Caviar, trufa e até pirarucu: iguarias da butique francesa Petrossian
Conheça um dos endereços gourmet mais cobiçados de Paris, que inaugurou sua primeira unidade paulistana neste mês
O térreo do prédio de esquina na região do Hôtel des Invalides, em Paris, estampa em sua fachada letras vermelhas em que se lê “Petrossian”. Aberta em 1920 pelos irmãos Melkoum e Mouchegh Petrossian, a casa reúne os mais cobiçados ingredientes gastronômicos do planeta. Do teto ao chão, as paredes revestidas de madeira estão cobertas de trufas brancas e negras, pérolas de chocolate recheadas de vodca, vinagre balsâmico envelhecido por vinte anos e latinhas de caviar beluga que chegam a custar 12.000 euros o quilo — algo em torno de 28.000 reais. De uns anos para cá, a clientela começou a notar um item diferente na vitrine dos defumados. Em meio a cortes de salmão, caranguejos e tarama (pasta feita com ovas de bacalhau), encontram-se longos e estreitos filés de um rosa pálido, quase branco. Quem pergunta do que se trata pode provar, ali mesmo, uma fina fatia de “arapaïma”, cortada na hora. Ou, em bom português, pirarucu.
Filho de Mouchegh e à frente do negócio desde 1992, Armen Petrossian encantou-se com o peixe amazônico praticamente desconhecido dos paladares europeus. “Foi amor à primeira vista”, diz ele, um homem elegante, sempre de gravata-borboleta, camisa branca com abotoaduras douradas e azuis, bigode armado com cera e um iPhone que não para de tocar. Tudo começou em Bruxelas, há cerca de quatro anos. “Dos vários pescados brasileiros que estavam em uma exposição, parecendo uma natureza-morta, foi ele que me saltou aos olhos.” Petrossian mobilizou sua equipe para descobrir tudo sobre aquele que é um dos maiores peixes de água doce do mundo. Organizou-se uma viagem para Belém e, de lá, para Mexiana, ilha na foz do Rio Amazonas onde o pirarucu é pescado. “O desejo de descobrir tudo sobre um produto está na raiz da Petrossian”, explica ele. No Brasil, Petrossian provou as versões seca e salgada — e não gostou muito. Por isso, prefere chamá-lo de “arapaïma”, uma referência a seu nome científico, “Arapaima gigas”.
De Mexiana, no Pará, para o balcão da Petrossian, há diversas etapas. E uma significativa valorização e sofisticação: na butique, o quilo do “arapaïma” defumado é vendido a 120 euros (cerca de 280 reais) e é servido no restaurante 144, no andar de cima da loja, como entrada ou prato principal. Após a pesca com vara, os peixes são transportados para Belém. Dali, depois de limpos, embalados a vácuo e congelados, os filés embarcam para Paris — Petrossian não aproveita a carne da barriga, mais barata. A defumação é realizada na fábrica da empresa, em Angers, no Vale do Loire. “Levamos mais de seis meses para encontrar o método de defumação perfeito”, diz. Como a carne do lombo é muito consistente, dezenas de quilos foram jogadas fora até que se acertasse o tempo de forno necessário para atingir o ponto exato do preparo.
É verdade que os produtos da Amazônia estão na moda no mundo todo desde que o catalão Ferran Adrià começou a usar o tucupi em suas preparações. Mas o que chamou a atenção de Petrossian foi certa semelhança do pirarucu com seu primo rico, o esturjão. Em comum, os dois peixes têm o grande porte (o pirarucu pode atingir cerca de 200 quilos) e o fato de serem considerados “pré-históricos” — o nosso existe há 100 milhões de anos, contra 300 milhões do esturjão. Foram as ovas desta espécie que fizeram a fama dos irmãos Petrossian. A frase também funciona no sentido inverso: os irmãos Petrossian contribuíram para levar a fama do caviar para Paris — e para o mundo.
O emblema da casa traz a imagem de uma caravela que segue calmamente seu curso em meio à tempestade. Serve para ilustrar a saga da família russa de origem armênia que chegou a Paris fugindo da Revolução Russa de 1917. O herdeiro Armen Petrossian se prepara para mais uma travessia. Neste mês, inaugurou sua primeira loja no Hemisfério Sul — no térreo do Shopping Cidade Jardim. Já existem filiais em Nova York, Los Angeles e Las Vegas. Por enquanto, a loja de São Paulo não terá o “arapaïma” — seria necessário implementar um local de defumação no Brasil. Mas é possível provar o peixe em São Paulo — ele está no cardápio de restaurantes como D.O.M., Brasil a Gosto e Tordesilhas. “O pirarucu é hoje quase uma febre na cidade”, diz, com certo exagero, a chef Mara Salles, do Tordesilhas, que conheceu o peixe há cerca de quinze anos. “Ele agrada ao paladar de todo mundo.” Nas vitrines da loja paulistana, além dos chás, azeites, trufas, vodcas, foie gras e chocolates, aos poucos, há noix de saint-jacques (vieiras) do Mar do Norte, caranguejo de Kamtchatka e, sobretudo, muitas variedades de salmão defumado: da Escócia, da Noruega ou da região do Mar Báltico. Uma das especialidades é o miolo do filé de salmão, fatiado a mão e marinado com endro e limão. Chama-se “corte do czar” e pode ser provado no espaço para degustação. Formada por seis funcionários, a equipe paulistana foi treinada no endereço de Nova York, comandado pelo filho de Armen. “Essa profissão inclui fazer os clientes sonhar”, diz. A prataria necessária para servir as pequenas joias redondas vendidas em caixinhas metálicas reluz no local. Semanas antes da abertura do endereço, havia o risco de o caviar não chegar para a festa: a importação do produto ainda não tinha sido totalmente regulamentada pelas autoridades brasileiras. Petrossian trabalha apenas com ovas de esturjão de criação — desde 2009, os selvagens não podem ser comercializados, pois estão ameaçados de extinção. Mas a papelada ficou pronta a tempo, e Petrossian garantiu mais uma vitória para seu barco: incluiu o Brasil na rota do caviar.