar algum ingrediente daqui contigo?

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Tenho uma mala! Tenho medo que não me deixem passar! [Risos.] Acho que tô pegando meia Amazônia. Tonka [cumaru], tudo que é raiz… Tô levando muita coisa. Flor, clitória, outra flor que não estou lembrando o nome e que  tinge de vermelho, muita tintura natural… Estou levando também jambu, que não tem lá. 

Qual é a grande diferença do brasileiro e do argentino, no bar ou na vida?
Aqui, fiquei surpresa que é muito difícil a pessoa falar “não”, “desculpa, eu não quero”, “não faço isso”. Eu trouxe muito isso comigo. O paulista é muito exigente, a gente [argentinos] pode falar “não”, pois estamos acostumados. Aqui me senti muito confortável de falar de forma respeitosa e explicar, por exemplo, que a gente nunca fez caipirinha nos Arcos. Fui muito criticada por isso. Tem 1.200 bares que fazem, a gente pode não fazer. Eu, como argentina, fazer caipirinha é uma falta de respeito.

O que vai fazer agora, de volta à Argentina?
Vou tirar uns dois ou três meses para uma pausa. Antes de vir ao Brasil, eu morava em Buenos Aires, sempre morei lá depois dos 18 anos. Agora, estou voltando pra Córdoba, onde mora minha família. Vou alugar um apartamento e ficar perto deles, recarregar. Recuperar as raízes é muito legal. A cidade tem muita natureza, muito rio. Em seguida, faço o lançamento de um projeto ali, e tenho consultorias em Buenos Aires, eventos para fazer. Não quero ser dramática. Ao deixar um bar, depois de três anos, é preciso de um duelo [luto], um fecho de história. Fiz um post no Instagram sobre minha saída, e fiquei surpresa como o pessoal está comentando. Estou surpresa de como está sendo um encerramento tão cheio de amor. Acho que um dia vou voltar para São Paulo. Vou deixar passar essa pandemia, chegar essa vacina. Quase já tenho uma passagem para voltar no Carnaval.

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E, olha só, voltei ao Twitter: @sauloy

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