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Indicações do que assistir no teatro (musicais, comédia, dança, etc.) por Laura Pereira Lima (laura.lima@abril.com.br)
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Paulo Marcello e os 25 anos da Razões Inversas: “essa dicotomia entre ‘teatro comercial’ e ‘arte’ não é verdadeira”

O ator e diretor Paulo Marcello, de 50 anos, tem praticamente metade da sua vida voltada para um projeto teatral. A Cia. Razões Inversas, fundada pelo diretor Marcio Aurelio e um grupo de estudantes da Unicamp, chegou aos 25 anos fiel a uma proposta de coerência artística e estética. Deste quarto de século, Paulo Marcello […]

Por Dirceu Alves Jr.
Atualizado em 26 fev 2017, 15h24 - Publicado em 23 jul 2015, 14h46
O ator e diretor Paulo Marcello: 25 anos da Cia. Razões Inversas (Foto: Day Porto)

O ator e diretor Paulo Marcello: 25 anos da Cia. Razões Inversas na Funarte (Foto: Day Porto)

O ator e diretor Paulo Marcello, de 50 anos, tem praticamente metade da sua vida voltada para um projeto teatral. A Cia. Razões Inversas, fundada pelo diretor Marcio Aurelio e um grupo de estudantes da Unicamp, chegou aos 25 anos fiel a uma proposta de coerência artística e estética. Deste quarto de século, Paulo Marcello só não esteve dentro durante dois anos, quando saiu para testar novos ares. Uma mostra comemora os 25 anos da Razões Inversas no Complexo Cultural Funarte, com espetáculos como “Agreste”, “Marica”, “A Espera Dela”  e “Filoctetes”, e Paulo Marcello nos fala sobre o feito de manter uma companhia por tanto tempo e sobre como a Razões Inversas se encaixa no teatro de hoje.

+ Confira a programação da mostra Razões Inversas.    

Em tempos de individualismo e egos maiores que o talento e a capacidade de trabalho, como se explica uma companhia de teatro chegar aos 25 anos?

Egos grandes e individualismo são comuns em todas as áreas e é normal que se encontrem principalmente no entretenimento e na mídia. Mas um trabalho continuado e consistente no teatro exige muita persistência e força de vontade, ainda mais em uma companhia de teatro. O fato de a Razões Inversas ter nascido no âmbito da universidade deu a ela suas principais características, como o processo continuado da pesquisa do fazer teatral, de investigação das possibilidades da cena, de reflexão e prática do processo de criação. Ainda na Unicamp, decidimos que seriamos uma companhia e não um grupo, pois sentíamos que assim ela poderia se tornar um espaço aberto de pesquisa e criação.

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+ Os indicados ao Prêmio Shell do primeiro semestre.

Como uma companhia formada por estudantes da Unicamp se transforma?

Dezenas de atores já passaram pela companhia. Sempre mantivemos o espaço aberto para que novos atores que se formavam passassem a fazer parte dela. Depois de dez anos, chegamos a um impasse. Na época, tínhamos acabado de montar “A Arte da Comédia”, com um elenco de treze pessoas, e a manutenção do trabalho nessas condições era extremamente difícil. Paramos o trabalho e eu mesmo me afastei por dois anos. A companhia passou a ser formada pela turma de formandos da Unicamp de 2000 com as montagens de “Édipo Rei” e de “Fausto Zero”, de onde saíram os atores Chico Carvalho, Eduardo Reyes e Kátia Daher. Em 2003, eu, Marcio e o Joca (o ator João Carlos Andreazza), após o trabalho realizado nos “Luzíadas” de Ruth Escobar, sentamos para repensar o trabalho, desta vez em novos moldes, com o núcleo reduzido. Decidimos realizar uma pesquisa sobre teatro narrativo sem saber o que faríamos. Um dia, o Marcio nos trouxe o texto de Newton Moreno, que havia sido seu aluno e nasceu o “Agreste”. Um núcleo reduzido foi a maneira que encontramos para manter o trabalho e viabilizar um projeto que não tinha apoio financeiro, seja de patrocínio, leis de incentivo ou entidades como o Sesc ou Sesi.

Indy Tavares, Day Porto e Ana Carolina Godoy em "A Espera Dela" atração inédita na Funarte (Foto: João Caldas)

Indy Tavares, Day Porto e Ana Carolina Godoy em “A Espera Dela” atração inédita (Foto: João Caldas)

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É o poder do Marcio Aurelio como mentor?

O Marcio sempre foi um mestre nos impulsionando com sua constante insatisfação e busca de aprimoramento, nos ensinando e nos estimulando a pensar o teatro. Trabalhar com ele não é uma tarefa fácil, pois nunca se contenta com o mais fácil. Somos obrigados a nos superarmos a cada instante, seja dentro de um trabalho ou entre um trabalho e outro.

Com a saída do Joca, você é o único ator da formação original, não? Repito de certa forma a pergunta anterior agora sob o ponto de vista do artista. O que o mantém firme na companhia?

Atualmente além de mim, temos o Washington Luiz, que voltou à companhia e faz parte da formação original. O Joca, apesar de também ser da primeira turma, se juntou à companhia de fato só em 1994 e, como muitos outros, passou por idas e vindas. Durante dez anos, ele foi meu companheiro de cena e pela nossa formação semelhante pudemos desenvolver uma grande parceria no palco. A companhia sempre foi um espaço aberto e eu mesmo cheguei a me afastar por um determinado período.

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+ Leia entrevista com Washington Luiz sobre “Marica”.

