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Jô Bilac, 30 anos e uma obra expressiva: “tive sorte”

“Cachorro!”, “Rebu”, “Savana Glacial”, “Conselho de Classe”, “Caixa de Areia” e por aí vai… Nos últimos sete anos, o nome do carioca Jô Bilac, de 30, veio associado a espetáculos de repercussão e a expressiva obra já faz dele o dramaturgo mais produtivo da atualidade. Algo raro em sua geração, numa idade em que muitos ainda procuram […]

Por Dirceu Alves Jr.
Atualizado em 26 fev 2017, 22h06 - Publicado em 1 Maio 2014, 16h56
O dramaturgo Jô Bilac: autor de "Cucaracha" e "Popcorn" (Foto: Thadeu Nogueira)

O dramaturgo carioca Jô Bilac: autor de “Cucaracha” e “Popcorn” (Foto: Thadeu Nogueira)

“Cachorro!”, “Rebu”, “Savana Glacial”, “Conselho de Classe”“Caixa de Areia” e por aí vai… Nos últimos sete anos, o nome do carioca Jô Bilac, de 30, veio associado a espetáculos de repercussão e a expressiva obra já faz dele o dramaturgo mais produtivo da atualidade. Algo raro em sua geração, numa idade em que muitos ainda procuram se firmar em um caminho profissional. Giovanni Ramalho Bilac teve catorze textos montados em oito anos. O público paulistano parece habituado ao seu estilo, que frequentemente passa pelos palcos da cidade. A comédia “Popcorn, Qualquer Semelhança Não É Mera Coincidência”, dirigida por ele e Sandro Pamponet, ocupa o Teatro Nair Bello até dia 18. No elenco, Alessandra Colasanti, Maria Maya, Mabel Cezar, Ricardo Santos e Vinícius Arneiro. É assinada por Arneiro, velho parceiro e um dos fundadores da Cia. Teatro Independente, a direção da comédia dramática “Cucaracha”. Com estreia prometida para quinta (8), no Sesc Santo Amaro, a montagem é protagonizada por Carolina Pismel e Júlia Marini. E Jô Bilac nos fala um pouco sobre como tudo isso começou e se mantém.

Você é filho de um indiano com uma brasileira e passou a infância em Madri. De que forma esse grande número de referências culturais formou seu teatro? 

Sim, morei em Madri até os oito anos. Sou filho de pai indiano e de mãe brasileira. Acredito que essa mistura intercontinental me trouxe logo cedo a conclusão de que seja na Ásia, na Europa ou na América do Sul, o instinto humano está ali, com toda sua beleza e horror. Existe um paradoxo que vai além de qualquer cultura, que é a vida e a morte. Daí você entende aquele ditado: fale da sua tribo e estará falando do mundo.

Como começou o interesse pela dramaturgia? Você era aquela criança que escrevia e lia sem parar desde sempre?  

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Sempre gostei de escrever, desde menino. Tive sorte de vir de uma família que tinha uma biblioteca em casa e logo cedo surgiu essa relação afetiva com a palavra. Por ter passado a infância fora do Brasil, uma das formas de aprender a língua portuguesa foi escrever pequenos contos, algumas crônicas e ler. O desejo de ser romancista parecia latente, mesmo depois, morando já no Brasil,  lembro nas férias escolares de meus amigos ficarem revoltados: “você vai passar suas férias escrevendo?”. Mais tarde, fiquei fascinado com a ideia de ver a palavra dita em voz alta, ardendo em cena, pulsando através dos atores e redimensionada pelo público. Foi aí que comecei a entender teatro além do entretenimento, comecei a perceber teatro como força política e foi aí que escrevi, aos 18 anos, minha primeira peça “Os Mamutes”. A trama gira em torno de uma empresa de fast-food que vende hambúrguer de carne humana. A peça ficou guardada e só foi montada dez anos depois pela Inez Viana.

