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A evolução do cafezinho

Por Matthew Shirts
Atualizado em 5 dez 2016, 17h33 - Publicado em 2 dez 2011, 23h51

Surpreendeu-me o garçom em um restaurante do Rio de Janeiro, dia desses, ao responder à pergunta “Tem café?”.

“Não”, disse ele. “Só expresso.”

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Achei que era pegadinha. Os cariocas não são imunes à tentação de tirar onda dos turistas, como se sabe. Esperei em silêncio com uma cara de confusão, sem saber como responder. O garçom voltou a limpar a mesa ao lado. Consegui balbuciar: “Então, dois expressos, por favor”. Desconfio ter visto um sorrisinho maroto subir pelo lado direito da sua boca. Não tenho certeza. Pode ser paranoia também. Fiquei com uma pulga atrás da orelha.

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Poucos dias depois, peguei uma van no aeroporto simpático, tropical e modernoso de Confins, em Belo Horizonte, junto com uma escritora carioca. Estava a caminho de um evento literário em Ouro Preto. São mais de duas horas de estrada e, no caminho, paramos para um sanduíche de linguiça e um pão de queijo como só mesmo os mineiros sabem fazer. Afinal, ninguém é de ferro. A escritora carioca pediu um cafezinho, feito no coador, para encerrar nosso lanche com chave de ouro. De volta ao nosso veículo, ela me confidenciou, com orgulho: “No Rio, quase só tomamos expresso”.

A pulga saiu de trás da minha orelha nesse momento e ganhou um campo aberto. Juntei uma história com a outra em um devaneio rodoviário dedicado ao café. É um símbolo carregado de significados, pensei, em imitação ao professor herói do bestseller de Dan Brown, “O Código Da Vinci”.

Em São Paulo, para o bem ou para o mal, já não fazemos mais essa distinção entre cafezinho e expresso, não com tamanha clareza, ao menos. Existem diferentes maneiras de preparar a bebida, mas chamamos a todas pelo mesmo nome. Expresso = café. Ou, melhor ainda, cafezinho, esta palavra adorável. Mas é recente isso. Lembro-me da primeira máquina de expresso da Vila Madalena, montada na década de 80 pela lendária Ana Argentina, hoje proprietária do restaurante Martin Fierro.

Naqueles tempos, com o fim da ditadura, houve uma abertura abrupta para a cultura americana. Estudantes e artistas de São Paulo passaram a cultivar escritores como o devasso Charles Bukowski, autor de “Mulheres”, entre outros títulos. Acabara eu de me mudar para São Paulo e muitas vezes era chamado para responder pela cultura americana nos botecos da Vila Madalena ou no saudoso Pirandello, na região conhecida hoje como Baixo Augusta. Sem falar do velho e bom Riviera, na Consolação. Ouvia os elogios feitos aos escritores recém-descobertos, aos artistas plásticos “pop”, aos músicos do jazz, como Miles Davis e John Coltrane.

Mas muitas vezes os mesmos elogios eram seguidos da frase: “Só não entendo como é que vocês conseguem tomar aquele chafé medonho. O que é aquilo, cara? Tomar café junto com a refeição, de balde?” O chamado café americano era visto com desconfiança.

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Bons cinéfilos paulistanos, meus amigos haviam assistido aos filmes de Hollywood. Todos os filmes, mais do que eu. E, no cinema, vira e mexe aparece a garçonete linda de cintura fina para “refrescar” o café do detetive ou do ladrão ou do jornalista. Aos olhos dos paulistanos aquilo parecia uma prática medieval — no mau sentido. Não chegava a estragar as obras clássicas de Hollywood. Mas quase. Era como se todos os personagens comessem bolos de aniversário inteiros no lugar de “comida”. Não fazia sentido.

Na estrada para Ouro Preto, tentava recordar como é que eu respondia a essas perguntas à época. Não consegui. Só ficou a imagem da indignação dos meus queridos amigos paulistanos. Nunca achei tão ruim esse chafé americano dos restaurantes tradicionais, para dizer a verdade. Ele é servido ainda nos bares mais populares. Mas hoje, confesso, prefiro o expresso.

 

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