Especialistas esperam nova ‘explosão’ de Covid e Influenza em janeiro
Eles também estão preocupados com o apagão de dados sobre a gripe e a pressão no atendimento dos hospitais
Com 40 000 atendimentos por dia nos serviços municipais de saúde e uma explosão de casos nos hospitais privados, São Paulo vive uma amedrontadora onda de gripe — embora as autoridades ainda não admitam a ocorrência de um “surto”.
Números da própria Secretaria Municipal de Saúde indicam que os casos de Influenza mais que dobraram em seis dias na cidade: foram de 1 341, em 30 de dezembro, para 2 817, na última terça-feira (4). De cada 100 exames da rede pública, 25 dão positivo para o vírus — para não falar no recrudescimento da Covid-19, agora acelerada pela variante ômicron.
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Enquanto alertam para um possível “apagão” de dados sobre gripe no país, especialistas esperam um novo pico ainda em janeiro, resultado da farra de fim de ano. Na rede privada, o Hospital Sírio-Libanês registra 38,5% de testes positivos para Influenza entre os exames aplicados.
No Vila Nova Star, os atendimentos de gripe dobraram nos primeiros dias de 2022. No Oswaldo Cruz, houve um salto de 10% para 30% nos diagnósticos do vírus entre a primeira e a última semana de dezembro. O São Luiz Itaim observa alta de 30% na procura do pronto-socorro por pessoas com coriza, obstrução nasal, tosse e febre.
“Até a segunda quinzena do mês, deve acontecer outro aumento”, alerta a infectologista Regia Damous Fontenele Feijó, da Rede D’Or. “O tempo de incubação da Influenza é de dois a cinco dias, e o da Covid, é de dois a catorze dias”, completa Alexandre Naime Barbosa, chefe de infectologia da Unesp de Botucatu.
“Muitos especialistas da área da saúde esperam uma explosão de casos das duas doenças no máximo até a terceira semana de janeiro”, afirma. O surto de Influenza na cidade começou no início de dezembro, associado à disseminação da variante H3N2 Darwin, descoberta na Austrália.
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As vacinas de gripe aplicadas até 2021 não estavam atualizadas para a mutação — o Butantan já começou a produzir imunizantes contra a nova cepa. Para tentar conter a gripe, nos últimos dias do ano a prefeitura passou a disponibilizar a vacina “antiga” para todas as faixas etárias na capital.
Segundo a médica Mônica Levi, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), não existe consenso sobre uma eventual “proteção cruzada”, ou seja, não há estudos científicos que comprovem a eficácia do imunizante contra a variante nova.
O cenário desafiador tem ainda uma agravante. Apesar de o governo federal afirmar que segue fazendo a contagem de casos de síndrome respiratória aguda grave, vários especialistas alegam que os dados estão desatualizados e que o país vive um apagão de registros.
“A sensação é que estamos conduzindo um Boeing e não temos GPS.” João Gabbardo, chefe do Centro de Contingência da Covid-19 do governo estadual, sobre o apagão de dados do Ministério da Saúde
Desde que o sistema virtual do Ministério da Saúde sofreu um ataque hacker, no início de dezembro, diferentes estados reportam dificuldades para inserir informações nos repositórios.
“Tenho alertado para isso desde setembro, mas agora a comunidade científica está em alerta”, diz Wallace Casaca, coordenador da plataforma SP Covid-19 Info Tracker, criada por pesquisadores da USP e da Unesp com apoio da Fapesp para acompanhar a pandemia.
“A sensação é que estamos conduzindo um Boeing e não temos GPS”, disse João Gabbardo, coordenador do Centro de Contingência da Covid-19 do governo estadual, na quarta (5). Apesar dos sintomas agudos, a Influenza tem uma taxa de letalidade bem inferior à da Covid-19 (de até 0,2% dos casos versus 2% dos de coronavírus).
As cenas de UTIs lotadas, portanto, tão frequentes em 2020 e 2021, não devem se repetir. Mas um fator preocupa os especialistas: no rastro da Influenza pode estar mascarado um aumento dos casos da ômicron, a nova variante da Covid-19, que se espalha mais facilmente e pode passar “disfarçada” em meio ao surto de gripe.
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“É impossível fazer um diagnóstico preciso para diferenciar a Influenza, a ômicron ou o adenovírus (o resfriado comum) sem os testes”, afirma Naime. “Os sintomas são parecidos nos primeiros dias, e isso pode levar a erros de diagnóstico”, ele diz.
Para tentar evitar o problema, a prefeitura passou a fazer testes duplos — de Covid-19 e de Influenza — em todos os casos suspeitos que chegam à rede pública desde quarta-feira (5). O objetivo é descobrir se a cidade vive somente um surto de gripe, cujo ciclo de sintomas dura cerca de dez dias, ou se a alta nos atendimentos está relacionada também à ômicron.
“Como não temos certeza, vamos fazer sempre os dois testes”, afirma Luiz Carlos Zamarco, secretário adjunto da Secretaria Municipal de Saúde. Os duplos exames já identificaram dezenas de casos de coinfecção — ou “flurona”, junção dos termos “gripe” (“flu”, em inglês) e “corona” — na capital nos últimos dias.
Em dezembro, ante às longas filas nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), a prefeitura também passou a permitir que pessoas com sintomas de gripe procurem as 469 Unidades Básicas de Saúde (UBSs) da cidade sem agendamento.
O hospital municipal da Brasilândia teve 180 leitos de UTI e 218 de enfermaria reservados para casos de gripe. Até quarta (5), havia 121 pacientes na UTI e 164 na enfermaria devido à doença.
A previsão de aumento de casos em janeiro fez as autoridades de saúde reservarem mais uma ala no Hospital de Guarapiranga, com vinte leitos de UTI e 209 de enfermaria.
A situação já pressiona municípios vizinhos. Dados do laboratório do Centro Universitário FMABC, em Santo André (SP), mostram rápida elevação nos testes positivos de Covid-19 entre 26 de dezembro e terça-feira (4). O índice passou de 2,5% do total das amostras para 22%. “Infelizmente, espera-se uma superlotação nos gripários”, conclui Naime.
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Publicado em VEJA São Paulo de 12 de janeiro de 2022, edição nº 2771