E como entra Nelson Rodrigues nessa história? De onde vem o seu interesse por ele até chegar a escrever “Cachorro!” e “Rebu”?

Aos 16 anos, eu acabei me atraindo pelo teatro, fundamentalmente por conta de uma montagem de um texto do Nelson Rodrigues que fui ver no centro da cidade do Rio de Janeiro. Era o primeiro texto dele, “A Mulher sem Pecado”. E como tinha esse apelo na divulgação, de ser o primeiro texto dele, e eu, na época, muito alienado em teatro, achei que o Nelson ainda estava vivo e me lembro de pedir para a produção para falar com ele. A produtora respondeu de pronto: “só se for a uma sessão espírita…”.

Nelson continua sendo sua maior influência não?  

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O Nelson me impacta pela clareza dele, pela ironia da vida, a forma como aproximam a beleza e o horror, sem maniqueísmos, admitindo a natureza humana como complexidade plena num paradoxo constante. Logo eu fui estudar na Martins Pena, a mais antiga escola de teatro da América Latina em atividade. Um oásis para um estudante de teatro. Lá conheci Paulo Verlings, Vinícius Arneiro, Felipe Abib e Júlia Marini, e juntos, mais tarde, com Carolina Pismel, formamos a Cia. Teatro Independente. Nelson era o referencial que unia a todos. O nosso primeiro trabalho, “Cachorro!”, partia desse interesse em comum pelo universo do Nelson Rodrigues, como uma provocação em busca de um próprio universo da companhia. Mas minhas referências são plurais, de outras expressões artísticas também. Nelson Rodrigues, sem dúvida, é uma delas, assim como Clarice Lispector, Caetano Veloso, Denise Stoklos, Paulo Leminski, Glauber Rocha, Jorge Amado, Rita Lee e por aí vai…

Carolina Pismel e Júlia Marini: "Cucaracha estreia no Sesc Santo Amaro (Foto: Divulgação)

Júlia Marini e Carolina Pismel: “Cucaracha” estreia no Sesc Santo Amaro (Foto: Divulgação)

Você começou a ser projetado muito cedo e, aos 30 anos, tem um trabalho consolidado e já confirmado. Como foi segurar a cabeça e continuar trabalhando, escrevendo e montando seus textos? 

Tive sorte. Eu digo muita sorte por ter conseguido espaço para encontrar parceiros e trabalhar. Teatro é coletivo, é parceria. Tive sorte de encontrar uma grande turma e aprender junto em cada trabalho. Entender a nossa profissão como privilegiada por nos dar esse espaço para refletirmos sobre nós mesmos. O teatro é tribal, trabalho e transcendência. Por isso fica bem difícil se deslumbrar. Sucesso é ter saúde, corporal e mental.

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Mas em algum momento você se viu deslumbrado? 

Estamos sempre sujeitos a elogios ou vaias, assim é a vida também. Não existe um ponto fixo. O mundo está em movimento.  Procuro ser sensível a isso, pois tenho a lucidez do meu país como um lugar de desigualdades sociais gritantes, com urgências elementares em que o deslumbramento não faz muito sentido.

Você escreve todos os dias? 

Não tenho um processo de escrita definido, estou em fase de construção (risos). Pode ser rápido, pode ser demorado… Cada encontro tem uma natureza. É uma conjunção de coisas que vai do diretor até ao momento político do país. Escrever é um atravessamento. Em alguns períodos escrevo muito e em outros não. Participei de encontros de dramaturgia pelo país. Fui do Acre até Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, trocando ideias com quem escrevia para teatro e fiquei muito feliz ao perceber a pluralidade do nosso país, as muitas vozes. Não é fácil ser autor no mundo, de teatro então… (risos). É preciso entender a questão social e o que você pode fazer não só para atrair o público, mas provocá-lo e se permitir provocado.

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Você é um dramaturgo que chama atenção pela multiplicidade. Pode ser intimista ou social, crítico ou até mais metafórico. A sua intenção é essa mesma? “Conselho de Classe”, por exemplo, não tem nada a ver com “Caixa de Areia”, que em nada lembra “Rebu” ou “Savana Glacial”...

