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Uso de cannabis para fins médicos dispara na quarentena

Usuários, médicos e empreendedores contam relatos de como o fenômeno está funcionando na prática

Por Pedro Carvalho, Fernanda Bassette e Juliene Moretti
Atualizado em 27 Maio 2024, 20h40 - Publicado em 26 fev 2021, 01h20
Família em meio a uma plantação da maconha
Associação que planta maconha legalmente em Marília: alta nas decisões favoráveis na Justiça. (Niklas Polvora/Divulgação)
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No início de fevereiro, uma associação que defende o uso medicinal da maconha, sediada na Zona Leste, conseguiu uma autorização inédita da Justiça de São Paulo. A Cultive agora pode plantar legalmente 448 pés da erva, proibida no Brasil. É a conquista mais recente de uma causa que tem avançado durante a quarentena. A permissão da Cultive aconteceu por meio de um raro habeas corpus coletivo — um aval de plantio em nome da pessoa jurídica da associação, que tem aproximadamente 200 famílias cadastradas. Existem só três licenças do tipo no Brasil.

Em paralelo, porém, surgiu uma profusão de habeas-corpus individuais para o cultivo doméstico, dados a famílias que usam o óleo da planta em tratamentos médicos. Um ano atrás, eram aproximadamente setenta permissões no país. Hoje, são por volta de 300, das quais pelo menos quarenta no estado de São Paulo (um ano atrás, eram dezesseis).

“A maioria das decisões não traz limitação quanto ao número de pés, mas juízes mais conservadores tendem a estipular em torno de vinte mudas por paciente”, explica Ricardo Nemer, fundador da Reforma, um grupo de advogados engajados na causa. “O habeas-corpus não é a solução ideal, mas é a ação mais rápida que existe na Justiça brasileira. E normalmente são casos de doenças graves, que não podem esperar por tramitações longas”, ele diz. Quem não tem habeas-corpus por vezes recorre até a plantios ilegais — famílias desesperadas com filhos com convulsões constantes ou pais com doenças como Parkinson —, o que também parece ter aumentado, segundo relatos feitos à reportagem. “Temos cerca de oitenta associados que plantam em São Paulo, muitos sem a permissão”, diz Cida Carvalho, da Cultive.

Não são as únicas maneiras de usar os derivados da maconha no país — e todas elas dispararam durante a pandemia. Desde 2015, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) permite a importação de remédios à base de canabidioides contidos na erva, como o CBD. O número de pacientes cadastrados na agência saltou de 10 862 em 2019 para 26 885 em 2020, dos quais 10 695 em São Paulo. Ao mesmo tempo, a quantidade de médicos que passaram a prescrever os medicamentos aumentou 72% em 2020 em relação ao ano anterior.

No ano passado, surgiu outra novidade: a possibilidade de comprar os derivados da planta diretamente nas farmácias (às vezes é preciso fazer o pedido com alguns dias de antecedência). O primeiro produto a receber a permissão da Anvisa, feito pelo laboratório paranaense Prati-Donaduzzi, chegou ao mercado em maio ao custo de 2 400 reais o frasco de 30 mililitros. Na semana passada, a empresa conseguiu autorização para comercializar duas novas versões do fármaco. A marca brasileira já tem um concorrente de fora: Mevatyl (aqui vendido como Sativex), feito pela britânica GW Pharma, também disponível nas principais redes. A GreenCare, uma das startups líderes em prescrição de cannabis medicinal, recebeu neste mês um aporte de 40 milhões de reais para expandir a sua atuação no mercado nacional.

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“O uso aumentou muito na pandemia”, diz a neurocirurgiã Patricia Montagner, que cuida de 900 pacientes com cannabis — um ano atrás, eram 600. Não só porque a quarentena afetou a saúde mental de muitos, mas também pelo boom da telemedicina, que fez com que pacientes de todo o país procurassem médicos reconhecidos no meio cannábico. “Essa planta representa um cenário farmacológico complexo e cheio de potenciais. Mas a ciência em torno dela ainda é insuficiente, principalmente devido ao preconceito”, ela acredita.

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“Não podemos enxergar os derivados da cannabis como um elixir mágico, como esses avanços podem fazer parecer”, diz o médico Efrain Olszewer, que há dois meses lançou um livro sobre o tema. “Mas a popularização do uso ajudará a ciência a entender melhor a substância”, diz.

A seguir, usuários, médicos e empreendedores mostram como o fenômeno tem acontecido na prática.

