Aumenta o número de furtos em Cumbica
A polícia acaba de prender uma das gangues, mas várias outras continuam à solta nos terminais
Na última segunda (6), o Aeroporto Internacional de Guarulhos/Cumbica ocupou as manchetes dos noticiários por dois acontecimentos importantes. Um deles foi o leilão de sua privatização, realizado junto com os dos terminais de Viracopos, em Campinas, e de Brasília. A concessão de Guarulhos, que tem prazo de vinte anos, acabou arrematada por 16,2 bilhões de reais pelo consórcio Invepar. O outro fato foi a descoberta de mais uma gangue que lá agia. Cinco pessoas terminaram presas, sob a acusação de desviar malas das esteiras do desembarque internacional para o setor de desembarque doméstico. Dali, um integrante do bando saía com as bagagens como se fosse um passageiro, sem ser importunado por ninguém. Segundo a polícia, a quadrilha atuava dessa forma havia um ano. Nas buscas realizadas nas casas dos ladrões, os investigadores encontraram parte do material furtado recentemente. Três dos envolvidos confessaram o crime.
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Batizada de Oitavo Mandamento, numa referência bíblica ao preceito “Não furtarás” (nas religiões judaica e protestante; na católica, esse é o sétimo mandamento), a operação coordenada por Ricardo Guanaes Domingues, titular da Delegacia do Aeroporto de Cumbica, envolveu 21 policiais. A partir de uma denúncia anônima, a equipe começou a seguir as pistas para chegar aos bandidos, contando com a ajuda de guardas à paisana e de grampos telefônicos autorizados pela Justiça. Em uma das conversas interceptadas, realizada no fim do ano passado, há o seguinte diálogo entre dois comparsas:
— Bateu uma saudade de roubar umas malas — diz um.
— Eu estava falando sobre isso com a minha namorada — diz o outro. — O problema é que os moleques são c…, senão já ia organizar mais uma aí pra levantar uma grana.
— Tem que ser no período da noite — afirma o primeiro. — Estou voltando de férias e conversamos.
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No término do trabalho, de posse de mandados de busca e apreensão, os policiais dirigiram-se às residências dos meliantes, onde encontraram 25 malas de viagem com aparelhos eletrônicos, roupas, joias, perfumes e brinquedos. Sem antecedentes criminais, os envolvidos tinham emprego fixo e, em sua maioria, nível superior de ensino. Três deles eram funcionários de uma companhia aérea e um havia sido demitido da mesma empresa dias antes da prisão. “Sempre desconfiamos dessa espécie de conexão, pois só gente com acesso a áreas restritas aos passageiros poderia fazer esse tipo de coisa”, afirma Domingues. “Eu sei que outras irregularidades acontecem no aeroporto, mas posso dizer com segurança que conseguimos quebrar um esquema que vinha fazendo vítimas havia muitos meses.”
Não bastassem seus problemas crônicos, como atrasos, superlotação e filas intermináveis — um investimento para tentar aliviar uma pequena parte do caos foi a inauguração do Terminal 4, ocorrida na última semana —, Cumbica também vem se tornando mais inseguro. Enquanto o número de passageiros aumentou 11% no ano passado em relação a 2010, a quantidade de furtos cresceu 76% no mesmo período, atingindo o total de 1.389 ocorrências — uma média de quatro crimes por dia. A situação preocupa ainda mais quando se verifica que poucas queixas são registradas em boletins de ocorrência. “Em 90% dos casos, a vítima não procura a polícia”, afirma um investigador.
A maior parte das ações é promovida por gangues especializadas. Uma das que atormentam os frequentadores é formada por ladrões estrangeiros, quase todos sul-americanos. Eles se misturam aos passageiros no terminal e, aproveitando momentos de descuido, levam bagagens de mão. No fim do ano passado, a polícia prendeu em flagrante quatro colombianos aplicando esse golpe. Outro bando é especialista em surrupiar equipamentos eletrônicos, como notebooks e tablets. Eles agem em duplas ou trios e circulam principalmente pelos saguões de embarque, plataformas, cafés e restaurantes. Um dos alvos preferidos são as salas de espera nas asas A e D. Em ambas, existem alguns pontos cegos para as câmeras de segurança, o que facilita as ações.
