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Operação Lava-Jato: quem são e quanto cobram os defensores dos investigados

Os principais criminalistas da cidade embolsam, juntos, valores na casa de 70 milhões de reais com o caso

Por Daniel Bergamasco
Atualizado em 1 jun 2017, 17h01 - Publicado em 6 mar 2015, 23h40

Há cerca de um mês, durante almoço em um restaurante de Miami com um grupo de americanos, o advogado José Luis Oliveira Lima, de 48 anos, foi interrompido por uma brasileira ofegante. Figura fácil nos jornais graças a seu trabalho de defesa em escândalos como o mensalão, em prol do ex-ministro José Dirceu, e o petrolão, como defensor de um executivo da Galvão Engenharia, ele ouviu, em tom irônico: “Parabéns pelo belo serviço que o senhor presta à nação”. Não se trata da primeira vez. Em São Paulo, ele passa por abordagens parecidas por todo canto. No Parque do Ibirapuera, já foi saudado em suas corridas com gritos de “Vai, Aécio!” na época das eleições presidenciais. Pois os vinte anos de terapia que frequenta religiosamente serão úteis daqui para a frente: a temperatura e a tensão só tendem a subir. Com as investigações do mega esquema de corrupção que envolve a Petrobras, nunca tantos criminalistas faixas-pretas tiveram tanto trabalho (nem faturaram tanto em um mesmo caso). Quanto mais a lama vai aumentando, mais fértil fica o terreno desses profissionais em termos de visibilidade e ampliação de honorários.

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Deflagrada há um ano, com o desmantelamento de uma teia de doleiros que revelou a participação de grandes empreiteiras num esquema de corrupção na estatal petrolífera, a Operação Lava-Jato adquiriu uma dimensão impressionante. São 150 pessoas, ao menos, sob investigação, 87 acusados e 64 presos (dos quais dezoito continuam atrás das grades). Nas contas do Ministério Público Federal, a roubalheira somaria algo na casa de 2,1 bilhões de reais, se contabilizados apenas os crimes denunciados. Enquanto as acusações do caso saem de Curitiba, tendo a sala do juiz Sergio Moro como o epicentro dos trabalhos, a defesa dos envolvidos concentra-se em São Paulo. Hoje, cerca de trinta bancas daqui atuam na defesa dos investigados na Lava-Jato. Juntas, movimentariam algo em torno de 70 milhões de reais em honorários nesta fase inicial, segundo estimam profissionais do ramo. Na defesa dos encrencados do petrolão, há desde Luiz Flávio Borges D’Urso, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo e responsável pelo tesoureiro petista João Vaccari Neto, até o gigante jurídico Pinheiro Neto, empresa que tem cerca de 330 advogados. Isso fora os escritórios do ramo cível, com missões como renegociar acordos com credores. “Uma operação desta magnitude vai bem além da área criminal”, observa Joel Thomaz Bastos, do DCA, especialista em insolvência de empresas. 

Os vencimentos mais polpudos do setor pertenciam a Márcio Thomaz Bastos (sem parentesco com Joel), morto em novembro, aos 79 anos de idade. God (Deus), como era conhecido por seus pares, cobrava na casa de 15 milhões de reais por um único caso do tipo — na crise atual, havia assumido a “coordenação” da Odebrecht e da Camargo Corrêa. Seus contratantes levavam no pacote não só a experiência de um dos juristas mais brilhantes do país, mas o conhecimento de causa de quem, como ministro da Justiça de 2003 a 2007, reestruturou a Polícia Federal para que focasse essas ações grandiosas que marcaram o país nos últimos anos. A interlocução com o governo e com as altas cortes ajudava a acrescentar zeros aos seus vencimentos.

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Com sua partida, não restou substituto à altura da influência nem dos cachês. Mas a elite dos criminalistas paulistanos não pode se queixar do momento. Na Operação Lava-Jato, a turma mais graúda embolsa cifras entre 3 milhões e 5 milhões de reais. Esses valores são calculados levando-se em conta o tempo de dedicação e a complexidade do caso, em endereços como o dos sócios Dora Cavalcanti, 44, e Augusto de Arruda Botelho, de 37 anos.“Falam dos ganhos, mas a verdade é que um processo desses pode levar mais de dez anos de trabalho”, diz Dora, que dedica atualmente 80% da sua agenda às denúncias sobre a Odebrecht (o que antes fazia em parceria com Bastos). Uma vantagem é que boa parte do dinheiro (com frequência, metade) chega aos bolsos desses profissionais nos primeiros meses. Trata-se de uma praxe comum no direito criminal, sobretudo quando o defensor é doprimeiro time. Em alguns contratos, ainda há “taxa de sucesso”, uma espécie de bônus pela absolvição.