PERMISSÃO PARA 448 PÉS

De fora, a casa se parece com todos os outros sobrados da rua, na Zona Leste da cidade. No quintal, quase trinta pés de maconha crescem e florescem com anuência da Justiça paulista, plantados pelo casal Fábio e Cida Carvalho, fundadores da associação Cultive. Serão mais — muitos mais. No dia 5 de fevereiro, o grupo conseguiu o primeiro habeas-corpus coletivo do estado para o plantio da erva. Assim, poderá cultivar 448 pés por ano para atender famílias que precisem de medicamentos à base de canabinoides. “Já estamos aumentando a plantação. E vamos pedir a ampliação da licença”, diz Cida, que, durante seis horas por dia, trabalha em uma agência do Itaú.

É o quarto habeas-corpus coletivo para o plantio de maconha concedido no país. Um deles, porém, acabou cassado de uma associação carioca no fim de 2020. “Além das licenças coletivas, existem pelo menos quarenta autorizações de cultivos individuais (para uso de um único paciente) válidas no estado de São Paulo. No início do ano passado, eram dezesseis”, diz Ricardo Nemer, fundador da Reforma, um grupo de advogados engajados na causa.

Quando começaram a plantar, em 2014, o casal não tinha aval da Justiça. Corria o risco pela saúde da filha Clárian, 17, portadora da síndrome de Dravet, que provoca distúrbios motores e neurológicos. “Ela tinha dezoito convulsões por mês. Agora, tem uma ou duas, de menos de um minuto”, conta Cida. “O excedente do óleo feito para ela nós doamos a famílias que comprovem a necessidade da substância. Hoje, cerca de oitenta associados da Cultive plantam maconha na cidade.” O processo de extração caseira do canabidiol é simples — alguma famílias o comparam a fazer um chá de camomila. Depois, solventes como azeite ou óleo de coco são usados para preparar o produto final.

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Clárian, Cida e Fábio em meio ao seu plantio
Clárian, Cida e Fábio, da Cultive: primeiro plantio coletivo de São Paulo (Alexandre Battibugli/Veja SP)

INSTITUTO EM NOME DA FILHA

Há dois anos, o chef Henrique Fogaça, 46, usa substâncias extraídas da maconha para tratar a filha Olívia, de 13 anos, que nasceu com uma síndrome genética rara e ainda não diagnosticada. “Ela tinha vinte convulsões por dia. Passou a fazer uma dieta sem carboidratos, que reduziu as crises pela metade. Após o canabidiol, o número caiu para três, mas tem dias em que ela não tem nenhuma”, ele conta. “Também melhoraram a percepção e o humor”, diz.

Nas próximas semanas, Fogaça deve anunciar a criação de um instituto (que levará o nome da filha) para ajudar pacientes a ter acesso aos medicamentos à base da erva. “A ideia é incentivar a pesquisa científica, criar um caminho jurídico mais fácil para as famílias e, no futuro, termos um cultivo próprio”, ele conta.

O chef usa um óleo importado, feito na Califórnia, nos Estados Unidos. “Lá existe inclusive gastronomia que usa a cannabis como ingrediente. Uma vez, coloquei uma folha em um omelete e ficou muito bom”, diz. “Acho que sou um instrumento da minha filha para levar esse assunto ao público. Muitas famílias sofrem caladas, sem procurar os derivados da maconha por puro preconceito com a planta”, conclui.

Henrique Fogaça sentado em uma cadeira
Henrique Fogaça: “Muitas famílias sofrem caladas, sem procurar os derivados da maconha por puro preconceito com a planta” (Alexandre Battibugli/Veja SP)

DEZ QUILOS NA MALA

A empresa Entourage ganhou as manchetes em 2016, após trazer 10 quilos de cannabis ao país, com autorização da Anvisa, para pesquisar medicamentos à base da planta. “Em 2015, foram cerca de 850 novos pacientes no país. Já em 2019, o número foi de 8 500. No ano passado, foram mais de 15 000”, diz Caio Abreu, fundador da marca.

“O mercado de importação tomou força. Vamos entrar nesse segmento em março, com um medicamento de marca própria. No segundo semestre, a ideia é colocá-lo nas farmácias”, ele afirma. A Entourage importa a matéria-prima e produz o medicamento no país. “Será um produto balizado pela Anvisa”, explica. Em paralelo, a marca segue nas pesquisas para o desenvolvimento de medicamentos criados totalmente por aqui.

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Caio Abreu no seu laboratório
“Em 2015, foram cerca de 850 novos pacientes no país. No ano passado, foram mais de 15 000”, diz fundador da marca (Alexandre Battibugli/Veja SP)

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PONTE COM OS MÉDICOS

“Existe um problema de comunicação na área da cannabis medicinal: os médicos não sabem prescrever e o paciente não sabe da possibilidade de tratamento”, diz Viviane Sedola, fundadora da Dr. Cannabis, uma plataforma criada para unir essas pontas, em 2018.