O empresário Eduardo Santos, de 30 anos, está entre os que sofreram com os problemas de segurança em Cumbica. Em setembro passado, quando chegou em casa na volta de uma viagem à Itália, teve uma desagradável surpresa ao abrir as malas: a trava do zíper havia sido arrebentada e as roupas estavam reviradas. “Levaram um relógio Bulgari, de 5.000 dólares”, conta ele, que vai entrar na Justiça contra a British Airways. Um ponto em comum nas histórias das vítimas é a desinformação dos funcionários das empresas que deveriam socorrê-los nesses momentos.
“Quando dei conta do sumiço da minha bagagem, a atendente da Gol me disse que alguém devia tê-la levado por engano”, relata a estudante Olivia Abumanssur, de 23 anos. “Tive de esperar um mês para entrar com um pedido de indenização.” O caso ocorreu há quarenta dias e, entre os itens de valor furtados, estavam casacos de inverno e garrafas de vinho comprados no Chile. No fim de 2010, ao retornar de uma viagem a Paris, a relações-públicas Ticiana Neves Guerra, de 33 anos, não encontrou a mala na esteira de bagagens. “Perdi minhas melhores roupas, minha câmera fotográfica e boa parte de minhas fotos”, lamenta. A Iberia, companhia aérea pela qual viajou, lhe prometeu uma resposta em até 21 dias. Como não houve retorno, Ticiana processou a empresa e acabou fazendo um acordo: recebeu uma indenização de 5.800 reais.
Quando o passageiro perceber que foi furtado, deve procurar a empresa, preencher um formulário específico e comparecer à delegacia para registrar a ocorrência. As companhias aéreas fazem um reembolso que é calculado a partir do peso da mala (44 reais por quilo). Como o valor é muito baixo, algumas das vítimas optam por entrar com ações de indenização na Justiça.
Segundo os especialistas em segurança, Cumbica virou um campo fértil para a ação dos gatunos por causa de uma série de falhas. A principal delas é o inexpressivo efetivo policial no local. São apenas oito PMs divididos entre a sala de operações, as viaturas que fazem rondas na área externa e os salões de embarque e desembarque. Ninguém precisa ser perito no assunto para saber que esse número é insuficiente para patrulhar o aeroporto mais movimentado do país. Considerando o total de 80.000 passageiros que circulam diariamente nos terminais, dá uma média de um PM para cada grupo de 10.000 pessoas. Há também vinte policiais civis e 1.085 agentes da Infraero, aqueles rapazes de uniforme preto, que não têm poder de polícia. A vigilância é complementada pelo sistema de 600 câmeras de monitoramento, um número também insuficiente diante do movimento. Nesse campo, diga-se, ocorreu até um avanço. Há dois anos, a Infraero, estatal ainda responsável pela administração do aeroporto, dobrou o número de câmeras. Mesmo assim, continua sendo pouco. “A quantidade atual teria de ser multiplicada por trinta para chegarmos perto do ideal”, diz o coronel José Vicente, especialista em segurança pública.
Até o estacionamento, um dos mais caros do país, com diárias de 50 reais, é alvo dos golpistas. Administrado pela empresa MaxiPark, ele serve de campo de atuação para a gangue do estepe. Os bandidos aproveitam a falta de policiamento na área para rapinar pneus dos veículos. No fim do ano passado, dois ladrões foram presos em flagrante, já fora das dependências do aeroporto, com três pneus roubados no pátio. Descobriu- se depois que eles praticavam ao menos vinte furtos do tipo por mês.
Cumbica sempre fica em desvantagem quando é comparado a outros grandes aeroportos do mundo em questões como pontualidade e conforto. No item segurança, a diferença também é abissal (veja o quadro no final da reportagem). O John F. Kennedy, em Nova York, por exemplo, recebe quase o dobro de passageiros em relação a Guarulhos e tem 4.000 vigilantes cuidando da área. Nem sempre, é verdade, todo esse aparato elimina a ocorrência de problemas. O Barajas, em Madri, registra hoje praticamente a mesma quantidade de furtos que Cumbica, com a ressalva de que também recebe quase 70% a mais de viajantes. Para coibir essas ações, sua administração iniciou uma campanha para as companhias aéreas reduzirem o número de funcionários terceirizados e temporários. Procurados por VEJA SÃO PAULO, os representantes do consórcio Invepar, que tomará conta do aeroporto paulista daqui para a frente, disseram que não se manifestarão sobre o assunto antes de abril, início do período da concessão. Resta aos passageiros torcer para que a melhoria da segurança no aeroporto esteja entre suas prioridades.