O trabalho intenso não se limita a sustentar teses, mas cuidar da imagem dos réus. Exemplo disso é a estratégia da advogada Joyce Roysen, 51, ao apresentar um cliente foragido à Polícia Federal em novembro. O personagem em questão era Adarico Negromonte. Acusado de transportar propina, ele é irmão de Mário Negromonte, ex -ministro das Cidades. Para evitar a constrangedora cena de Adarico sendo levado algemado ao prédio, Joyce combinou com os agentes que os avisaria quando chegasse com ele a um hotel curitibano para que o buscassem. Puro blefe. No mesmo horário acertado, ela surpreendeu ao surgir carregando o cliente pelo braço para a carceragem da PF pela porta da frente. “Orientei-o a não passar pelos jornalistas de cabeça baixa ou de óculos escuros”, conta a advogada. “Fiquei arrepiada ao pegar um homem livre pelo braço e levá-lo à cela.” Adarico acabou sendo solto cinco dias depois. No escritório de Joyce, um item é obrigatório: caixa de lenços de papel, sempre a postos nos armários do imóvel elegante, com jardim exclusivo, cheio de pássaros coloridos em torno da jabuticabeira, na cobertura de um prédio na região da Avenida Faria Lima. “Homens de alto escalão chegam aqui bambambãs e muitas vezes desabam no choro”, justifica ela, que costuma posicionar sobre saltos altíssimos seu 1,53 metro de altura (as medidas não a impediram de fazer ponta como dançarina em um especial de Roberto Carlos na Rede Globo, nos anos 80).

A preocupação dos citados se estende além do processo. Inclui, atualmente, o medo de a carreira derreterem meio ao mar de lama. “O executivo envolvido sabe que nem a empreiteira vai querer tê-lo nem ele deseja seguir no emprego”, relata o defensor de um dos presos. No plano íntimo, o desespero é com a possível implosão de casamentos, com a devassa em escutas telefônicas. “Vi umas três ou quatro vezes a amante descoberta pela mulher que teve acesso à transcrição do áudio de um grampo da Justiça”, diz Maíra Salomi, que era a única sócia de Thomaz Bastos. Na Lava-Jato, os protetores são zelosos com conversas que podem indicar uma vida dupla, como gracejos com interlocutoras femininas — os alvos, trancafiados ou não, costumam ser consultados antes do compartilhamento das transcrições com a família. 

Para o juiz Sergio Moro, as prisões de executivos têm sido necessárias “para preservar a ordem pública, prevenindo a reiteração e a continuidade dos crimes, diante da constatação de sua duração por anos, atualidade e habitualidade criminosa”, conforme declarou em despacho. Os defensores, porém, o criticam.“É algo excessivo, sem necessidade”, afirma Augusto de Arruda Botelho. O mais colunável entre seus pares (sócio do badalado clube Lions, coproduziu o longa Tim Maia e se casará em abril com a top model Ana Claudia Michels), Botelho preside o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD). Criado em 2000, composto da nata da advocacia penal, com nomes como Arnaldo Malheiros Filho, briga não só para que as boas práticas processuais sejam respeitadas na Justiça, mas pela melhor compreensão do que fazem. “As pessoas ficam revoltadas ao ver personagens de escândalo defendidos legitimamente, mas, quando são acusadas de alguma coisa, elas vão atrás dos melhores profissionais do direito criminal”, pondera o advogado. 