Pois é… Não procuro muito por um estilo. Sou libriano com ascendência em libra e lua em gêmeos. Tenho usado esse argumento para justificar tanto “pode ser isso, pode ser aquilo também”. Nos textos que escrevo, eu costumo abordar diferentes pontos de vistas a respeito de uma mesma questão. Eu me interesso por personagens ambíguos, em que uma coisa não anula a outra. Vivemos num tempo de sobreposições, e a internet trouxe isso de forma “palpável”, relativizando a “verdade”, deixando obscuro o senso comum. Não quero catequizar o público, dizer como é o mundo ou como são as pessoas. Até porque nem cheguei a uma conclusão sobre o mundo e as pessoas, se é que existe alguma coisa a ser concluída. Gosto mais de provocar, colocar lenha na fogueira, deixar o público aceso.

"Caixa de Areia": temporada discreta no final do ano passado no CIT-Ecum (Foto: Paula Kossatz)

“Caixa de Areia”: temporada discreta no final do ano no CIT-Ecum (Fotos: Paula Kossatz)

Com “Popcorn” e “Caixa de Areia”, você também passa a dirigir as peças. Essa necessidade surgiu por causa da parceria com o Sandro Pamponet? Dirigir um ator com base em suas próprias palavras é mais fácil? 

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Depois de “Savana Glacial” (2010), fiquei dois anos sem escrever para teatro, sem um processo criativo. Passei esse tempo viajando, estudando, trocando ideias com colegas escritores, descobrindo parcerias. E me pareceu propício voltar em 2012 com o estímulo da direção como um corpo a corpo com a dramaturgia. Pensar o texto de dentro da cena. Um processo inverso de criação. O Sandro é um diretor com quem tenho muito diálogo, sempre me identifiquei com as provocações artísticas dele, além de ser muito mais experiente que eu na direção. Foi tão rico que, um ano depois de “Popcorn” estrear, repetimos a parceria em “Caixa de Areia”.

Sobre as duas peças atuais na cidade…. Como nasceram Cucaracha” e “Popcorn” e como você as enxerga hoje, as duas já com um tempo de estrada? 

“Popcorn” é a segunda parte de uma trilogia pessoal, surgida da minha curiosidade e necessidade de analisar o processo criativo de um autor. Começou com “Savana Glacial” e teve como última parte “Caixa de Areia”. Nas três peças, em comum, esse atravessamento de quem escreve com o que está escrito, a fusão, a simbiose, não se sabe onde é cabeça e onde é rabo.  Em “Savana Glacial”, a gênesis, o autor criando. Em “Popcorn”, o passo seguinte, a obra no mundo redimensionada por quem a lê. Em “Caixa de Areia”, além da fruição autor e leitor, o terceiro olhar: o crítico, que aproxima a obra do autor para distanciá-la numa analise autoral. Em “Popcorn”, a obra se materializa, e a matéria é inserida no mercado. O mercado é carnal, funde conceito com consumo, não tem nada de sublime. Por isso até uma encenação realista, crua, esfumaçando esses limites entre o ordinário e o divino.  “Cucaracha” é o terceiro trabalho da minha companhia, a Teatro Independente, depois de “Cachorro!” e “Rebu”. Ela foi escrita entre “Popcorn” e “Caixa de Areia”. É um espetáculo solar, uma reflexão sobre a vida e o nosso tamanho dentro do universo. Percebo que nas duas se confirma o que há de mais humano, o homem em conflito com a aleatoriedade da vida e da morte.

Maria Maya, Vinícius Arneiro e Mabel Ceazar em "Popcorn": cartaz do Teatro Nair Bello (Foto: Paula Kossatz)

Maria Maya, Vinícius Arneiro e Mabel Cezar em “Popcorn”: cartaz do Teatro Nair Bello

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