As iniciativas das escolas para proteger a saúde mental dos estudantes
Instituições paulistanas investem em aulas de socioemocional e na formação de professores na tentativa de criar um ambiente mais seguro
Até recentemente, a maior parte das escolas paulistanas não possuía um setor voltado para as mais diversas relações de seus alunos. Toda a demanda era destinada à coordenação pedagógica, responsável por fazer o meio de campo interno e externo.
Agora, sobretudo após a pandemia e o aumento de casos extremos de violência física e emocional, o tema saúde mental virou uma das principais pautas nos ambientes escolares (públicos ou particulares) e tem levado à criação de espaços e iniciativas específicas para acolher o corpo discente de forma individual ou coletiva.
A preocupação é corroborada em dados. Uma pesquisa de meados do ano passado, realizada pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), aponta que o principal desafio na gestão de alunos do ensino fundamental de escolas municipais é em relação ao estado emocional das crianças e adolescentes. Em segundo lugar aparece a falta de envolvimento da família.
Em São Paulo, os colégios particulares vêm atuando de forma permanente quando o assunto é a saúde mental, sobretudo após casos de suicídio e automutilações, entre outros.
O Dante Alighieri, no Jardim Paulista, adota aulas socioemocionais, que começam no ensino infantil e seguem até o final do ensino médio. “Desde pequenas as crianças aprendem os nomes dos sentimentos e a reconhecê-los”, conta Miriam Guimarães, 58, coordenadora da área de orientação educacional do Dante.
Nas aulas, além de responderem a questionários que monitoram o clima emocional da turma, os alunos exploram técnicas de concentração, com exercícios de respiração. Também há dramatizações de situações do cotidiano para todos explorarem juntos as emoções que afloram a cada surgimento de problema, como quando os pais os proíbem de ir a uma festa, por exemplo.
No Santa Cruz, no Alto de Pinheiros, as aulas sobre autocuidado também ganham espaço, com os alunos aprendendo a mensurar as próprias emoções e a promover reflexões sobre o convívio escolar, além de realizar trabalhos que os incentivam a se relacionar com o restante da escola, como na organização de jogos interclasses.
Os métodos de desenvolvimento de ambientes mais saudáveis também passam pela atuação de quem mais convive com os alunos: os professores.
O Humboldt, em Interlagos, conta com um docente tutor para cada sala. Ele é apresentado como a referência para ouvir os problemas de convivência e as demandas individuais do grupo. “O professor tutor faz o primeiro acolhimento e mantém uma comunicação constante com o orientador educacional”, explica Erik Hörner, 42, diretor-geral do Humboldt.
Para que o professor tenha capacidade de ouvir e repassar as demandas, é necessário que ele seja treinado, o que requer novos investimentos e contratação de profissionais específicos. Na Camino School, na Pompeia, o currículo unifica a pauta da saúde mental com o conteúdo das disciplinas. “É importante os pais saberem se a escola possui programa de capacitação permanente dos professores. Um professor bem e feliz será um potencializador da educação das crianças”, diz Juliana Fleury, presidente da Associação pela Saúde Emocional da Criança (Asec).
A atuação de profissionais diferentes em diversas situações do cotidiano atual das escolas tem ajudado as comunidades a almejar uma melhora no ambiente, seja interno, externo ou virtual.
O Colégio Bandeirantes, na Vila Mariana, usa a equipe de especialistas para constituir e supervisionar os chamados grupos de ajuda, formados por alunos de diversas faixas etárias e treinados para prestarem mais atenção ao comportamento dos colegas. Em caso de detecção de algo fora dos padrões, eles podem incentivá-los a procurar os orientadores. “Eu aprendi a ajudar as pessoas e também fui cuidada. Quando preciso de um ombro amigo, recorro à equipe de ajuda”, conta a estudante Mariana de Freitas, 15.
Outras escolas criam abordagens específicas para cada grupo etário, como é o caso do Colégio Franciscano Pio XII, no Morumbi, que disponibiliza uma caixa de escuta para os alunos dos anos finais do ensino fundamental. No objeto, eles depositam mensagens anônimas, de onde são tirados temas que são discutidos coletivamente.
“Nessa faixa etária é importante o anonimato. Eles têm medo de falarem dos problemas porque querem pertencer a um grupo e, nesse processo, podem acabar aceitando situações que culminam em bullying”, explica Sandra Braga, 49, orientadora educacional do Pio XII.
O tema, aliás, é objeto de palestras na escola, que convida advogados a explicarem de forma didática as consequências legais desse tipo de violência.
As maneiras cada vez mais criativas de acolher os alunos não deixam de lado a figura clássica do orientador educacional. “Eu ia na sala dos orientadores para chorar”, lembra Giulia Brasil, 18, que se formou no ano passado na unidade de Perdizes do Colégio Poliedro. Ela encontrou apoio quando decidiu mudar o foco para o vestibular e trocou o curso de medicina pelo de direito.
Na rede pública estadual, o governo contratou 550 psicólogos, responsáveis por atuar nas mais de 5 000 unidades de ensino. Como complemento à atuação dos profissionais, a gestão criou um aplicativo em que os professores relatam problemas e solicitam atendimento.
“O psicólogo pode olhar nesse app e perceber, por exemplo, que foram registrados dez casos de bullying em uma escola e propor ações. Também serve para entender quais alunos mais se envolvem em ocorrências e precisam de atenção”, explica Bety Tichauer, 47, diretora de projetos especiais da Secretaria Estadual da Educação.
Embora as escolas venham se esforçando para atuar na melhora da saúde mental de seus alunos, os desafios estão longe de ser suprimidos. Com as crianças e jovens cada vez mais conectados em jogos e mídias sociais, o desenvolvimento básico de antídotos para sensações como frustrações e metas não alcançadas, entre outras, pode ser prejudicado, transformando pequenos processos em grandes problemas.
Outra questão é a do bullying, potencializada com a tecnologia. “Antes, a gente ia para casa e tinha um local de acolhimento. Hoje, a disseminação de informação alcança outras escolas, não respeita nem a madrugada. Muitos pais mudam o filho de colégio, mas a criança ainda é conhecida por uma situação passada”, diz o médico Gustavo Estanislau, especialista em psiquiatria da infância e adolescência e pesquisador do Instituto Ame sua Mente.
Nas últimas semanas, o tema saúde mental nas escolas ganhou dois importantes alicerces legais com a sanção de duas leis federais: a que prevê a criação de instrumentos de atenção psicossocial nos ambientes escolares públicos do país, e a que criminaliza o bullying e o cyberbullying. “Essa lei vai fortalecer o dever das famílias e levar o assunto mais a sério. A partir de agora, nenhum pai vai querer ver seu filho autor de um crime”, diz a advogada Alessandra Borelli, sócia do Opice Blum Advogados. ■
Publicado em VEJA São Paulo de 26 de janeiro de 2024, edição nº 2877