A turma do instituto acha, por exemplo, um disparate a polêmica em relação ao encontro que alguns deles tiveram com o ministro José Eduardo Cardozo (Justiça). “Fomos reclamar sobre o vazamento de informações sigilosas do processo”, diz Dora Cavalcanti, que nega ter ouvido de Cardozo dados privilegiados sobre a perspectiva de a ação esfriar. “Casos com repercussão na imprensa são difíceis, pois o Judiciário acaba pressionado pela opinião pública, o que cria situações desproporcionais, como se alguém não tivesse direito à defesa”, queixa-se Celso Vilardi, de 47 anos, que atende João Ricardo Auler, presidente do conselho de administração da Camargo Corrêa. Na semana retrasada, dois executivos da construtora, o presidente, Dalton Avancini, e o vice, Eduardo Leite, fecharam acordos de delação premiada no caso Lava-Jato. Quem cuida dos interesses de Avancini é o advogado Pierpaolo Bottini, que tem escritório nos arredores da Avenida Paulista. Aos 38 anos, ele é um dos ascendentes do ramo. Docente da USP, onde se graduou e fez doutorado, é considerado um dos melhores oradores da turma. “Só me recusaria a trabalhar por alguém que praticou injúria racial, por questões familiares”, explica Bottini, que adotou um garoto negro há três anos. Quando o bebê chegou, ele se dedicava a tentar livrar do mensalão o Professor Luizinho — o êxito na absolvição ajudou a destacar seu nome. “Eu treinava a sustentação oral dirigindo-me ao berço”, lembra. 

Nesse meio, bastiões e novatos tendem a uma relação cordial. Thomaz Bastos era uma espécie de coordenador-geral do segmento — chegou a repassar clientes aos concorrentes. O veterano Alberto Toron, de 56 anos, defensor da construtora UTC, também se dá bem com a maioria. Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, que ao longo da carreira atendeu criminosos como Paulo César Farias e Suzane von Richthofen, é admirado, mas cria algumas rusgas graças ao comportamento que ele próprio define ser “explosivo”. Entre as várias lendas que circulam a seu respeito está o episódio no qual teria expulsado aos gritos um alfaiate que observou nele certo ganho de peso— algo que ele nega. Aos 69 anos, está mais doce (em sua sala, a propósito, o combo água e cafezinho das reuniões é incrementado por uma barra de chocolate com o brasão do seu escritório), mas vê com ressalvas a mudança do perfil dos criminalistas, que até a década de 90 tinham sua elite voltada para casos mais comuns, como homicídio. “O direito penal se tornou rentável nos últimos anos, mas perdeu o romantismo. Os jovens estão muito preocupadoscom dinheiro e projeção”, diz. “Com tanto foco empresarial, ficam distantes da realidade. Eu mesmo era um burguês criado em uma redoma e me humanizei no mundo dos júris e prisões estaduais”.

Direito Artesanal
Direito Artesanal ()

Enquanto há vinte anos as estrelas do ramo se fixavam em torno da República e da Sé, perto de prédios do Judiciário, hoje os mais afamados se espalharam na cidade. Um dos escritórios resistentes na região central é o de Oliveira Lima, no Edifício Itália. “Juca”, para os amigos, tem três filhos com a jornalista Monica Dallari (atualmente com Eduardo Suplicy) e um com a advogada Stela Costa. Fumante de cinco cigarros por dia, apesar de um enfisema pulmonar, possui no portfólio nomes como os banqueiros Salvatore Cacciola e Daniel Dantas e o ex-médico Roger Abdelmassih, de quem se tornou padrinho de casamento meses antes de o condenado por múltiplos estupros fugir para o Paraguai. A despeito dos casos ruidosos, é conhecido como o mais discreto entre os grandes. Às vésperas do Carnaval, estava no ensaio da escola de samba Vai-Vai, sua cliente, quando surgiu ali o ministro Joaquim Barbosa, que ajudou a colocar atrás das grades seu cliente José Dirceu. No momento em que os ilustres presentes foram chamados ao palco, Juca havia saído à francesa, para evitar a constrangedora foto dos antagonistas de corte caindo juntos no samba.

