A ascensão da czarina
Com a recente abertura de uma loja em Londres e a próxima marcada para junho, em Nova York, a Fabergé — joalheria favorita da antiga corte russa — volta a disputar espaço nos cofres mais nobres
Entre os prédios com paredes de pedra em Mayfair, bairro londrino com alta concentração de lojas finas, a fachada de matelassê lilás prende a atenção do pedestre. No número 14A da Grafton Street, ela reproduz duas características dos cinquenta ovos de Páscoa preciosos feitos sob encomenda para a família imperial russa entre 1885 e 1916: o colorido e o guilloché, técnica de decoração baseada na repetição sistemática de um desenho. Sobre a porta, lê-se Fabergé, sobrenome de Peter Carl, ourives de estimação dos czares. Remeter à fachada os cobiçados ovos ó restam 42 exemplares, uns no museu Kremlin Armoury e outros que alcançam até 18 milhões de dólares em leilões ó é a maneira mais direta de comunicar que a mais influente joalheria russa voltou à cena nove décadas depois da última coleção. Desde 1915, quando se fecharam as portas do número 173 da Bond Street, a poucos metros do atual endereço, não se avistava o sobrenome Fabergé na capital inglesa. A derradeira loja, na Bolshaya Morskaya, em São Petersburgo, foi confiscada pelos bolcheviques depois de terem destronado Nicolau II, o maior cliente de Peter Carl, em 1917.
A Grafton Street escreve um novo capítulo na história de um dos símbolos da opulência do reinado da família Romanov. Londres é apenas o segundo endereço da Fabergé no mundo. O terceiro deve ser aberto daqui a dois meses no número 694 da Madison Avenue, em Nova York. No centro dessa renascença está o fundo de investimentos sul-africano Pallinghurst Resources. Exploradora de platina e pedras coloridas, a companhia enxergou na marca a melhor vitrine para esmeraldas extraídas de minas na Zâmbia. Em 2007, adquiriu a Fabergé da Unilever, que, por vinte anos, utilizou a marca em rótulos de perfumes e cremes de barbear. Só dois anos mais tarde, a Pallinghurst relançou a joalheria. Primeiro, vendendo joias pelo site. O Brasil está na rota de entregas, com cifras que contemplam impostos. Basta se cadastrar, indicando, inclusive, com qual título deve ser tratado: “sua majestade”, “baronesa”, “xeque”, além dos plebeus “senhor” e “senhora”. Em dezembro de 2009, veio a primeira loja, em Genebra. Foi na cidade suíça que Peter Carl se exilou quando os comunistas tomaram o poder, e ali morreu, em 1920. Em 1951, a família perdeu o direito de explorar comercialmente o sobrenome.
À frente das coleções de alta joalheria está o francês Frédéric Zaavy. Com ele, trabalham duas bisnetas do joalheiro: Tatiana, estudiosa do trabalho da família, e Sarah Fabergé, que confeccionou ovos de Páscoa sob a etiqueta St. Petersburg Collection. Zaavy revisita temas queridos do criador original: flores, folclore e formas ligadas à boa vida pré-revolucionária. Nas linhas mais “populares”, há lugar para itens inspirados na Rússia comunista.
É o caso da Construtivista, com desenho gráfico tirado do movimento artístico homônimo. “Frédéric gosta de cores, da natureza, da fantasia e do detalhe, exatamente como Peter Carl”, diz a diretora da marca, Katharina Flohr. Foi com essa mistura criativa que o filho de Gustav Fabergé, fundador da casa, em 1842, conquistou o posto de ourives da família Romanov.
Especialista em esculpir pedras coloridas e capaz de traduzir a decoração rococó dos palacetes para as joias, Peter Carl recebeu do czar Alexander III a primeira encomenda: um presente para a czarina Maria Feodorovna, na Páscoa de 1885. O “Ovo da Galinha” foi feito de ouro amarelo e esmalte branco. Quando aberto, revelava uma gema de ouro fosco. Dentro dela havia outra surpresa: uma galinha, que, por sua vez, continha uma réplica da coroa imperial. Os ovos aparecem agora em forma de pingentes com quase 2 centímetros de altura ó um décimo do tamanho dos modelos do século passado. E com preços que equivalem a um milésimo dos recordes obtidos em leilões.