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Mil cores nas ruas

Por Mário Viana
Atualizado em 27 dez 2016, 17h37 - Publicado em 27 Maio 2016, 00h00

Lá fora, passa a parada gay, uma das maiores do mundo. A grande festa do arco-íris, que prega a tolerância como bandeira, é uma espécie de Enem da cidadania. Num único domingo, héteros, gays, lésbicas, simpatizantes, alérgicos e indiferentes levam um susto ao cruzar olhares normalmente voltados para o próprio mundo. Existe outra pessoa bem na sua frente e ela não pensa, não age nem vive como você.

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Não é preciso sair faísca no encontro desses universos paralelos. É mais divertido imaginar o que acontece enquanto uma multidão esparrama as sete cores do arco-íris pelas ruas. Clodoaldo acha tudo uma pouca-vergonha. Tal qual uma apresentadora de TV, ele acredita que homem com homem dá lobisomem e mulher com mulher dá jacaré. De índole normalmente pacífica, ele jamais agrediu fisicamente um gay ou uma lésbica e não entende quem resolva as diferenças assim. Mas também não se sente confortável com beijo gay, seja na rua, seja na TV. Por isso, prefere não sair de casa. No máximo, vai à pizzaria do bairro mesmo. A de calabresa é ótima.

Em um bairro distante, Maíra não dormiu à noite, pensando no seu primeiro domingo “na cidade”. É assim que os moradores da periferia chamam a região central, “a cidade”, pois há mesmo uma distância enorme entre seu cotidiano e o da metrópole. A jovem insone bolou até uma camiseta discreta, que escondeu na mochila, e partiu para o metrô. No caminho, encontrou uma antiga amiga de colégio, que ia para o culto. Quando saiu na Estação Trianon-Masp, olhos arregalados e coração na boca, Maíra conheceu sua turma.

Num quarto e sala do centro, Menezes, pacato e quase aposentado professor de geografia na rede pública, acordou cedo, depilou pernas e peito e cobriu a calva inegável com uma peruca de cor indefinida. O vestido espalhafatoso caberia feito uma luva se ele não tivesse engordado tanto. Espremido no vestido, Menezes sobe nos saltos vertiginosos e vai para a rua. Respirar, só mais tarde.

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Empurrando carrinhos pesados, Zico, Didi e Marinete vieram de cantos diferentes da cidade para vender cerveja, água, refri e um vinho químico capaz de dissolver o Monumento às Bandeiras. Não são contra nem a favor da parada gay — estão ali para defender o seu, porque a vida anda dura. Um grupo de voluntários distribui camisinhas a granel e outro espalha a palavra de Deus no meio dos pecadores — se bobear, a amiga da Maíra está nessa leva.

Na calçada da Paulista com a Augusta, Miguel, pai jovem, carrega a filha de 5 anos nos ombros. A menina olha encantada para todo o colorido em volta. No cruzamento da Consolação com a Caio Prado, já perto do fim da parada, duas velhinhas de cabelos off-white de tão branquinhos apreciam a festa. Uma delas está louca de vontade de provar o tal vinho químico (“Esquece, Adelaide, vai atacar tua pressão”, diz a amiga, cujo nome nos escapa). As velhinhas adoram o colorido, a alegria, o bafafá dos gays. E tentam reconhecer algum famoso. “Olha a Nany People!”, grita a Adelaide. Pronto, o dia está ganho.

Nos trios elétricos estão — ou deveriam estar — os mais animados. Nos mantidos por clubes e festas, o pessoal é mais sacudido. Pula, acena, rebola, faz pole dance e quase se enrosca nos fios elétricos. Já nos carros bancados por sindicatos e secretarias de governo, a coisa é triste: um bando de gente desanimada e anônima, encostada no gradil, olha tudo com a euforia de quem acaba de extrair um dente. Devia haver teste de animação para subir nesses veículos. Fica a dica.

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