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Por Arnaldo Cheixas
Terapeuta analítico-comportamental e mestre em Neurociências e Comportamento pela USP, Cheixas propõe usar a psicologia na abordagem de temas relevantes sobre a vida na metrópole.
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Quem tem boca vaia Roma!

Sobre a importância das expectativas e do controle na resolução de problemas. Todo mundo tem de lidar com problemas diversos durante a vida. Muita coisa dá errado ao longo do tempo. Uma taça de cristal que foi presente dos padrinhos de casamento acaba caindo no chão e se quebrando. Os funcionários da repartição pública decidem […]

Por VEJASP
Atualizado em 26 fev 2017, 22h24 - Publicado em 25 mar 2014, 21h50

Sobre a importância das expectativas e do controle na resolução de problemas.

(Foto: Radius Images/Latinstock)

(Foto: Radius Images/Latinstock)

Todo mundo tem de lidar com problemas diversos durante a vida. Muita coisa dá errado ao longo do tempo. Uma taça de cristal que foi presente dos padrinhos de casamento acaba caindo no chão e se quebrando. Os funcionários da repartição pública decidem fazer greve exatamente no dia em que você retiraria seu documento. Você esquece a chave do carro em outro país quando volta das férias. O trânsito está intenso justo hoje (?), dia de reunião com o chefe. O caixa eletrônico não funciona e você não consegue sacar o dinheiro para pagar o táxi. Sua blusa nova enroscou numa farpa de parafuso mal apertado e acaba desfiando. Uma gota do caldo do feijão caiu na sua camisa clara no dia em que você visitaria um cliente novo. O pneu do carro furou… Esses são exemplos de imprevistos que atrapalham seu dia. Há também problemas que duram no tempo. Seu cunhado apareceu de surpresa e vai passar umas semanas na sua casa. Você teve de cumprir o prazo na execução de um projeto que estava atrasado. Seu irmão mais novo atrapalha você nos estudos. Seu computador pifou no meio de um trabalho importante. Você precisa juntar dinheiro para pagar uma dívida. Seu vizinho deixa a tampa da lixeira aberta e o odor ruim vai para o seu apartamento. O vazamento no jardim só piora. Você tem uma tese para escrever e os dados não estão bons. Seu filho não segue as regras da casa.

+ É preciso saber dizer “não”

Podemos listar infinitos exemplos de problemas que acontecem nas vidas das pessoas. Por que será que tem pessoas que conseguem resolver seus problemas ao passo que outras não? Dentre as que conseguem, por que parte delas se descabela enquanto outras chegam a uma resolução com pouco custo emocional? Vamos refletir.

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O primeiro elemento relevante que atrapalha na resolução de problemas diz respeito às expectativas. Esperar algo discrepante da realidade produz dificuldades. Talvez o equívoco mais comum no que diz respeito às expectativas sobre problemas seja esperar que eles não aconteçam. Pessoas que esperam que nada dê errado acabam tendo de dar conta de duas consequências diante de um problema: maior sofrimento emocional (por haver menos tolerância) e menor flexibilidade para desenvolver soluções, o que faz com que elas demorem mais para serem construídas. Há, ainda, uma consequência secundária, que é a geração de um estado de angústia constante. Quem se vê como azarado por achar que os problemas lhe perseguem pode acabar deprimido. Mas há também quem culpe sistematicamente o ambiente pelos problemas que tem. Essa pessoa pode se tornar alguém “mal humorado” e, com isso, afastar as companhias de si. Tanto num caso como no outro, a pessoa vivencia uma angústia que se cronifica. É essencial, portanto, saber que você necessariamente terá de lidar com algum problema em breve… e depois outro, e depois outro… E não se trata de pessimismo. A ideia é justamente você aproveitar melhor o tempo que tem na ausência de problemas.

