A pizza já andou a pé na cidade de São Paulo. Não vi, mas o senhor Amadeu viu. O simpático velhinho relatou suas lembranças da capital à psicóloga social Ecléa Bosi, que juntou o depoimento dele e de outros idosos para compor um livro excelente, “Memória e Sociedade”, de 1979.
Amadeu Bovi nasceu no Brás, morava na Rua Carlos Garcia, perto de onde construiriam depois o Mercado Municipal. Fala da pizza de um tempo em que não existia luz elétrica na rua nem nas casas: “Os lampiões eram pendurados na sala, no quintal e na cozinha. Só quando eu tinha 10 anos é que veio a luz elétrica”.
A cena que ele descreve é de antes de 1916, pois nasceu em 1906: “Na frente da casa passavam os vendedores de castanha, cantarolando”. Quem mais? “E o pizzaiolo, com latas enormes, que era muito engraçado e vendia o produto dele cantando. As crianças iam atrás.”
Não havia pizzarias em São Paulo. Pizzaiolo era o comerciante de pizzas de porta em porta. Elas eram feitas em casa, da mãe, da avó, e o sujeito saía para vendê-las na rua. Andava pelos bairros vizinhos com seu latão adaptado para funcionar como um aquecedor a carvão, na verdade um fogareiro, com portinhola para fechar e prateleiras para empilhar, e ali mantinha o produto quentinho, acima das brasas. O aroma devia ser irresistível para as famílias que conversavam na frente das casas. Era a pizza delivery pré-pizzaria.
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Um desses vendedores cantantes, o napolitano Carmino Corvino abriu a primeira pizzaria da cidade, a Santa Genoveva, na Rua Monsenhor Anacleto, perto de onde morava o senhor Amadeu. Nesse mesmo ano, 1910, foi fundado o Corinthians, num bairro vizinho, o Bom Retiro. Poderiam ter comemorado a fundação com uma rodada de pizzas na primeira pizzaria. Quem sabe?
Na Itália parece que foi diferente. Em Nápoles, as pessoas iam aonde alguém assava pizzas para viagem e, enquanto aguardavam o prato ficar pronto, comiam pedaços por ali mesmo. Com o passar do tempo, surgiram banquinhos para amenizar a espera. Alguém sacou um vinho. Surgiu a pizzaria. O século XIX não havia chegado à metade e ela era ainda chamada de picea.
Essas coisas passearam na conversa enquanto uns amigos e eu falávamos da primeira pizza de cada um. Fui criado numa cidade erguida com a ajuda de numerosos braços italianos no começo do século passado, Belo Horizonte. No entanto esse nome, pizza, nunca sibilou nos meus ouvidos antes de 1950. Meu irmão mais velho tinha um amigo neto de italianos, o Stortini, na casa de quem comeu sua primeira pizza, e voltou para casa com a novidade:
— Vou fazer uma pizza.
— O que é isso?
— Um pão redondo espetacular.
Fez a massa, abriu-a, colocou-a na tampa da lata de arroz, lambuzou-a de massa de tomate, cobriu-a de queijo lascado, rodelas de tomate, azeitonas picadas, azeite, linguiça desmanchada… Tinha orégano? Acho que não; naquela Minas não havia muita coisa. Foi a melhor que já comi? Certamente não, mas foi a inesquecível, inaugural.
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Hoje, quando ouço discussões sobre qual é a melhor pizza de São Paulo, penso: gente, vamos combinar que pizza tem a pior, mas a melhor são muitas, é a de cada um. Não custa lembrar a piadinha famosa entre muitos nova-iorquinos. Havia uma pizzaria onde se lia: a melhor pizza do mundo. Inauguraram outra casa do gênero no mesmo quarteirão e escreveram no letreiro: a melhor pizza de Nova York. Abriram outra na mesma quadra e escreveram: a melhor pizza do quarteirão.
E aí, como é que fica?