Existe então, acima de tudo, a vontade de você seguir um projeto de companhia com o Marcio Aurelio?

Comecei no teatro em São Paulo trabalhando em um grupo que tinha a direção da Cristiane Paoli Quito e já admirava o trabalho do Marcio Aurelio de montagens como “Lua de Cetim”, “Trágico à Força”, “Pássaro do Poente”, entre outras. Sempre acreditei no teatro não apenas como uma forma de entretenimento, mas, acima de tudo, como expressão artística. Na época em que estávamos nos formando sob sua direção, sabia que ele buscava criar uma companhia de teatro. Apesar de já ser um diretor reconhecido, querido pela mídia e procurado por diversos atores famosos, ele queria um espaço no qual pudesse desenvolver o trabalho de encenador. Creio que nossa parceria se fortaleceu e segue até hoje por termos objetivos semelhantes. Hoje em dia, o Marcio é, além de mestre, um amigo e companheiro de jornada teatral.

Paulo Marcello e Clóvis Gonçalves em "Agreste": amor e poesia desde 2004

Paulo Marcello e Clóvis Gonçalves em “Agreste”: obra-prima de amor e poesia desde 2004

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 “Agreste” fechou uma década. Muita coisa mudou nesse tempo sobre a questão da sexualidade e da homossexualidade e, em alguns pontos, constatamos retrocessos inimagináveis. Você nota que a plateia lê o texto de outra maneira nos últimos anos? Existe alguma reação diferente, talvez mais conservadora?

De maneira nenhuma, eu sinto esta mudança no público. O espetáculo continua encantando e tocando as pessoas da mesma forma. Quando estreamos, tivemos alguns raríssimos episódios de pessoas que reagiram agressivamente ao espetáculo. Uma vez, na temporada do Teatro Aliança Francesa, um espectador se levantou indignado na hora em se revelava a identidade do homem, dizendo que se soubesse que era “aquilo” não teria vindo. Ele esperava que o grupo que estava com ele, formado por umas dez pessoas, saísse também, mas ninguém se levantou e ele ficou muito nervoso, andando de um lado para o outro no saguão do teatro, esperando a peça acabar. Creio que sempre que mudanças acontecem, surgem reações contrárias a essas mudanças. As pessoas que antes escondiam ou não tinham motivo para afirmar seus preconceitos, passam a demonstrá-los publicamente, principalmente nas mídias digitais ou quando estão em grupo. No caso do “Agreste”, sempre buscamos uma abordagem que aproximasse o espectador, que o conectasse com aquela história de amor, para, em seguida, revelar todo o horror da intolerância. Sim, é amor e ponto e essa compreensão de certa maneira ajuda a combater o preconceito.

+ Leia entrevista com o ator Rodrigo Pandolfo.

Tem faltado poesia ao teatro atualmente? Ou o teatro deixou a poesia de lado para ser digerido pelo público que vai ao teatro? 

O teatro como produto para ser digerido pelo público existe desde sempre. Algumas peças têm mais ou menos pretensões artísticas. Nós acreditamos que um espetáculo de qualidade, que fala ao público contemporâneo, não é incompatível com um teatro que busca ser uma expressão artística. Essa dicotomia entre “teatro comercial” e “arte” não é verdadeira. “Agreste” é uma prova disso, um espetáculo com um nível altíssimo de poesia, mas que fala a qualquer público, desde o erudito ao popular, em qualquer região do nosso país e fora dele. Claro que vemos hoje a tentativa de criação de uma indústria no teatro por meio dos musicais, trabalhando com fórmulas prontas, importadas e que, muitas vezes, não tem pretensão nenhuma além do caráter de produto comercial. Creio que há espaço para todo tipo de fazer teatral. Brinco que é como restaurante. Tem espaço para o pequeno bistrô, o botecão, a rede de fast-food. O nosso é um que tenta fazer uma comida de qualidade, não em escala industrial. Buscamos um teatro artesanal, no qual não há fórmulas, onde cada trabalho é desenvolvido passo a passo. Nisso não vai uma crítica a outros tipos de trabalho. Esse é o que queremos fazer.

+ Claudia Raia estreia “Raia 30″ e relembra personagens inesquecíveis.

 O Marcio Aurelio falou em uma recente entrevista que é hora de repensar tudo. Você acha que ele se refere à companhia ou ao teatro de hoje?

Na companhia, o processo de análise do trabalho e do panorama teatral é constante. Sempre fazemos reuniões nas quais discutíamos o que vamos fazer e o que outros grupos e companhias estão fazendo. Pensar o teatro é muito importante para nós. Também falamos muito sobre o que está acontecendo no mundo, no nosso país, na política, tudo que possa influenciar nosso trabalho. Das nossas inquietações e vontades. É dessa forma que norteamos nossa trilha. Nesse momento nos interessa essa aproximação com o pensamento político em um espetáculo como o “Filoctetes”, do Heiner Müller, mas ainda não sabemos qual será o passo seguinte. A ideia de ter um grupo afiliado à companhia, como o Grupo Instante, por exemplo, vem de um projeto antigo nosso, no qual pensamos nesse processo continuidade da pesquisa abrindo espaço para novos atores. Sempre temos uns cinco projetos esperando o momento certo para acontecer e que nascem desses momentos de pensar o trabalho.

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Paulo Marcello e Clóvis Gonçalves em "Agreste": sábados e domingos na Funarte (Foto: Paulo Berton)

Paulo Marcello e Clóvis Gonçalves em “Agreste”: sábados e domingos na Funarte (Foto: Paulo Berton)

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