+ Como controlar o estresse no trânsito

Lembro-me de um paciente que andava bastante irritado ao longo de semanas por ter batido o carro. Ele atribuiu todas as dificuldades correntes à necessidade de ter de pagar a franquia do seguro do carro. Ele me disse que não contava com aquele gasto: “Não tinha como prever que eu bateria o carro.” Eu lhe disse: “Colidir o seu carro às 8h37 daquela terça contra um veículo vermelho dirigido por um homem de camiseta rasgada na esquina de casa era totalmente imprevisível mas… bater (genericamente) o carro é altamente previsível, principalmente numa cidade como São Paulo.” Não esperar que problemas aconteçam nos faz exagerar o valor daqueles mais cotidianos, como bater o carro, e acaba nos tirando energia quando estamos diante de problemas maiores. Assim, aceitar que algum problema vai acontecer evita a irritação disparada pela surpresa.

Outro elemento importante na resolução de um problema presente é a separação do que é controlável daquilo que não é. Isso depende de uma habilidade que, na clínica, chamamos de capacidade discriminativa. Não temos controle absoluto sobre o ambiente e nem sobre nós mesmos. Mas normalmente podemos exercer algum controle em qualquer situação. Saber separar os eventos controláveis dos incontroláveis permite que direcionemos nossas energias para aquilo que efetivamente fará diferença na resolução do problema. Isso significa menos tempo para acabar com o problema e ausência dos problemas emocionais gerados pela frustração causada pelo incucesso.

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Imaginemos a situação do motorista que leva mais de uma hora para chegar no trabalho e o mesmo tempo para retornar dele para sua casa. Se ele não separar os eventos controláveis dos incontroláveis, ele passará muito estresse em função daqueles que estão fora do seu controle mas que ele trata como se estivessem sob seu controle. Nesse exemplo, são incontroláveis o fato de existir o trânsito, o comportamento dos outros motoristas, um carro quebrado, um acidente, a chuva etc. Muitos motoristas dedicam parte significativa de sua energia e de suas emoções a esses fatores. Mas esse esforço não modifica a realidade. Por exemplo, ofender aos berros alguém que tenha bloqueado sua passagem não vair evitar que ocorra outra fechada mas terá elevado sua frequência cardíaca e terá liberado cortisol em sua corrente sanguínia, de modo a produzir problemas de saúde depois de um tempo reproduzindo o mesmo padrão. O motorista também pode dirigir com máxima atenção para evitar de ser prejudicado por outro motorista. Embora ele possa “evitar” de ser passado pra trás, ele não resolveu de fato seu problema, que é passar mais de uma hora no trajeto para o trabalho, ou seja, ele está gastando energia à toa naquilo que está fora de seu controle de fato. Com isso, acaba lhe escapando aquilo que realmente ele pode controlar: o horário de sair de casa, o engajamento em iniciativas sociais que busquem um planejamento melhor da cidade, a escolha do meio de locomoção etc.

Outro exemplo dessa dificuldade em separar o controlável do não controlável tem a ver com a identidade moral dos brasileiros. Em bancos, lojas ou repartições públicas já vi muitas vezes as pessoas reclamando do serviço. A fila é longa, a espera é muita, a atenção dada pelo atendente não é satisfatória e assim por diante. O problema é que, de um modo geral, as pessoas reclamam entre si e não para quem pode modificar aquela realidade, que são os atendetes ou o gerente do local. A reclamação, muitas vezes, é dirigida ao responsável depois de um esgotamento coletivo, caso em que os desdobramentos podem chegar até a agressões físicas. Quando isso não acontece, ainda assim as pessoas vão embora insatisfeitas e estressadas, o que faz com que sejam agressivas com outros com quem venham a interagir depois. Enfim, se demorássemos menos tempo para reclamar do que não está bom, certamente chegaríamos mais rapidamente à solução e sem efeitos colateriais tão maléficos.

Do ponto de vista clínico, portanto, podemos minimizar ou evitar problemas secundários a um problema original tomando esses cuidados: 1) evitar a expectativa equivocada de que nunca deve haver um problema; 2) identificar o que é controlável durante um problema; 3) atuar sobre esse conjunto e; 4) não investir energia no que é incontrolável.

A persistir a disfuncionalidade, um terapeuta deverá ser procurado.

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