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Por Arnaldo Cheixas
Terapeuta analítico-comportamental e mestre em Neurociências e Comportamento pela USP, Cheixas propõe usar a psicologia na abordagem de temas relevantes sobre a vida na metrópole.
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Marta, o feijão e o amor

Marta tem uma obsessão por organização. Mantém todas as suas coisas sob absoluto controle. Em sua casa, cada coisa tem um lugar exato para ficar. As roupas são divididas por tipo e depois por cor. E não é só no guarda-roupa… no varal também. Das maiores para as menores, das mais escuras para as mais […]

Por VEJASP
Atualizado em 26 fev 2017, 20h12 - Publicado em 25 nov 2014, 13h37

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Marta tem uma obsessão por organização. Mantém todas as suas coisas sob absoluto controle. Em sua casa, cada coisa tem um lugar exato para ficar. As roupas são divididas por tipo e depois por cor. E não é só no guarda-roupa… no varal também. Das maiores para as menores, das mais escuras para as mais claras. Sua bolsa também traz tudo rigorosamente organizado. Documentos na primeira seção, objetos de higiene na segunda e a parte mais espaçosa reservada para colocar alguma blusa quando necessário. As notas de dinheiro na carteira sempre organizadas das de maior valor para as de menor valor. Marta anda sofrendo por conta das novas cédulas, já que cada uma delas tem um tamanho diferente. Para quem, como Marta, tem traços obsessivos, isso é o fim da picada. Cadê o governo?!

A energia e o tempo gastos por Marta para manter a vida sob controle são enormes. Uma vez ela deixou de ir à comemoração do aniversário de uma amiga simplesmente porque precisava organizar o novo material da faculdade. Ela sofre com isso. Mas ela não percebe que o problema é exatamente o excesso de organização e controle. Dentro de sua lógica, ela acredita que o problema é que as pessoas não são organizadas ou que o mundo tem se voltado contra ela. Mas a interpretação mais frequente, igualmente triste, é a de que ela não está dando conta de suas coisas, o que gera culpa. É um sofrimento interminável, já que Marta cobra muito de quem está perto dela e, principalmente, de si mesma.

Sempre que seu marido vai ao supermercado ele tem de lidar com uma tensão significativa por saber que, provavelmente, comprará algo que estará em desacordo com as regras de Marta. Esta é uma cena frequente no cotidiano do casal. Já faz alguns meses que o marido de Marta vem tentando comprar o sabão certo para a cozinha. A cada vez uma insatisfação diferente de Marta. “Este sabão não tem espuma!”… “Você trouxe aquele que derrete demais!”… “Este tem cheiro ruim!”. Esta reação de Marta ao comportamento do marido gera um afastamento entre eles e um clima desagradável que dura dias, às vezes semanas. Como situações similares a esta se sucedem com certa frequência, o clima desagradável está quase sempre presente no relacionamento conjugal.

Certa vez o marido comprou uma marca diferente de feijão. Marta foi implacável: “Eu já disse pra você que este feijão não fica macio como aquele que eu pedi para você comprar”. O marido explicou que não tinha daquela marca e ela emendou: “Quando não tiver, não compre!”. Neste momento ele teve um insight! Lembrou-se de que certa vez deixou de comprar um produto por não encontrar exatamente aquele que a esposa queria e, naquela ocasião, Marta disse que ele deveria ter trazido um alternativo. Lembrar desse evento facilitou a compreensão da contradição de Marta mas, ao mesmo tempo, deixou-o muito triste por perceber o quanto essa postura de Marta os afastava.

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Mas desta vez ele aprofundou o assunto. Disse para a esposa que ele se sentia triste com esse problema porque para ele a organização e as regras, embora boas, eram questões secundárias. Ele disse que o mais importante era jantar com ela em harmonia, fosse com um feijão macio ou com um feijão duro. Disse também que se sentia incompetente cada vez que Marta dizia que ele fez algo “errado”. Ele se lembrou também de uma passagem bíblica que sua avó lhe contava quando ele era criança. “Querida… você é Marta como aquela Marta da história bíblica… aquela que se preocupava demais com tudo e perdia a melhor parte. Não está na hora de mudar? Isso me machuca demais.”

Ver o marido expressando tristeza mexeu com Marta. Ela nunca tinha notado o quanto ele sentia em cada nova situação de repreensão. De certo modo, ela pôde compreender também neste momento o quanto ela própria vivia angustiada por conta de sua obsessão por organização. E foi assim que esta história foi contada por Marta, já que ela iniciou uma terapia motivada pela vontade de lidar com sua dificuldade e de preservar o casamento. Ela está descobrindo que há mais coisas importantes nesta história que ela não conseguia notar antes.

As pessoas procuram a terapia quando há uma angústia. A mobilização para lidar com a angústia pode vir de sentimentos como mágoa, raiva ou medo mas também pode vir do amor, como aconteceu entre Marta e seu esposo. Do amor dele, pela generosidade que teve e do amor dela, pela coragem em lidar com seus fantasmas e buscar mudanças.

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