Crianças tentam a sorte nos palcos
Meninas de diferentes idades disputam uma vaga no espetáculo “As Bruxas de Eastwick”, que estreia em agosto
No último dia 1º, às 14h30, a recepção do Teatro Abril estava cheia. Vários pais mostravam-se ansiosos, alguns roíam as unhas e outros andavam de um lado para outro à espera de suas filhas: doze garotinhas com idade entre 7 e 12 anos que disputavam um papel no musical “As Bruxas de Eastwick”. Adaptação do romance escrito pelo americano John Updike, a peça tem estreia prevista para agosto, no Teatro Bradesco.
As pequenas já haviam sido encaminhadas para a sala de audições. Algumas trajavam roupas de lantejoulas e exibiam os cabelos bem-arrumados. Outras estavam com o uniforme da escola. Antes de enfrentarem a prova de fogo — quando cantam sob a avaliação dos organizadores do espetáculo uma música escolhida previamente por elas —, esquentavam a voz sozinhas e depois coletivamente junto com o tecladista. A estudante Carolina Cristal da Fonseca, de 10 anos, chegou acompanhada por sua mãe, Darci Helena. “Às vezes fico nervosa, mas olho para um ponto fixo na porta para ficar mais tranquila”, disse a menina de aparência angelical, que não dispensou o baby-liss nos fios loiros para ir ao teste.
Identificada por um número, cada menina demorou cerca de cinco minutos para mostrar seu talento (ou a falta dele), sempre sendo filmada para avaliação posterior. Enquanto isso, as demais esperavam em uma área separada. Ali, o clima não era de competição. As meninas riam e brincavam umas com as outras.
Larissa Manoela Santos foi a primeira a enfrentar o júri, formado pelos diretores de olhar treinado Claudio Botelho e Charles Möeller, responsáveis por levar aos palcos 24 espetáculos, entre eles “Avenida Q” e “O Despertar da Primavera”. Não que isso fosse algum tipo de ameaça para o bom desempenho da veterana mirim. Aos 10 anos, ela já participou de novelas, filmes e musicais. Na lista desses últimos aparecem “Gypsy” e “A Noviça Rebelde”, comandados pelos próprios Botelho e Möeller. “Eu me sinto segura no que faço”, diz. “Treino na frente do espelho, no banho… Acho muito divertido.”
Em “Gypsy”, faturava 950 reais por mês de trabalho, e, em “A Noviça Rebelde”, 750 reais. Sua mãe, a pedagoga paranaense Silvana Santos, mudou-se para São Paulo com o objetivo de investir na carreira da filha. “Não a trato como a galinha dos ovos de ouro, sei que ela faz porque gosta”, afirma. “Eu ensinei a Larissa a lidar com os ‘sins’ e ‘nãos’ que recebe.” Com uma voz suave e presença de palco primorosa, a garota cantou “Home”, da peça “A Bela e a Fera”.
Canções de musicais estrangeiros, aliás, são as favoritas das audições. Nas apresentações que se seguiram, os presentes puderam ouvir faixas de produções americanas do estilo de “Annie” e “A Pequena Sereia”. Quando uma delas chegou com a partitura de “História de uma Gata”, de “Os Saltimbancos”, ouviu dos avaliadores um “enfim, uma criança brasileira”. Mesmo com agudos desafinados ou esquecimento das letras, as candidatas sempre ganhavam parabéns na saída.
A extrovertida Raquel Martins, de 7 anos, que acumula experiência em dar uma canja em programas de auditório, saiu de sua primeira audição eufórica e logo agarrou a boneca que a mãe, Iara Denise, segurava. “Percebi que ela cantava bonitinho na escola e desde então resolvi levá-la para tentar a sorte”, conta Iara.
Assim que todas voltaram para os braços dos pais, a equipe que acompanhou os testes começou a discutir em uma confusão de vozes. As performances receberam notas de zero a 10. “Adorei o tipo, pena que não cantou nada” e “Essa ia quebrar o teatro de tão ruim” foram alguns dos comentários. “Além de alguém que tenha talento, procuramos uma menina madura, com um bom temperamento”, explica Möeller. “Elas precisam respeitar o teatro e entender que é um lugar sagrado.”
O resultado da seleção deve ser comunicado às candidatas até o início de abril. As duas escolhidas se revezarão nas apresentações de um só papel, o de uma criança com aura fantástica. Daqui a cerca de um mês, devem enfrentar por volta de duas horas diárias de ensaio, sempre respeitando o horário escolar. No total, 25 pessoas integrarão o elenco de “As Bruxas de Eastwick”. Foram 3.000 inscritos e 150 selecionados para as audições, entre eles as doze garotinhas. O processo de escolha dos atores durou quatro dias. Tudo para, na hora do espetáculo, as cortinas se abrirem e revelarem artistas que parecem ter nascido para seu papel, sem deixar o público perceber quão difícil foi chegar até ali.