No site, o paciente encontra profissionais que abraçam o uso medicinal da maconha e marca as consultas. Também aprende a fazer a solicitações de autorização para a Anvisa e a importar os produtos, se necessário. “Funcionamos como um despachante”, ela brinca. No ano passado, a Dr. Cannabis recebeu um aporte de 2 milhões de reais. Vai investir na compilação de dados sobre os tratamentos com canabidiol, a partir dos resultados obtidos com os pacientes. “Podemos indicar, por exemplo, que 450 indivíduos de um grupo de 500 tiveram sucesso com uma concentração específica do CBD”, explica.

Viviane Sedola, sentada em seu jardim
“Existe um problema de comunicação na área da cannabis medicinal: os médicos não sabem prescrever e o paciente não sabe da possibilidade de tratamento”, diz Viviane Sedola (Alexandre Battibugli/Veja SP)

 

Boxs com as seguintes informações: 26 000 pacientes têm permissão para importar o CBD; 300 habeas-corpus permitem plantios caseiros; 2 produtos já são vendidos em farmácias; 72% mais médicos prescreveram o óleo em 2020; 40 milhões: aporte recente em uma startup da erva
Crescimento do uso medicinal da cannabis (Fotos: Jessica Camargo/Kley Zanini/Divulgação)

NA RECEITA DE MÉDICOS DE GRANDES HOSPITAIS

O geriatra Paulo Camiz, professor no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, prescreve derivados da cannabis especialmente para casos de dor crônica, ansiedade e sintomas de Alzheimer. Para ele, o aumento nas prescrições (veja no quadro acima) é um sinal de que os profissionais estão deixando de lado o preconceito e constatando os benefícios dos canabinoides.

Camiz indica as substâncias, vale dizer, apenas como última opção de tratamento — em casos de doentes “refratários”, ou seja, que não respondem mais às drogas convencionais. “Não sou nenhum médico ativista, não sou a favor da legalização de nenhuma droga, mas prescrevo derivados de cannabis, assim como prescrevo derivados do ópio (a exemplo da morfina, amplamente usada em hospitais). Os resultados são ótimos. O principal entrave é o custo, que ainda é muito alto”, afirma. O preço depende da concentração do canabidiol e varia de 400 (no caso de produtos feitos por associações caseiras) a 2 400 reais (nos importados ou industrializados) por um frasco de 30 mililitros, o suficiente para cerca de um mês de tratamento, a depender da dose indicada.

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O psiquiatra Rubens Pitliuk, do Hospital Israelita Albert Einstein, viu a procura pelo canabidiol disparar em seu consultório nos últimos meses. Ao todo, atendeu 92 pacientes em busca da substância em 2020, contra dezoito no ano anterior. Só nos primeiros quarenta dias de 2021, prescreveu o CBD para outros 42 usuários. “Acho que o aumento na procura independe de pandemia. As pessoas se informam mais e pedem ajuda para tratamentos de ansiedade, depressão e dor crônica.”

O neurocirurgião Nilton Lara, professor da Santa Casa de São Paulo e especialista em dor e distúrbios do movimento, também observou um aumento anual de 20% no número de pacientes que procuram tratamento à base de derivados da cannabis. Ele ressalta que é preciso critérios para receitar a droga. “Muitas pessoas descobrem quais são os médicos que prescrevem canabidiol e chegam ao consultório pedindo o óleo. Prefiro prescrever apenas quando vejo que o paciente será realmente beneficiado.”

Os especialistas fazem ressalvas sobre a produção e o consumo caseiros, que acontecem sem fiscalização da Anvisa e, em alguns casos, sem controle farmacológico. “Ninguém vai morrer de overdose de maconha, mas o consumo exagerado, sem controle de qualidade, sem saber a procedência, pode causar efeitos alucinógenos e piorar uma situação que já era ruim. A autorização para produção em casa pode atrapalhar quem faz o uso profissional dessa medicação”, opina Camiz. Lara também critica as permissões para o plantio doméstico. “O SUS fornece medicamentos de alto custo. E existem remédios prontos e aprovados.

A pessoa não precisa plantar. Se for à Justiça pedir autorização para plantar, pode pedir que o Estado forneça o medicamento pronto, com teor de pureza controlado, com dosagem específica”, pondera.

Para representantes das associações, a burocracia e o custo da importação empurram as famílias para as soluções domésticas. “É uma forma de dar autonomia aos pacientes”, diz o advogado Ricardo Nemer.

