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Por Arnaldo Cheixas
Terapeuta analítico-comportamental e mestre em Neurociências e Comportamento pela USP, Cheixas propõe usar a psicologia na abordagem de temas relevantes sobre a vida na metrópole.
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A ditadura da felicidade

As estantes das livrarias, os sítios na rede mundial de computadores, as lojas e (até mesmo) os consultórios dos vários profissionais de saúde estão repletos de “produtos” que nos oferecem receitas de como alcançar a felicidade. Temos itens (livros, programas de treinamento, workshops, retiros) para administrar as finanças, o tempo, as relações com superiores hierárquicos, […]

Por VEJASP
Atualizado em 26 fev 2017, 23h27 - Publicado em 25 nov 2013, 19h59

As estantes das livrarias, os sítios na rede mundial de computadores, as lojas e (até mesmo) os consultórios dos vários profissionais de saúde estão repletos de “produtos” que nos oferecem receitas de como alcançar a felicidade. Temos itens (livros, programas de treinamento, workshops, retiros) para administrar as finanças, o tempo, as relações com superiores hierárquicos, com subordinados, com vizinhos, com sogras, com o cônjuge, com animais de estimação… Parece que para qualquer necessidade que tenhamos, há alguma receita de como devemos proceder para atingir nossos objetivos. Os objetivos de cada um compõem um objetivo maior, compartilhado por todos: alcançar a felicidade. E, se você não se sente feliz o tempo todo, certamente está fazendo algo errado.

Essa busca incessante pela felicidade traz dois problemas para o indivíduo. O primeiro é que eleva consideravelmente seu nível de ansiedade, fazendo com que ele passe a buscar sempre algo a mais que lhe garanta atingir ou manter seu sentimento de felicidade. O outro problema é que, ao buscar sempre por algo mais, o indivíduo acaba se frustrando constantemente, tanto pelo que não conseguiu quanto pelo efeito nem sempre significativo — daquilo que conseguiu — sobre a felicidade.

Lembro-me de um episódio dos Simpsons em que Homer busca de maneira obsessiva um lanche fornecido em edição especial por uma rede de lanchonetes, o famoso ribwich (algo como sanduíche de costela, numa tradução livre). Nessa jornada ele acaba conhecendo um grupo de admiradores do lanche que viajam pelo país de acordo com o programa de fornecimento da rede de lanchonetes. Onde o ribwich estava sendo vendido, lá estavam eles. Ao aderir a essa busca obstinada, Homer acabou negligenciando a atenção para sua filha Lisa, que estava participando de um concurso de soletração e esperava o apoio do pai. Mas Homer só tinha tempo para o ribwich.

Homer Simpsom e o ribwich: (Foto: Reprodução)

Homer Simpson e o ribwich: a busca incessante pela satisfação (Foto: Reprodução)

Esse cenário do desenho dos Simpsons mostra bem o que acontece conosco em nosso padrão ocidental atual. Buscamos coisas que nos tornem felizes e acabamos deixando de lado aquilo que realmente importa. Há uma infinidade de ribwichs a nossa disposição: automóveis, pacotes de viagens, uma casa no condomínio, empregos desejados, títulos de clubes exclusivos e assim por diante. Mesmo quando depositamos nossas expectativas de felicidade em fatores não materiais, corremos o risco de sentir frequentes frustrações por não alcançarmos a felicidade. E é exatamente nesse ponto que a ditadura da felicidade pesa. Se passamos alguns dias num certo estado de tristeza, achamos que estamos fazendo algo errado. Somos induzidos a acreditar que estamos errando e que deveríamos mudar algo. Corremos atrás dos livros e terapias que nos dizem que precisamos mudar nossas vidas e que nos ensinam como sermos felizes. Nessa busca frenética, reproduzimos a obsessão de Homer Simpson e deixamos o essencial de lado.

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No meio da tristeza, às vezes temos apenas de fazer silêncio. Curtir a fossa, como costumo dizer aos meus pacientes. Não adianta apressar as mudanças. Para mudar um sentimento é preciso tempo. Não se muda um sentimento por uma simples decisão voluntária. É preciso que as memórias se ajeitem, é preciso que nossas percepções se alterem. Tudo isso depende de mudanças nas conexões entre nossos neurônios. E essas mudanças são lentas, muito lentas. E não se coloca as coisas no lugar sem olhar para o que está ruim.

Voltando ao nosso desenho animado, Homer decidiu trocar seu último ribwich por um carro, que ele utilizou para chegar a tempo de ver sua filha soletrando na final do concurso. Brincando de analisar a personagem, é provável que o vazio deixado pelo ribwich permaneça com Homer por algum tempo. Mas pode ser que sua aproximação com a filha tenha sido o primeiro passo para que ele preencha esse vazio com algo que realmente importa. Ou seja, não adianta camuflar a tristeza com uma alegria aparente, artificial, ditada pelas expectativas da sociedade. Temos de viver a tristeza no seu tempo certo.

Quer trocar seu ribwich pelo quê?

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