Na semana passada, vi-me obrigado a retirar para sempre alguns objetos da minha mochila. A escolha não foi fácil. Para quem, como eu, pratica o pedestrianismo contemporâneo, a mochila se aproxima de uma peça do vestuário. É tão ou mais importante que a cueca, por exemplo.
Saio cedo de casa e, na maioria das vezes, volto tarde. Na melhor das hipóteses, consigo pegar o Sammy, meu filho de 9 anos, às 18h30, na escola. Mas é raro.
Ando para cima e para baixo, sempre dentro dos princípios do pedestrianismo paulistano. São eles: 1) se puder ir a pé, vá; 2) se não puder ir a pé, vá de metrô; 3) se não houver estação por perto, pegue o trem da CPTM até a estação de metrô mais próxima; 4) na falta de uma das opções acima, vá de ônibus; 5) chame um táxi (na rua).
Há quem inverta a hierarquia dos itens 4 e 5, eu inclusive, de acordo com meu ânimo. Os ônibus da nossa cidade são de péssima qualidade.
Logo mais, se Deus quiser, estarei na Rio+20, o grande evento mundial dos ambientalistas. Sou um deles. Mas não é por isso que pratico o pedestrianismo. Participo da facção menos utópica dos andarilhos.
Ou seja, não suporto ficar parado no trânsito. É só isso. Já deu a minha cota. Amo São Paulo, no entanto. E não preciso dizer que gosto de andar.
Mas, como vinha dizendo, não aguentava mais o peso da minha mochila. Nela são colocados livros, revistas, a blusa de frio, a agenda, o computador, sacolas retornáveis, contas, aqueles caderninhos moleskins metidos que compro, mas não uso, o canivete suíço, o boné da “National Geographic”, canetas, o treco da senha do banco, o recarregador do celular, o leitor eletrônico, gravata, garrafa de água, remédios, barras de cereais e o guarda-chuva. Pode parecer um exagero, mas não é. O motorista leva com ele as mesmas coisas, mas pode se dar ao luxo de deixá-las no veículo. É uma vantagem do automóvel, não nego.
No meu caso, carrego ainda blocos de papel nas costas. Não sei por quê. Dão-me uma sensação de segurança, vá ver. Na eventualidade de ser confundido com um bandido e acabar preso, ou em uma ilha deserta do Litoral Norte, terei como escrever meu romance. Finalmente.
Tudo isso pesa, claro. Vinha sentindo dores nos ombros. É a idade. Não para de aumentar.
Ao escolher o que retiraria da mochila, senti-me como um escalador no Himalaia, obrigado por uma tempestade a se livrar dos tanques de oxigênio suplementar para sobreviver. O computador, o leitor eletrônico, antigo e pesado, e os moleskins foram os primeiros itens a dançar. Resolvi, ainda, que andaria dali em diante com apenas uma revista e um só livro em papel.
O livro que venho carregando é “1922 — A Semana que Não Terminou”, de Marcos Augusto Gonçalves. Conta a história da Semana de Arte Moderna, a balada mais badalada da história da nossa cidade. É uma delícia. MAG, como o autor é conhecido entre amigos, não se perde no mato fechado das teorias estéticas. Dedica-se à festa. O livro lembra um pouco “Cinderela”. É um elogio, garanto. Explica quem são os personagens que vão aparecer no baile mais tarde, o que fazem, vestem, onde foram criados e qual é sua posição na hierarquia social. Relata, ainda, como era nossa cidade na época, os motivos de tamanha festança artística, quem pagou a conta e por quê.
Desde o clássico “De Comunidade a Metrópole: a Formação Histórica da Cidade de São Paulo”, do meu saudoso professor Richard M. Morse, não aprendo tanto sobre São Paulo. Ler “1922” no metrô, a caminho do centro da cidade, onde aconteceu “A semana” — no Teatro Municipal —, é um prazer especial. Já marquei comigo mesmo de terminar o livro no Ponto Chic, o do Largo do Paissandu, é claro. Diante de um bauru.
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