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Aquele aeroporto…

Por Ivan Angelo
Atualizado em 5 dez 2016, 19h45 - Publicado em 18 set 2009, 20h18

Havia pessoas que iam a Congonhas só para tomar um café. Pode ser que existissem outros cafés tão bons quanto aquele, mas não seria a mesma coisa – não era a mesma coisa. O aeroporto juntava ao café a escapada, a distância, o dar-se um tempo, o ambiente fino, as elegâncias viajadas. O café no aeroporto não tinha aquele ritual urbano de finalizar uma refeição ou preparar o paladar para um cigarro. Era – não tenho outra palavra – civilizado.

O sábado à tarde ou o domingo era dia de passear no aeroporto. Que ia fazer o paulistano em Congonhas? Famílias, namorados, grupos de amigos… Que os atraía, qual era o encanto de Congonhas? As linhas arquitetônicas art déco e modernas combinadas? O piso axadrezado? Os painéis de Clóvis Graciano e Di Cavalcanti? O terraço? Ah, certamente o terraço. Um amplo, longo, largo, aberto e ensolarado terraço dando para as pistas, de onde se acompanhavam chegadas e partidas, e podia-se abanar a mão para os que iam ou vinham. “Praia de paulista”, ironizavam os cariocas, como se areia fizesse falta para aqueles embevecidos espectadores de decolagens e aterragens.

Ou quem sabe os atraía o jardim no nível da pista e de frente para ela, da qual era separado por um alambrado de meia altura, de onde os aficionados – porque eram aficionados – podiam assistir de pertinho às manobras dos belíssimos Constellations, o mais poderoso quadrimotor da época, dos Electras, Douglas, Viscounts, dos Convairs da ponte aérea, dos elegantíssimos Caravelles, o primeiro jato no Brasil, dos Dart Heralds. Podiam ver até as pessoas lá dentro.

Aquele passeio dominical era um estar no mundo: os maiores aviões, que haviam decolado de Paris, Roma, Berlim, Londres, Nova York; as grandes companhias internacionais: Lufthansa, Iberia, KLM, Air France, PanAm, Alitalia; e ali ao lado uma variedade de companhias brasileiras: Panair, Real, Varig, Cruzeiro, Vasp, Sadia, Aerovias… Os aviões eram do tamanho adequado para Congonhas, o aeroporto mais movimentado da América Latina, o terceiro do mundo! Sim, os paulistas iam vaidosos ver como é que era aquilo.

Não só isso. Ainda não havia shopping centers, e Congonhas tinha algumas das melhores lojas da cidade. Salão de barbeiro. Quem subia pela larga escadaria revestida de mármore que vinha do estacionamento nº 1, localizado juntinho do prédio principal, desembocava ao lado da elegante barbearia, ao lado também da ampla sala de telefones, de onde se falava com o Brasil e o mundo. Pertinho ficava a engraxataria, com seus cadeirões altos e sua maravilhosa equipe de engraxates (ah, isso foi antes da invasão dos tênis), um verdadeiro salão, com revistas e jornais do dia para entreter o freguês. Quase sempre era melhor conversar do que ler, pois os engraxates sabiam de tudo o que se passava na cidade e no aeroporto: quem vinha, quem ia, quem ganhou, quem perdeu, como é que foi. Havia florista, para receber com flores as amadas. Lanchonete, com as douradas torradas Petrópolis. Quem chegava pela primeira vez desconfiava: esta cidade tem estilo.

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Se alguém, na cidade, procurava certa revista estrangeira, era comum ouvir: “Se tiver, é só lá no aeroporto”. Livros de viagens, guias para viajantes: “Só em Congonhas”. Ficava lá a melhor banca de revistas da cidade. O aeroporto era “a janela aberta para o mundo”. E não era? Viajantes traziam para os que os esperavam mais do que novidades – que eram poucas numa época em que a televisão era incipiente e a internet inexistente –, traziam emoções, sensações, revelações.

Para os rapazes havia outra atração, as aeromoças, que não carregavam então o prosaico nome de comissárias de bordo. Mesmo os que não viajavam iam ao aeroporto para vê-las desfilar, lindas, sempre solteiras, rumo a suas máquinas voadoras, os seres que eles já haviam visto mais parecidos com as estrelas de cinema.

Ah, nosso aeroporto, onde estás, se não é mais onde estamos?

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