Com a mudança gradual de foco dos profissionais de direito penal, a partir da Lei do Colarinho Branco, que regulou crimes contra o sistema financeiro em 1986, os eixos empresariais modernos, como a Avenida Paulista, tornaram-se atraentes. Em geral, esses escritórios são parecidos na decoração sóbria, como se pertencessem a uma só franquia: estantes de livros jurídicos por todos os lados, placas com prêmios de reconhecimento, amplas salas de reunião com microfones para conversas telefônicas em viva-voz (o perfil de seus titulares também não muda muito: são quase sempre paulistanos nascidos em bairros nobres e graduados nas melhores universidades, como USP e PUC). Na Avenida Faria Lima, fica o escritório que era de Márcio Thomaz Bastos. A única sócia, Maíra Salomi, de 30 anos — ela foi sua estagiária no passado e tem cota de 5%—, prepara-se para se mudar do local. Vai para a Alameda Itu, levando com ela clientes importantes, como o Banco Rural. Dias antes de morrer, o jurista chamou a advogada ao Hospital Sírio-Libanês para, balbuciando com dificuldade por entre a máscara de oxigênio, contar segredos a respeito de um cliente que os dois haviam visitado em Miami — foi na volta dessa viagem (ele seguia na primeira classe e ela na executiva) o momento no qual teve a embolia pulmonar, que motivou sua internação.

A única sócia de God
A única sócia de God ()

Bastos apresentava tosse constante havia meses, devido à capacidade pulmonar reduzida, mas cedeu à insistência desse cliente, um brasileiro em prisão domiciliar na cidade da Flórida. Um descuido para um homem regradíssimo com a saúde, que não dispensava o cochilo na poltrona Charles Eames no início da tarde e tinha reuniões tensas interrompidas pela secretária, que decretava ser a hora de tomar o iogurte com linhaça ou da porção de três amêndoas indicada por nutricionistas. “Ele faz falta tanto em questões pessoais quanto para trocar opiniões no dia a dia de trabalho”, diz Vilardi, seu inquilino em uma sala comercial de 400 metros quadrados na Faria Lima e um dos amigos mais próximos, com quem almoçava semanalmente e que recebia como hóspede em sua casa no luxuoso condomínio Quinta da Baroneza, a 90 quilômetros da capital.

A cadeia de elogios mútuos rasgados, comum nesse meio, é interrompida quando surge o nome de uma advogada que tem dado o que falar: Beatriz Catta Preta, a “musa das delações premiadas”. Com a mudança na legislação em 2013, que prevê a extinção ou a redução de até dois terços da pena a quem aceita o acordo, ela tem se destacado. Atuou em nove dos quinze depoimentos desse gênero na Lava-Jato, com clientes como Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, e Júlio Camargo, ligado ao grupo Toyo Setal. Quase todos os colegas são contrários ao mecanismo. Com isso, Beatriz passou a ser atacada pelos pares. “Minha visão sobre ela é a pior possível”, diz Arruda Botelho.“Não é uma advogada. O que ela faz é abrir mão de direitos dos clientes. É uma negociadora”, ataca.

Beatriz não comenta o valor recebido por delação (nega apenas que a faixa de até 2 milhões de reais, estimada no mercado, esteja correta), mas enfatiza a legitimidade do recurso: “Vejo como uma opção a quem responde a uma ação, uma vez que há possibilidade até mesmo da concessão do perdão judicial”,avalia. “É uma decisão personalíssima do investigado,que, juntamente com a família, avalia os reflexos desse caminho em sua vida pessoal e profissional.”Pós-graduada em direto penal empresarial pela Fundação Getulio Vargas, a advogada acredita ter tantos casos nas ações atuais graças à sua experiência, que chega a vinte delações. No mensalão, atuou no depoimento do operador financeiro Lúcio Funaro. Por saberem pouco sobre ela, alguns a apelidam de “DoutoraCaixa-Preta” (outros, de “Gata Preta”, por considerá -la bonita). “Há inveja e tentativa de desmoralizá-laporque as delações dificultam a defesa, mas os clientes devem estar felizes”, opina um graduado jurista.

Sejam quais forem os próximos capítulos doescândalo, não faltará trabalho para quem se diplomouem direito. Nesta nova fase de investigações,deve ocorrer uma saia justa: parlamentares podembater à porta dos mesmos escritórios que já cuidamda defesa dos empresários das construtoras. Como uma das estratégias de defesa dos executivos é dize que pagaram propina aos políticos para não comprometer a sobrevivência dos negócios de suas companhias, não haveria aí um grave problema de ética dos criminalistas? “Se um não tem nenhum envolvimento com o outro, pode não haver problema”, diz Vilardi. Para os homens de beca no olho do furacão na Lava-Jato, é mesmo hora de aproveitar: o vento nunca soprou tão favorável para brilhar e faturar.

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