A revista americana National Geographic veiculou há pouco no seu site uma reportagem sobre o café no Brasil. O título é “Too hot for coffee” (quente demais para o café, em português). Analisa o impacto da seca recente na produção do país e no preço mundial da bebida, além de buscar o melhor cafezinho da cidade de São Paulo, porque, afinal, ninguém é de ferro. Encontra-o na Vila Madalena, aqui, perto de casa, bairro que o autor do texto chama de hipster. Talvez você já conheça esse termo. De tão popular em inglês, vai passando, aos poucos, para a língua de Machado de Assis. Denota um jeito de ser e uma maneira de se apresentar. Entre as definições que se encontram pela internet, a melhor me parece ser “moderninho blasé”.
Gostaria de pensar que a Vila Madalena é mais animada do que isso. Passeio com frequência pelo bairro e blasé não é a primeira palavra que me ocorre, sobretudo de noite, nem moderninho, para dizer a verdade. Como o Brooklyn, o bairro mais badalado de Nova York no momento, é hipster, então talvez seja elogio. Resolvi, ali na cama, onde lia a reportagem, logo cedo no sábado, que o entenderia dessa forma, sem mau humor, ou quase.
Para dizer a verdade, o que me irritou não foi a National chamar a Vila Madalena de hipster. Foi o fato de a revista gringa localizar o melhor cafezinho da “minha” cidade em um estabelecimento que eu ainda não conhecia. E aqui do lado. Já ouvira falar do Coffee Lab, não se preocupe. Não sou tão antigo assim. Notara quando foi eleito — mais de uma vez, aliás —– a melhor cafeteria pela edição especial “Comer e Beber” de VEJA SÃO PAULO. Sabia, inclusive, onde fica. Vários amigos meus, inclusive minha filha, seu namorado e até mesmo meu chefe, já haviam insistido para que eu visitasse o estabelecimento. Mas, como acho que já conheço tudo no bairro, resisti. Depois de uma certa idade, você vai entender.
Mas dou a mão à palmatória. É diferente e melhor do que eu imaginava. Traz para o café a cultura do vinho. Diz onde os grãos foram cultivados (com direito a coordenadas de latitude e longitude) e por quem. Conta a história de cada xícara e de cada comidinha, ou no cardápio, ou oralmente, numa versão apresentada pelo atendente.
Houve um tempo em que não importava saber de onde vinha nossa comida. Bastava ser boa, barata ou fácil. Isso mudou, pensei, ali na mesa comunitária do Coffee Lab, enquanto lia o quadro branco cheio de textos na parede ao meu lado. Queremos agora acompanhar toda a história dos nossos alimentos. O marketing do fast-food se baseou em sua conveniência e baixo custo apenas. Ou, quando muito, numa ficção construída em torno de personagens infantis, como Ronald McDonald.
O marketing das comidas e bebidas gourmets se volta, cada vez mais, para a não ficção. São narrativas verdadeiras e complexas. Os ingredientes são plantados, cultivados, preparados, torrados e cozidos de maneira sofisticada e delicada. Chegam de terras vizinhas ou distantes. Trazem com eles qualidades — caractères — excepcionais, tal como acontece nos melhores romances e filmes. E, também, nas reportagens de terras exóticas da National.