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De acordo com o médico Efrain Olszewer, autor de Canabidiol, um Nutriente com Potencial, a substância é principalmente um agente de controle da inflamação e da dor, além de ter efeito emocional. A redução de convulsões e de enjoos (como em quem está em quimioterapia) e dores em males como a atrite são amplamente documentados.

“Não sou um ativista, não quero a legalização. Prescrevo derivados da cannabis, assim como prescrevo derivados do ópio”, diz o geriatra Paulo Camiz

Camiz (do HC), Pitliuk (do Einstein) e Lara (da Santa Casa), da esquerda para a direita, fotos dos médicos
Camiz (do HC), Pitliuk (do Einstein) e Lara (da Santa Casa): mais pacientes interessados no óleo (Alexandre Battibugli/Rogerio Pallatta /Divulgação/Veja SP)

AS MÃES JARDINEIRAS

Antes de completar 3 anos, Ítalo recebeu um pré-diagnóstico de autismo e deficiência intelectual. “Quando nasceu, percebi que era diferente, mas não falei nada. A gente sabia que iria amá-lo muito”, diz Emília Giovannini, 49. Após a avaliação, teve início uma penosa busca por terapias e remédios que prometiam ajudar o pequeno.

Em 2019, os pais descobriram os óleos de cannabis para fins medicinais em uma igreja na Zona Leste. “Fiquei apreensiva: um padre falando de maconha? Mas mudou a vida do Ítalo (hoje com 9 anos)”, conta a mãe. A família passou a testar diferentes formulações do óleo, atrás de uma que fosse ideal para o filho. Não era tarefa simples. “Achei uma ótima, mas nunca mais vi o jardineiro. Todos os contatos eram por debaixo do pano. Eu chorava muito”, ela diz. Para Ítalo, o óleo deve ter níveis baixíssimos de THC, o princípio psicoativo da cannabis, segundo a família.

Emilia e Eliane em um quintal
Emília (de avental) e Eliane; na foto menor, o preparo caseiro do produto (Ligia Skowronski/Veja SP)

A situação se resolveu depois que os pais conheceram a psiquiatra Eliane Nunes, da Sociedade Brasileira de Estudos da Cannabis, fundadora do projeto Mães Mulheres Jardineiras. “O intuito é auxiliar as mulheres mais carentes, ou que não têm acesso ao medicamento”, diz Eliane.

Com apoio de médicos e advogados, a iniciativa dá suporte clínico e jurídico para que as mulheres consigam habeas-corpus para plantar em casa. Além disso, Eliane oferece aulas para ensinar como extrair e melhor aproveitar o produto. Emília foi uma das primeiras a participar do projeto. “Eu morria de medo, achava que iria ser presa, mas via tantas mulheres fortes na mesma situação que continuei”, ela diz. Seu habeas-corpus saiu em junho do ano passado. O jardim, em Mogi das Cruzes, já tem doze plantas.

Emilia, Fernanda e Eliane
Emilia Giovannini, Eliane Nunes (jaleco) e Fernanda Agami Nunes (Ligia Skowronski/Veja SP)

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DE OLHO NOS LUCROS DA CANNABIS

Foram as batalhas das famílias frente à Anvisa, em 2015, para conseguir acesso aos medicamentos à base de cannabis que inspiraram a criação da aceleradora de startups The Green Hub. “Naquela época, faltava conhecimento sobre o tema. Viajamos muito para conseguir informações”, diz Marcelo De Vita Grecco, um dos fundadores.

A iniciativa tem um olho no potencial financeiro da erva após possíveis liberações no país. “Em caso de uma regulamentação ampla, que não fique só restrita ao óleo, a estimativa é que surja um mercado de até 4,7 bilhões de reais”, ele afirma. O primeiro projeto acelerado foi o Centro de Excelência Canabinoide, a CEC, plataforma que oferece tratamento clínico, educação e pesquisas sobre o assunto.

George Wachsman em uma sala cheia de computadores
George Wachsman, da Vitreo: responsável pelo Fundo Canabidiol (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Mais duas startups entraram para o time no ano passado, a CannaPag, uma fintech, e a Jamba, uma empresa de comunicação. Neste ano, a ideia é criar uma incubadora com quinze empresas. Também de olho nas possíveis cifras desse mercado, a marca de investimentos Vitreo lançou um Fundo Canabidiol, em 2019, que aposta em negócios de fora do país. “Como o produto é baseado no exterior, só pode ser usado por investidores qualificados, aqueles que têm pelo menos 1 milhão de reais em aplicações ou algum tipo de certificação técnica”, diz George Wachsmann, sócio da Vitreo. Para atender ao crescente interesse dos clientes, eles lançaram também o Fundo Vitreo Canabidiol Light. “É uma versão diluída: 20% na compra desses mesmos investimentos lá fora (o que é permitido para o público geral) e o restante em CDI”, diz. Os fundos já têm mais de 10 000 cotistas. O primeiro já passou dos 179 milhões de reais investidos.

