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O que eu aprendi com Marie Kondo sobre organizar a casa e a vida

"Olhe ao redor e escute as histórias incríveis que sua casa conta sobre sua trajetória", escreve a consultora Carolina Ferraz

Por Carolina Ferraz
Atualizado em 27 Maio 2024, 18h15 - Publicado em 15 Maio 2020, 06h00
 (Betsie Van der Meer/Getty Images/Divulgação)
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Em meio aos dias imprecisos da quarentena, decidiu organizar seu guarda-roupa que clamava por atenção. Tirou todas as roupas do armário e começou a escolher de quais se despediria. Encontrou a camisa que usaria no show cancelado e na festa junina que duvida que acontecerá. Peça por peça, lembrava com nostalgia do som dos bares, da praia e até do trânsito para o trabalho. Desanimou e recorreu ao café. Ao pegar a xícara, seu olhar alcançou as taças que esperavam uma ocasião especial para ser postas à mesa. Sentiu saudade do que não viveu. Caiu no choro por lembrar que também ficou com medo de usá-las na comemoração de seus avós, pelas mãos trêmulas da idade. Amargou a angústia diante da finitude e temeu pela saúde de quem ama. Retornou ao armário e suspirou. Nada trazia alegria. Queria seu mundo de volta. Socou as roupas lá dentro e olhou pela janela buscando o que não existe mais.

Histórias como essa povoam minha caixa de entrada. Aflitas, as pessoas me perguntam: “Sou um fracasso tão grande que nem na quarentena consegui me organizar?”. Anos estudando psicanálise e semiótica me permitem dizer: não. Diariamente recebemos notícias que deixam claro que não temos o controle de nada. Acompanhados da solidão, enfrentamos um processo de luto vigente pela estrutura social e por hábitos que tínhamos, e antecipatório pelo medo de perder quem amamos. Tentamos espantar esse silêncio controlando (ou tentando) as pequenas coisas — como assar um pão e organizar nossa casa.

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Parece simples, até paralisarmos. No automático há tanto tempo, esquecemos que nossos objetos não são coisas aleatórias do ponto de vista emocional. Eles entraram em nossa casa porque significam algo. Representam uma viagem feliz, contêm palavras de conforto, foram comprados para o sonhado open house, simbolizam o desejo de partilhar uma refeição, de praticar um hobby e vestem o corpo quando precisamos de confiança. Despertam sentimentos.

Enfrentar um processo de organização e um desapego realmente efetivo significa encarar todas as histórias e recordações — boas e nem tanto — que esses objetos carregam. É como conversar conosco, avaliar e escolher o que queremos que faça parte do caminho. Mas é muito difícil seguir sem saber pra onde. É perfeitamente aceitável que, durante uma pandemia, nosso poder de decisão se desoriente.

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Estamos vivendo emocionalmente em uma situação de escassez. A dúvida “e se eu precisar disso?” será recorrente — afinal, sair para comprar não é mais tão simples. Junto disso, o medo do futuro potencializará o apego àquele objeto que simboliza o mínimo de normalidade, mesmo que ele realmente não desperte nada feliz em você.

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O inverso também acontece. Na criticidade, o pensamento “nada mais importa” acerta em cheio os objetos amados, que têm a importante função de acolher nosso emocional nos dias difíceis. Calma, o inimigo invisível não está em tudo.

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Uma organização efetiva considera as nuances de nossa mente. Ela exige serenidade. Em um cenário de inconstância, é cruel culpar-se por não conseguir realizá-la.

Quer dizer que precisamos viver em meio ao caos? Não. Um lar aconchegante e organizado contribui para nossa saúde mental, mas dá para fazer isso de um jeito leve, sem arrependimentos nem apegos desnecessários.

Nosso primeiro aliado é o fato de estarmos convivendo intensamente com nossos pertences. É mais fácil perceber as pequenas coisas que nos irritam, as que nos tiram um sorriso e de quais objetos gostamos o suficiente para cuidar deles sozinhos.

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É hora de você desapegar das miudezas que tem certeza de que não gosta e dos itens do tipo “como você veio parar aqui?”, revisar cartões de visita parados, livrar-se das tampas de potes que se perderam, desapegar da quantidade insana de parafusos, jogar produtos vencidos, encarar os brindes que você pegou sem perceber e dar um fim na panela que está soltando o antiaderente.

Depois, é o momento perfeito para honrar os objetos que podem acolher você durante estes dias difíceis. Em vez de se debater com a incerteza do amanhã, aproveite mais um dia saudável. Olhe ao redor e escute as histórias incríveis que sua casa conta sobre sua trajetória. Organize suas fotografias em um álbum e recorde as viagens com amigos. Experimente uma combinação de roupas que nunca fez, sem o peso de estar sendo observado. Use a louça da ocasião especial no café da manhã. Coloque em um lugar de destaque aquele objeto repleto de valor emocional que representa que você é capaz de sobreviver a isso.

Perceba o alívio de respirar em segurança e lembre-se de deixar espaços nas paredes que protegem você, para as aventuras que ainda virão. Em breve, poderá respirar tranquilamente fora delas.

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Carolina Ferraz
(Divulgação/Divulgação)

Carolina Ferraz é uma ex-bagunceira convicta e consultora Marie Kondo à frente da empresa de organização @ondeeudeixei. Única consultora master do Brasil do método Marie Kondo, treinada pessoalmente pela especialista japonesa, é pós-graduada em semiótica e psicanálise. Acredita que a organização é menos sobre gavetas e mais sobre escolhas com amor.

Publicado em VEJA SÃO PAULO de 20 de maio de 2020, edição nº 2687

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