Marcelo de Vita Grecco, sentado em um banco de madeira cilindrico
“Em caso de uma regulamentação ampla, que não fique só restrita ao óleo, a estimativa é que surja um mercado de até 4,7 bilhões de reais”, diz aceleradora (Alexandre Battibugli/Veja SP)

NO FRONT DO INTERIOR

Fernanda Peixoto, 41, tem autorização judicial para plantar 480 pés de maconha em sua propriedade em Marília, no interior paulista. Normalmente, consegue manter por volta de 100 mudas na casa. O vistoso matagal existe graças ao somatório de diversos habeas-corpus obtidos por quatro mulheres da cidade, que formaram uma associação chamada Maléli, em 2019. Graduada em manejo de agroflorestas nos Estados Unidos, Fernanda é a responsável técnica do grupo. “Minha avó, de 82 anos, tem a doença de Parkinson. Meu avô, de 91, sofre de Alzheimer. Ambos melhoraram absurdamente com o uso da cannabis medicinal”, ela afirma.

Por possuir uma das maiores plantações legalizadas do país, a associação fornece o óleo para aproximadamente 300 famílias e faz testes farmacológicos (com apoio de instituições como a Esalq, de Piracicaba) para criar produtos mais elaborados. “Fornecemos os frascos por valores entre 100 e 450 reais, enquanto os importados chegam a custar 2 500 reais”, afirma. A Maléli tenta conseguir um habeascorpus coletivo (como o da Cultive) para expandir a plantação.

A maconha não trouxe só alegrias à ativista. Fernanda e o marido, Márcio, 40, foram presos em Rondônia, em 2018, quando levavam o óleo para pacientes no Acre — e, bem, também 100 gramas da erva. “Eles pesaram até os frascos e nos acusaram de transportar 790 gramas de ‘maconha líquida’ ”, ela diz. Condenado a sete anos e sete meses, Márcio segue em regime fechado.

A imagem mostra uma mulher cortando folhas de maconha em cima de uma mesa
“Fornecemos o óleo às famílias associadas por valores entre 100 e 450 reais. Os produtos importados custam até 2 500 cada frasco”, diz a fundadora da Maléli (Alexandre Onça/Divulgação)

PARA COMBATER A ANSIEDADE

O jornalista Gabriel Gravina, 40, usa o óleo de canabidiol da empresa americana CannaMeds regularmente há um ano para tratar sua ansiedade. Os pais dele também usam o medicamento para controle de ansiedade e de dor crônica. Gravina tinha histórico de depressão, irritabilidade, insônia, crises de pânico e uso abusivo de álcool. Entusiasta da cannabis, decidiu ir atrás do tratamento no fim de 2019, quando a Anvisa autorizou a importação por pessoas físicas. O óleo custa 150 dólares (cerca de 840 reais) o frasco, que dura um mês. “O canabidiol atua de forma preventiva, porque me mantém otimista e equilibrado”, conta o jornalista. Ele afirma não ter tido mais crises de ansiedade após o tratamento com a substância.

O engenheiro de computação Guilherme Panayotou, 26, também usa o óleo para tratar a ansiedade. Desde os 12 anos, ele dependeu de ansiolíticos comuns. Os diagnósticos listavam doenças como transtorno ansioso depressivo e fobia social. A pandemia piorou a situação e ele teve crises de ansiedade severas. A mãe viu na cannabis uma alternativa, depois de assistir a uma palestra sobre o assunto. Devido ao custo dos produtos importados, Panayotou passou a produzir seu óleo — mesmo sem um habeas-corpus. “Minha vida mudou. Dei até palestra sem tomar Rivotril. Aliás, já parei de tomar remédios e recebi alta da psicóloga. Estou em um relacionamento e indo bem no trabalho”, conta.

No ano passado, o engenheiro teve dois pedidos de autorização para cultivo negados. “Tenho medo de que tirem o cultivo de mim, porque hoje consigo falar que estou realizado e feliz, o que nunca aconteceu antes.”

“O canabidiol atua de forma preventiva, porque me mantém otimista e equilibrado”

Gravina em seu estúdio
Gravina: fim das crises após o tratamento com um óleo importado (Alexandre Battibugli/Veja SP)

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Publicado em VEJA São Paulo de 03 de março de 2021, edição nº 2727

 

 

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